“Os pais já morreram, ela vive com uma tia e não sabia que tinha sido excisada. Descobriu numa consulta”, relata Fatumata Baldé, que a tem acompanhado nas deslocações a um hospital de Bissau.

A presidente da Comissão Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas luta por livrar a Guiné-Bissau da Mutilação Genital Feminina (MGF) e tenta também atenuar o sofrimento das vítimas. Estima-se que pelo menos 200 milhões de raparigas e mulheres foram vítimas de mutilação genital feminina em 30 países, segundo um relatório da UNICEF.

“Ela tinha vergonha em falar do assunto. Foi uma vizinha que a levou até à nossa sede e começou a explicar que ela tinha dificuldades”, descreve Fatumata à Lusa.

A descoberta causou choque, mas o acompanhamento e os cuidados médicos permitiram-lhe recuperar um lado da vida que lhe tinha sido negado.

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O caso é um exemplo da multiplicidade de problemas causados pela Mutilação Genital Feminina (MGF), tanto a nível psicológico, como no que respeita às lesões corporais.

“As consequências mais graves têm a ver com a saúde sexual e reprodutiva, sobretudo no momento do parto. É quando a mulher tem mais dificuldades”, sublinha.

Alertar os médicos e parteiras

Este aspeto fez com que o Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e a organização ONU Mulheres, na esfera das agências das Nações Unidas, tenham sistematizado informação e organizado um conjunto de formações para preparar os médicos e parteiras a enfrentar casos de excisão.

“Como o Ministério da Saúde elaborou um novo manual de cuidados obstétricos e neonatais de urgência, introduziram-se aspetos ligados à MGF e aos direitos humanos. No final, fez-se a formação” que abrangeu mais de uma centena de profissionais.

Foram abrangidas as regiões de Bolama (arquipélago dos Bijagós), Bafatá e Gabu (no interior centro e leste) e ainda Tombali e Quinara (no sul), por serem as zonas de maior prevalência da MGF.

As vítimas são diferentes: mais fragilizadas psicologicamente, mais sujeitas a dor crónica e eventuais limitações na hora do parto.

“O objetivo desde nova iniciativa é que médicos e parteiras conheçam os aspetos característicos, possam identificar as vítimas e ajudá-las no sentido de não sofreram ainda mais como consequência dessa prática”, conclui.

Os mais recentes indicadores revelam uma diminuição da prática, apesar de continuar a ser expressiva.

Segundo o Inquérito aos Indicadores Múltiplos (MICS) de 2010, promovido pelo Governo e Nações Unidas, a excisão afetava metade (50%) das mulheres da Guiné-Bissau com idades entre os 15 e os 49 anos, valor que desceu para 45% no MICS 2014.

Há um senão: com medo da lei, há cada vez mais pais a sujeitar as filhas à MGF quando ainda são bebés, para haver menos possibilidades de denúncia.

De acordo com os testemunhos das mães recolhidos em 2014, 49,7% das raparigas guineenses ainda são alvo de alguma forma de MGF, desde que nascem até aos 14 anos.