O que tem contribuído para a diminuição dos novos diagnósticos de VIH/Sida em Portugal?
Tal deve-se, muito provavelmente, a um misto de situações: A uma mudança, médica, no modelo de tratamento, pois atualmente todos os doentes devem realizar terapêutica, ao contrário do que era preconizado há alguns anos atrás. Deste modo, estando a doença controlada, a sua transmissibilidade diminui drasticamente. Depois, houve uma viragem no estilo de consumo de drogas, tendo a utilização de drogas endovenosas caído em desuso relativamente ao uso de drogas sintéticas, utilizadas por outras vias, pelo que o risco de transmissão inerente à via sanguínea é muito mais baixo.
Aliás, esta categoria de transmissão foi a que mais caiu em termos absolutos e relativos nos últimos anos. Por outro lado, deve-se à maior acessibilidade logística (como a disponibilidade de testes rápidos nos cuidados de saúde primários) e maior sensibilização por parte dos médicos, para que os doentes sejam testados e diagnosticados mais precocemente.
Mas existe o risco de o número de novos diagnósticos voltar a aumentar?
Se por novos diagnósticos se entenda um aumento real na transmissão, não sendo um cenário impossível, a tendência evolutiva atual parece contrariar essa possibilidade. Se, pelo contrário, se considerarmos um novo diagnóstico no sentido mais estrito, seria possível que um esforço conjunto para testar toda – ou a maior parte – da população de forma sistemática, pudesse levar a um incrementar dos novos casos, mas aí à custa dos casos, já pré-existentes, que certamente ainda estão por diagnosticar.
Sendo a PrEP uma estratégia com eficácia comprovada, considero que deverá ser utilizada de uma forma ponderada e restrita a casos em que, de facto, não existam outras alternativas
Existe algum grupo da população em que esse número de diagnósticos aumentou especificamente?
Em termos numéricos absolutos, apenas no grupo dos HSH (homens que têm, ou tiveram, sexo com homens) se tem notado uma tendência para, nos últimos anos, o número de novos casos ser relativamente estável. Isto ao invés dos outros grupos onde a tendência decrescente é notória. Já em termos proporcionais (percentagem de casos do total), e pelo referido anteriormente, é também este grupo o único que apresenta uma tendência de subida.
Quais são os principais sintomas do VIH/Sida?
A sintomatologia pode surgir, basicamente, em duas ocasiões: na altura da transmissão inicial, em que a aquisição da doença pode causar um quadro semelhante a uma infeção vírica inespecífica (com febre, dor de cabeça, dor de garganta, erupções na pele), sendo quase sempre indistinguível de uma patologia banal. No entanto, na maioria dos casos esta fase da doença ocorre sem quaisquer sintomas e, quando acontecem, duram não mais de uma a duas semanas.
Ou na doença avançada, onde podem surgir queixas, naturalmente variáveis, consoante alguma infeção ou tumor oportunistas relacionados com o VIH ou, tão simplesmente, quadros mais vagos mas persistentes de emagrecimento, febre, alterações cognitivas ou aumento dos gânglios linfáticos, por exemplo.
O período que vai desde a aquisição da doença até ao surgir de uma patologia oportunista é, em média, de oito a dez anos. Durante todo este período de tempo a pessoa pode não ter qualquer queixa relacionada com a sua doença. Neste intervalo de tempo podem, ainda assim, existir pistas clínicas que deverão fazer suspeitar da doença, como por exemplo pneumonias bacterianas de repetição, candidíase vaginal refratária, quadros de herpes zoster (a “zona”), entre outras.
É possível ter qualidade de vida com VIH/Sida?
Na grande maioria dos casos, conquanto não haja complicações decorrentes da doença antes do diagnóstico, a qualidade de vida para o doente com infeção com VIH/Sida é elevada. Para isso também contribui o facto de os tratamentos atualmente utilizados serem praticamente desprovidos de efeitos secundários incomodativos e de, na esmagadora maioria dos casos, serem tomados apenas uma vez ao dia.
De igual modo, desde que a infeção esteja bem controlada, é também possível aos casais em que um dos membros, ou ambos, estejam infetados, ter filhos com um risco mínimo de transmissão da doença.
Quais são as doenças mais vezes associadas aos casos de VIH/Sida?
Do ponto de vista de patologias oportunistas, as mais frequentes nestes doentes são a tuberculose (que também apresenta níveis ainda relevantes na população em geral) e a pneumocistose.
No entanto, fora do âmbito das patologias oportunistas, estes doentes apresentam maior susceptibilidade para doença cardiovascular (por exemplo, colesterol elevado, hipertensão arterial e enfartes do miocárdio), insuficiência renal, osteoporose, patologia psiquiátrica (depressão e ansiedade), bem como para alguns tipos de tumores (linfomas, cancro do pulmão, cancro do colo do útero, cancro do canal anal, entre outros).
O que é preciso fazer para diminuir a incidência de novos casos?
Logicamente, a deteção e tratamento de todos os casos já existentes (por exemplo, com campanhas de teste feitos de forma sistemática e não apenas em pessoas “de risco”) levaria a uma franca diminuição dos novos casos.
Mas, enquanto tal cenário não é uma realidade, o essencial é que haja uma mudança dos comportamentos que levam à aquisição da doença. Para tal é necessário que a população seja alertada e sensibilizada para tal. São precisas mais, melhores e mais abrangentes campanhas de sensibilização – menos estéticas e mais agressivas, menos passageiras e mais duradouras – para que não se banalize uma doença que é perfeitamente evitável.
Considera que a Profilaxia pré-Exposição (PrEP) - que evitaria novos diagnósticos - deveria configurar uma política de saúde mais alargada no SNS?
Pessoalmente, e sendo a PrEP uma estratégia com eficácia comprovada, considero que deverá ser utilizada de uma forma ponderada e restrita a casos em que, de facto, não existam outras alternativas.
A sua vulgarização como estratégia isolada, por oposição aos esforços que promovam a mudança dos comportamentos e situações que levem à sua utilização, poderão ser nocivas a longo prazo – não só pelo sobrecarregar de um sistema de saúde já de si sobrecarregado, mas também pelo aumentar da incidência de outras doenças sexualmente transmissíveis que, deste modo, não são prevenidas (como a sífilis, gonorreia, doença por Chlamydia, hepatites víricas, entre outras).
Que balanço faz destes 30 anos de terapêutica antirretrovírica? E em concreto em Portugal?
Estes 30 anos, tanto a nível internacional como em Portugal, podem-se dividir, grosso modo, em três períodos com 10 anos cada.
Nos primeiros 10 anos, a terapêutica existente era praticamente inefica, ou eficaz apenas durante um curto período de tempo, com horários de tomas complexos e com muito efeitos secundários associados. Nesta altura, a doença era quase sempre fatal – praticamente uma sentença de morte.
O segundo período fica marcado pelo surgir da denominada terapêutica antirretrovírica de alta eficácia, por força do surgir de uma nova classe de medicamentos (os inibidores da protease). A terapêutica era agora eficaz de uma forma mais duradoura, mas as tomas da medicação continuavam a revestir-se de alguma complexidade e não eram isentas de efeitos secundários que marcavam a qualidade de vida do doente – alguns desses efeitos eram imediatos e logo notados pelo doente, outros podiam demorar a estabelecer-se mas, posteriormente, persistirem no tempo.
O último período é marcado pelo surgir de tratamentos altamente robustos, quase que passando a eficácia (agora “garantida”) para segundo plano. É a época de tratamentos cada vez mais simples, até ao advento do comprimido único uma vez ao dia, e praticamente desprovidos de efeitos secundários a curto prazo. Permanece ainda, no entanto, a preocupação com os efeitos cumulativos a longo prazo, com a interação destes fármacos com outros que os doentes possam tomar e, cada vez mais, com as outras doenças que os doentes, agora cada vez mais velhos, vão acumulando. O balanço, portanto, é fortemente positivo.
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