“Nasci na Ucrânia e vou morrer na Ucrânia”, disse à agência Lusa a médica de 60 anos que por seis vezes recusou as oportunidades criadas por familiares e amigos para abandonar o país sob ataque do exército russo.

Tatiana Ivanska é médica no denominado Hospital Militar da Ucrânia onde continua em funções apesar de já se encontrar em idade de se poder reformar.

A filha, Marina Ivanska, de 34 anos, a residir nas Caldas da Rainha, já perdeu a conta às vezes que insistiu com a mãe para “vir para Portugal, onde pode ter uma vida boa”. O mesmo fizeram as irmãs de Tatiana, compadres e amigos da filha a residir noutros países, mas nada a demoveu.

“Quero ajudar o meu país, cuidar dos feridos que lutam para proteger a Ucrânia”, afirmou a médica à agência Lusa via telefone.

A médica encontra na sua religiosidade a crença de que Deus protege quem não vira as costas a quem precisa de auxílio para resistir à guerra.

Em Kiev, contou, “não falta comida, nem produtos de higiene”, mas “muitas pessoas idosas não têm condições de ir para as filas comprar os que precisam, ou à farmácia em busca medicamentos”.

Por isso, Tatiana, que vive há nove anos em Portugal, voluntaria-se diariamente para, no percurso entre o trabalho e a casa, fazer chegar a essas pessoas aquilo que precisam.

Marina Ivanska faz apelos através das redes sociais em que “uma pessoa divulga a zona onde está e o que precisa” e outras “divulgam que estão em determinada zona e podem fazer entregas neste percurso”.

Desta forma, a partir de Portugal, empenha-se também nesta causa, a par com a recolha de bens para os refugiados.

“Vou às redes sociais procurar apelos, mando para a minha mãe e para outros contactos, divulgo no facebook e no instagram, e depois, eles lá, combinam pontos de encontro para entregar as coisas”, explicou.

Separadas por mais de quatro mil quilómetros, mãe e filha partilham ao telefone “a incrível solidariedade que une as pessoas”, como a idosa que, quase sem comida em casa convida Tatiana “a entrar e comer com ela”, conta Marina, acrescentando que a mãe recusa a refeição acedendo apenas a entrar para “rezar uma oração e ir embora”.

Rezar, é por estes dias a receita de Tatiana “quando se ouvem os bombardeamentos”, preferindo “ficar em casa a ir para o abrigo”. A guerra, vincou Tatiana, “uniu as pessoas de diferentes crenças, que rezam em conjunto, em vários locais da cidade, onde há muitas igrejas”.

A guerra, que faz da médica uma voluntária que apoia civis fora do horário laboral, é a mesma que a leva, aos fins de semana, a juntar-se a uma brigada de pessoas que percorrem a cidade à procura de marcas alegadamente deixadas por infiltrados russos e que sinalizam edifícios para bombardear.

O grupo “vai tapar essas marcas, ou pintá-las, para evitar que esses locais sejam atacados” ou ainda, “falar com as pessoas, perguntar se houve movimentações estranhas, fazer o que seja preciso para defender a cidade”.

Já a Tatiana defende-a a fé com que entrega “a vida nas mãos de Deus” e a crença de que “a Ucrânia vai vencer esta guerra”.

Marina, não tem tanta fé e a cada vez que a mãe não atende o telefone sente “no coração uma enorme vontade de que ela venha para Portugal”. Mas depois, “ela atende e mesmo que a situação esteja má faz uma voz animada”. A filha responde no mesmo tom. E à vontade de a ver a salvo, sobrepõem-se “um enorme orgulho” pela coragem da mulher que não desiste de lutar.