Nos últimos anos, assistimos a uma revolução no tratamento do cancro do pulmão, particularmente no cancro do pulmão de não pequenas células com alterações genéticas acionáveis. Como médica pneumologista oncológica do IPO de Lisboa, acompanho de perto os benefícios e desafios das novas terapêuticas que têm sido desenvolvidas e que oferecem cada vez mais esperança aos nossos doentes.
Atualmente, quando pensamos no melhor tratamento para o cancro do pulmão, o foco geralmente consiste na melhor terapêutica que ofereça ao doente o maior tempo possível sem doença ou com a doença controlada. No entanto, a realidade é que a resposta a esta questão, muitas vezes feita pelos doentes e seus cuidadores, é muito mais que isto.
Os resultados de um estudo recentemente apresentado no Congresso Mundial do Cancro do Pulmão de 2024 são um importante ponto de partida para esta reflexão: os efeitos adversos desempenham um papel central na decisão terapêutica. Os doentes demonstraram-se preocupados com complicações pulmonares, alterações cognitivas e mialgias, enquanto os seus cuidadores tenderam a enfatizar problemas como hipertensão e resultados laboratoriais anormais. Outro aspeto pertinente revelado no estudo é a preferência dos doentes por regimes terapêuticos mais simples, como um comprimido diário, em detrimento de posologias mais complexas.
Como médica, tenho de pesar estes fatores no processo de decisão conjunta, sendo crucial encontrar um equilíbrio entre eficácia e qualidade de vida.
Os tratamentos disponíveis atualmente apresentam perfis distintos em termos de eficácia, segurança e comodidade, o que reforça a necessidade de envolver os doentes e os seus cuidadores no processo de decisão e gestão da sua doença. Assim, em conjunto, podemos unir esforços para oferecer uma vida com menos sintomas e com mais qualidade, limitando a progressão e disseminação da doença de forma simultânea.
Para orientar os doentes no processo de escolha do tratamento, é crucial uma boa comunicação médico-doente, o que implica necessariamente a compreensão clara dos benefícios e riscos envolvidos das terapêuticas. Muitas vezes, os fatores que o doente mais valoriza e a forma como quer viver a sua vida a partir do momento do diagnóstico, são diferentes daqueles que o médico considera serem prioritários, mas com uma abordagem clara e informada, podemos desmistificar medos e avaliar as melhores opções caso a caso de forma a controlar a doença e manter qualidade de vida.
Para além da escolha do melhor tratamento, é também importante refletir no diagnóstico precoce, que ainda hoje é um dos maiores desafios na luta contra o cancro do pulmão.
Segundo estimativas recentes, o cancro do pulmão é a principal causa de morte por cancro a nível nacional e mundial. Em Portugal surgem por ano mais de 6000 casos de cancro do pulmão e mais de 5000 pessoas morrem por este tipo de cancro, sendo o diagnóstico tardio uma das razões para esta elevada mortalidade.
Cerca de 65% dos doentes com cancro do pulmão apresenta uma doença metastática, isto é, avançada ao diagnóstico inicial. Os sintomas iniciais do cancro do pulmão, como uma tosse persistente ou cansaço, podem ser ligeiros ou atribuídos a outras causas, o que pode levar a um atraso no diagnóstico.
O diagnóstico precoce pode mudar drasticamente este panorama. Os programas de rastreio, com recurso a tomografias computorizadas (TC) de tórax de baixa dose, especialmente em indivíduos com fatores de risco (como fumadores ou ex-fumadores), permitem detetar o cancro numa fase mais inicial, com opções de tratamento mais eficazes e com taxas de sobrevivência significativamente superiores. É, portanto, imperativo intensificar os esforços na promoção e implementação de programas de rastreio do cancro do pulmão.
Um artigo da médica Rita Rosa, pneumologista oncológica do IPO Lisboa.
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