Em declarações à agência Lusa, o presidente eleito da SPA, Francisco Araújo, adiantou que, segundo o estudo elaborado pela organização sobre os custos da aterosclerose, o peso da doença em Portugal equivale a 1% do Produto Interno Bruto e representa 11% da despesa corrente em saúde.
“A aterosclerose é uma doença que abrange vários vasos do organismo, vários sistemas, não é uma doença só do coração”, afirmou Francisco Araújo, sublinhando a importância de olhar para a doença como sistémica.
Defendeu que quanto mais cedo se identificarem os fatores de risco melhor, pois por vezes basta uma mudança nos hábitos de vida para fazer a diferença.
“A forma de poder reduzir estes gastos pode ser por via da prevenção, no caso das pessoas que nunca tiveram um evento, controlando os fatores de risco, como a hipertensão, a diabetes ou o colesterol, bem como, naquelas que já têm a doença estabelecida, a utilização de terapêuticas novas ou mais intensivas de forma a minorar a hipótese de essas pessoas terem, por exemplo, um enfarte ou um AVC [acidente vascular cerebral]”, afirmou.
O especialista explicou que o estudo feito pela SPA foi “muito extenso e bastante exaustivo”, acompanhando não só os doentes que estavam a ser seguidos para uma doença que é crónica, como os internamentos por doenças relacionadas com a aterosclerose e as suas consequências. Desta forma, conseguiu-se uma visão global dos custos associados, não só com medicação, mas com consultas de seguimento e, por exemplo, ausências ao trabalho.
“Como todos sabemos, infelizmente, uma pessoa que, por exemplo, teve um AVC pode ficar com sequelas permanentes ou ter um período de recuperação muito longo”, explicou o responsável, sublinhando que se trata de uma doença que tem que ver com a acumulação de fatores de risco, mas que tem também uma herança genética.
O estudo da SPA sublinha o impacto socioeconómico da doença e indica que, quando é feita a soma dos custos diretos da aterosclerose, 58% estão relacionados com custos em ambulatório e 42% com a não participação no mercado de trabalho.
O presidente da SPA disse que com a suspensão da atividade assistencial, por causa da pandemia, os doentes “estão a aparecer em fases mais avançadas da doença” e que é preciso apostar nos cuidados de saúde primários, pois “a melhor forma de detetar fatores de risco e garantir o acompanhamento é em proximidade”.
“Houve uma mudança abrupta no comportamento das pessoas. Inclusivamente tivemos um muito menor número de diagnósticos de enfarte nos primeiros meses após a pandemia, o que não é explicável, porque obviamente isso continua a acontecer”, disse o responsável, alertando: “as pessoas recorreram muito mais tardiamente, ou ficaram em casa, e vão ter complicações que agora começam a aparecer”.
“Temos tido imensas insuficiências cardíacas descompensadas e doentes com fatores de risco não controlados”, insistiu, considerando essencial acompanhar estas pessoas.
Disse que “é o reverso da medalha” da suspensão da atividade assistencial e sublinhou: “É muito importante que o reconhecimento desse risco seja feito e isso tem de ser feito em proximidade. Os médicos de família têm um papel fundamental nesta questão”.
“Não quer dizer que quem não tem sintomas não tenha risco, mas há muito doente sintomático que abandonou o seguimento e esses deviam ser prioritários. (…) Os doentes com mais risco são sempre aqueles que já têm uma doença conhecida e, nalguns casos, não está controlada”, afirmou.
Depois, “é ir recuperando até conseguirmos acompanhar todos os doentes”, afirma o responsável da SPA, lembrando que é importante aumentar a literacia em saúde.
“O doente tem de ter essa responsabilização, há muita desinformação e informação que por vezes não é filtrada e contém erros”, disse Francisco Araújo, que defende que o doente deve procurar esclarecer as suas dúvidas “com o seu agente de saúde” e que “uma gralha no Google pode fazer danos”.
O especialista reconheceu que Portugal tem feito “um trabalho excecional” na redução da mortalidade e dos eventos cardiovasculares do ponto de vista global, mas salientou que tal acontece “sobretudo nos doente mais idosos”.
“A mortalidade precoce, nos doentes mais novos, está a aumentar em Portugal. Temos de perceber que quanto mais cedo fizermos o reconhecimento do risco do doente melhor é", disse, acrescentando que os medicamentos "têm uma função que não é só tratar um parâmetro, como o valor da tensão arterial ou do colesterol. É para reduzir o risco de ter um enfarte, um AVC ou de morte”, explicou.
Francisco Araújo lembrou ainda que “muitas vezes a primeira manifestação de um evento clínico relacionado com a aterosclerose é a morte” e que o check-up médico a partir dos 20 anos “é mandatório”.
“Uma coisa é um doente ser visto aos 20 anos e não ter nenhum fator de risco clássico. Aí, o acompanhamento pode ser feito de uma forma mais afastada”, afirmou, lembrando, contudo, que em Portugal há uma percentagem grande de pessoas com fatores de risco.
“Quarenta por cento dos adultos têm tensão alta, 10% têm diabetes, pré-diabetes o número ainda é maior e colesterol nem se fala”, afirmou o especialista, insistindo que é preciso “não desguarnecer a guarda”.
“Há ainda muito a fazer e quanto mais cedo começarmos maior é o impacto dessa mudança”, acrescentou.
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