HealthNews (HN) – Como se caracteriza a doença cardíaca valvular e qual o seu impacto em Portugal?
Rita Calé Theotónio (RCT) – A doença cardíaca valvular é uma condição em que uma ou mais válvulas do coração não funcionam adequadamente, e tem tido nos últimos anos uma incidência aumentada devida em parte ao envelhecimento da população. Por exemplo, a estenose aórtica, que é uma patologia valvular muito frequente, é uma doença que afeta cerca de 32 mil portugueses, maioritariamente pessoas acima dos 70 anos, limitando as suas capacidades e qualidade de vida.
HN – O que são intervenções percutâneas valvulares? De que doentes estamos a falar e qual o enquadramento em Portugal?
RCT – Cada vez mais o tratamento da estenose aórtica passa pelo implante de uma nova válvula cardíaca, através de um procedimento percutâneo, minimamente invasivo, com a introdução de um cateter por uma artéria (geralmente na virilha), sem necessidade de uma cirurgia convencional. Demora cerca de uma hora e meia e pode fazer-se sem a necessidade de anestesia geral, com recuperação em poucos dias. Esta técnica minimamente invasiva é um dos grandes avanços da cardiologia das últimas duas décadas.
HN – Qual tem sido o papel da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC)?
RCT – Um dos objetivos estratégicos da APIC é a formação de todos os profissionais de saúde que contribuem para o diagnóstico e tratamento das doenças valvulares. E inclui não só os médicos, como também o desenvolvimento de iniciativas que permitam a partilha de conhecimento e experiência com os internos em formação, enfermeiros, técnicos de cardiopneumologia e técnicos de radiologia que integram as equipas de cardiologia de intervenção.
Outra missão também importante da nossa associação passa por tentar sensibilizar a tutela e decisores políticos para a importância de disponibilizar os recursos adequados e necessários, de forma a garantir a universalidade e equidade no acesso atempado a técnicas de intervenção percutâneas valvulares. Com o envelhecimento da população, e com a inovação, a intervenção estrutural tem vindo a ganhar um peso crescente, implicando uma ampliação dos recursos disponíveis. As exigências crescentes podem levar a uma tentativa de racionalizar os recursos humanos e tecnológicos. A APIC tem alertado para o perigo de a racionalidade e concentração de recursos acentuar as desigualdades de acesso a técnicas avançadas de intervenção estrutural, sendo que o acentuar das disparidades irá afetar sobretudo os estratos socioeconómicos mais baixos e as regiões mais distantes dos centros de referência. Atualmente são feitas cerca de 1500 intervenções percutâneas para tratamento da válvula aórtica (TAVI) por ano. São números ainda insuficientes face às necessidades do país e às exigências das últimas recomendações europeias.
HN – Nos dias 14 e 15 de março, na 13.ª Reunião VaP-APIC, que objetivos vos movem?
RCT – Esta iniciativa tem como objetivos promover a atualização e partilha de conhecimentos científicos na área da intervenção valvular, bem como debater os avanços e recentes inovações no tratamento percutâneo da doença valvular. É mais um momento que permite também juntar a comunidade científica que se dedica a esta área de intervenção e que integra a intitulada “Heart Team”, constituída por diferentes especialidades que colaboram para avaliar, planear e realizar as intervenções valvulares: cardiologia de intervenção, cirurgia cardíaca, cardiologia clínica e de imagem, anestesia.
HN – Quais são os temas em destaque?
RCT – Para além da Intervenção Percutânea Valvular Aórtica (TAVI), terá mesas dedicadas à Intervenção Percutânea Valvular mitral e tricúspide. Iremos ainda dar destaque ao Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção (RNCI), no que se refere à Intervenção Valvular e à partilha de experiências em casos de intervenção valvular complexa.
HN – Portugal integrou oficialmente a iniciativa da União Europeia “Valve for Life” em janeiro de 2017, estabelecendo como missão “a redução da morbilidade e mortalidade dos doentes valvulares, facilitando o acesso ao tratamento percutâneo”. Em que consiste a iniciativa europeia e como se concretiza em Portugal?
RCT – Esta iniciativa europeia, que é coordenada em Portugal atualmente pelo Dr. Rui Campante Teles, tem como missão melhorar o acesso às terapêuticas percutâneas de intervenção valvular em toda a Europa. Os seus objetivos passam por um trabalho de formação da população em geral, aumentando a consciência sobre a importância da doença cardíaca valvular e a necessidade de reconhecimento dos sintomas associados a esta patologia. Pretende aumentar a literacia em saúde e reduzir os obstáculos à referenciação para implementação da terapêutica. Tem ainda como missão facilitar o acesso às intervenções percutâneas valvulares, promovendo o debate e influenciando os decisores políticos sobre como poderemos dar resposta em tempo útil aos doentes referenciados com estenose aórtica grave dado o avolumar das listas de espera para intervenção.
No que se refere às patologias valvulares mitral e tricúspide, o grupo de trabalho da iniciativa “Valve for Life” em Portugal tem um longo trabalho pela frente em proximidade com os potenciais referenciadores para que aumentem o conhecimento sobre as novas técnicas percutâneas valvulares e que doentes podem beneficiar das mesmas.
HN – Quem é que não pode perder a 13.ª Reunião VaP-APIC?
RCT – Todos os cardiologistas e profissionais de saúde interessados nos avanços na intervenção percutânea valvular não podem perder esta “reunião magna” que concentra os temas de atualização e partilha de experiências nesta área.
Entrevista de Rita Antunes
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