"Do ponto de vista das reformas de longo prazo e estruturais do SNS, a prioridade passa por termos algumas respostas emergentes e estruturais. A primeira, tem a ver com a recuperação dos tempos de espera para consultas, cirurgias e exames. É preciso identificar todos aqueles que estão em listas de espera para além daquilo que é clinicamente aceitável e garantir, utilizando o sistema como um todo, que essas pessoas sejam atendidas com máxima urgência", disse ao SAPO Lifestyle o deputado social-democrata Ricardo Baptista Leite.
"A segunda questão, eu diria de emergência, tem a ver com mais de um milhão de portugueses que não têm acesso a médico de família. É fundamental garantir uma resposta intermédia, porque, infelizmente, até 2025 ou 26, tendo em conta a quantidade de médicos de família disponíveis no mercado, estes podem não ser suficientes, porque muitos deles estão ainda numa fase de formação", alerta.
"Nessa fase intermédia, o Estado pode ter um plano intermédio, como ter um médico assistente que faça o acompanhamento dos portugueses que não têm acesso a médico de família. Não tem de ser necessariamente um especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF), pode ser um especialista de outra área que esteja disponível para entrar num programa desta natureza por via da contratualização", defende o especialista em saúde.
Para o deputado social-democrata, o novo Governo deve garantir também uma mudança do modelo de organização e funcionamento do SNS: "O modelo de financiamento de hoje encara os hospitais e os centros de saúde como se fossem fábricas, isto é, os hospitais são pagos em função do número de cirurgias e do número de consultas. Parece que estamos a criar incentivos para que tenhamos a população cada vez mais doente".
"Nós temos que criar incentivos que premeiem a redução da carga de doença, que garantam que quando uma pessoa vai a uma cirurgia não basta ter acesso à cirurgia, temos de garantir que a cirurgia surte os efeitos clínicos desejados", considera.
"Veja-se o caso das Unidades de Saúde Familiar (USF) no SNS. Veja-se o exemplo dos doentes diabéticos. Quando são controlados numa USF de modelo B, nós premiamos financeiramente a equipa de saúde que controla aquele doente. No fundo, temos de orientar toda a nossa gestão e financiamento para a saúde e para o bem-estar. Hoje temos o ministério da doença. O futuro deveria ser um ministério do bem-estar", exemplifica.
Não deixar ninguém 'para trás'
A propósito do milhão de portugueses sem médico de família, Ricardo Baptista Leite frisa ainda que esse "número tem vindo a aumentar de mês para mês e, portanto, há problemas estruturais graves". "Nós, em Portugal, temos de discutir seriamente uma reforma para garantir melhores condições de trabalho para os profissionais e para dar melhor resposta aos nossos doentes", referiu.
Para resolver a fala de médicos de família e para dar resposta na área da saúde ao fluxo de refugiados ucranianos em Portugal, o médico salienta que é preciso alargar o sistema de saúde. "Não devemos contar apenas com o SNS. Devemos envolver todo o setor social e envolver todas as organizações da comunidade. Devemos envolver todos os serviços privados em Portugal. Todos têm o dever moral de contribuir. Depende do Estado esse esforço de coordenação para garantir, de facto, uma capacitação do sistema para funcionar como um sistema único perante uma emergência, como aliás deveria ter acontecido durante a pandemia", defende.
"Se nós tivéssemos tido a capacidade de organizar o sistema como sistema único perante uma situação de crise, muitos daqueles que são doentes não-COVID, como pessoas com cancro, pessoas com diabetes ou pessoas com doença cardíaca, não teriam sido deixados para trás, como acabou por acontecer", conclui.
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