
HealthNews (HN) – Considerando que a saúde é apontada como uma das principais preocupações dos portugueses, qual é a visão do IL sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde? Especificamente, como preveem a articulação entre os setores público, privado e social no programa eleitoral?
Mário Amorim Lopes (MAL) – O sistema atual de cobertura pública, o Serviço Nacional de Saúde, depara-se com enormes entraves e problemas, como atestam os fechos de urgências e listas de espera, e necessita de uma profunda reforma que vai muito para lá do reforço do financiamento, que aliás aumentou mais de 70% entre 2015 e 2023. Esta realidade é também profundamente injusta do ponto de vista social, porque quem tem dinheiro pode contratualizar um seguro privado ou pagar diretamente por cuidados de saúde a tempo e horas, e quem não tem sujeita-se às listas de espera. Para além da injustiça social, esta situação gera enormes ineficiências, pois milhões de portugueses pagam a duplicar por serviços de saúde: pagam pela cobertura pública através dos seus impostos; e pagam pela cobertura privada, através de seguros de saúde. Um desperdício de recursos da sociedade portuguesa. Neste sentido, a Iniciativa Liberal apresentou a maior reforma do Serviço Nacional de Saúde desde a sua fundação, em 1979, reforma essa que não põe em causa — pelo contrário, assegura — o carácter universal e gratuito do sistema de saúde. O SUA Saúde (Sistema Universal de Acesso à Saúde) tem como principal objetivo colocar todos os prestadores de saúde — públicos, privados e sociais — ao serviço do utente e a prestar serviço público. No SUA Saúde, o financiamento continua a ser assegurado pelo Estado através de impostos, a quem compete, e bem, garantir o acesso universal a cuidados de saúde, mas a prestação pode ser feita por qualquer operador qualificado para o efeito.
HN – Um dos grandes desafios do SNS é a fixação e captação de profissionais. Que medidas concretas o IL propõe para valorizar, motivar e reter os profissionais de saúde no SNS, particularmente em zonas mais carenciadas?
MAL – O SUA Saúde mantém a prestação pública do SNS como um eixo de referência e um pilar do sistema de saúde, pelo que é fundamental assegurar um SNS competitivo e de excelência, serviço esse que não existe sem profissionais de saúde. O vencimento não é o único critério para a fixação de profissionais de saúde no SNS — questões como a carreira profissional, possibilidade de prática diferenciada, tempo de investigação, equilíbrio entre vida familiar e profissional são tudo fatores fundamentais para a fixação destes profissionais. Neste aspeto, o SNS pode ser um elemento diferenciador em relação aos setores social e privado. Ao contrário do setor privado, cuja preocupação é mais com os resultados de curto-prazo, o Estado tem a capacidade, e deve fazê-lo, de permitir carreiras altamente diferenciadas, possibilitar carreiras de investigação ou ainda de criar um ecossistema de ensaios clínicos que permita avanços clínicos e tratamentos inovadores aos seus utentes. Este tipo de investimento pode demorar tempo a produzir ganhos, daí o menor interesse do setor privado, mas pode e deve ser uma aposta do setor público tanto para a atração de profissionais como para ser um serviço de excelência. Finalmente, continuamos a apostar na diferenciação das carreiras dos profissionais de saúde, sendo a introdução da categoria do Enfermeiro de Prática Avançada um dos principais pontos do programa eleitoral da IL. Esta é uma realidade presente em países como Inglaterra, Canadá, França, Austrália ou Estados Unidos, estando neste momento países como a Suíça, Países Baixos, Noruega ou Alemanha a proceder à implementação, com ganhos em saúde cientificamente demonstrados e aumento da satisfação dos profissionais e dos utentes.
HN – Que estratégias específicas a IL propõe para melhorar o acesso aos cuidados de saúde primários e assegurar que todos os cidadãos tenham acesso a médico de família? Como pretendem reduzir as listas e os tempos de espera para consultas e cirurgias?
MAL – A Iniciativa Liberal quer resolver este problema estrutural, criando condições reais para atrair e fixar médicos de família, enfermeiros e técnicos de saúde. Para isso, defende usar toda a capacidade instalada para servir os utentes, como a implementação das USF modelo C, que permite colocar clínicas e consultórios do setor social e privado a prestar serviço público. A saúde dos portugueses deve estar acima de ideologias e disputas partidárias. O que importa é garantir acesso universal a cuidados de saúde de qualidade, seja qual for a natureza jurídica do prestador. No que concerne às listas e os tempos de espera para consultas e cirurgias, a Iniciativa Liberal propõe a criação de um Programa Especial de Acesso a Cuidados de Saúde, que permita o recurso a prestadores externos, nacionais ou internacionais, por concurso público, sempre que se preveja incumprimento dos TMRG — não apenas após o prazo ser ultrapassado. O objetivo é reduzir, a curto prazo, as listas de espera, protegendo a saúde dos utentes. A Iniciativa Liberal defende, assim, uma mudança estrutural no momento da inscrição para cirurgia: esta deve ocorrer no exato momento em que a decisão clínica é tomada, e não apenas quando se verifica a impossibilidade de cumprimento do TMRG. Por fim, é essencial assegurar, tal como nos cuidados de saúde primários, que toda a capacidade instalada é posta ao serviço dos utentes, tenham eles ou não um seguro de saúde. Para tal, e alinhado com a proposta de reforma do sistema de saúde, o SUA Saúde, os utentes poderão recorrer a qualquer prestador de cuidados de saúde que esteja protocolado.
HN – A gestão do consumo de substâncias como tabaco, álcool e drogas continua a ser um desafio para a saúde pública. Que medidas preventivas e terapêuticas o seu partido pretende implementar para abordar estas dependências, e como planeiam integrar estas intervenções no sistema de saúde?
MAL – A Iniciativa Liberal quer seguir uma estratégia eficaz de combate ao abuso de substâncias, focada nos resultados, através da descentralização e aumento dos pontos de consumo assistido nos locais identificados como prioritários. O objetivo é garantir acesso a cuidados de saúde a utilizadores que, de outra forma, não os procurariam. A cooperação com associações cívicas que atuam no terreno é essencial para alcançar os públicos mais vulneráveis e maximizar a eficácia da resposta. A via securitária e criminalizadora tem-se revelado ineficaz e contraproducente, reforçando redes de tráfico e agravando o problema.
HN – A saúde mental tem ganho crescente reconhecimento como componente essencial do bem-estar geral. Quais são as propostas da IL para fortalecer os serviços de saúde mental no SNS, garantir acessibilidade aos mesmos e reduzir o estigma associado a estas condições?
MAL – A escola é o primeiro espaço onde muitos sinais de sofrimento psicológico se manifestam e por isso, propomos um programa nacional de formação contínua em saúde mental e literacia emocional, orientado para capacitar o pessoal docente e não docente a detetar precocemente sinais de perturbações emocionais, a compreender os fatores que influenciam o bem-estar psicológico dos alunos e a atuar de forma adequada no encaminhamento e suporte inicial. Promover a saúde mental nas escolas exige uma ação concertada, baseada na prevenção e na capacitação dos adultos que diariamente acompanham os alunos no seu percurso. No mesmo sentido, a Iniciativa Liberal propõe a revisão e reforço do programa Cheque-Psicólogo, assegurando que esta importante medida de apoio à saúde mental seja mais eficaz, mais acessível e verdadeiramente centrada nas necessidades de quem a utiliza. Apesar dos avanços já alcançados, há aspetos essenciais que carecem de correção. Assim, propomos que o programa passe a garantir:
- A possibilidade de prestação de consultas em formato remoto, através de plataformas digitais seguras, assegurando maior cobertura territorial, especialmente em zonas com escassez de profissionais e para utentes com dificuldades de deslocação;
- A introdução de uma segunda oportunidade de avaliação inicial, permitindo ao utente escolher um novo psicólogo, caso a primeira consulta não origine uma relação terapêutica adequada. Esta medida respeita a importância da aliança entre utente e terapeuta como condição central para o sucesso clínico, e evita a perpetuação de relações desajustadas por falta de alternativa. Ao alargar o alcance e a qualidade da medida, estas alterações tornam o Cheque-Psicólogo mais humano, mais eficiente e mais próximo da liberdade de escolha que defendemos para todos os cidadãos, especialmente os mais jovens e vulneráveis.
HN – Face aos desafios do envelhecimento populacional e do aumento da prevalência de doenças crónicas, qual é o compromisso financeiro do IL com o setor da saúde para os próximos quatro anos? Como pretendem garantir a sustentabilidade do sistema mantendo a qualidade e a universalidade do acesso?
MAL – É uma realidade que a procura por cuidados de saúde está a aumentar devido ao envelhecimento da população, que vem acompanhado de comorbilidades e uma maior carga de doença. Isto explica parte dos problemas que o SNS atravessa, mas não explica todos, pois existem problemas estruturais do próprio SNS. Um desses problemas passa pelo facto de não existirem incentivos à aposta na prevenção e na promoção de hábitos de vida saudáveis. Os programas avulsos que vão sendo criados, desde programas de literacia em saúde ou impostos sobre o sal e o açúcar, não têm sido capazes de mudar significativamente os estilos de vida. Para isso, é necessário que haja incentivos dentro do sistema. Uma das virtudes do SUA Saúde, à semelhança do que aliás acontece na reforma das ULS, é que o financiamento do sistema passa a ser por capitação, ajustada à carga de doença da população servida, e não por produção. Esta mudança no financiamento introduz importantes incentivos. Em primeiro lugar, existe agora um incentivo acrescido à prevenção da doença e à promoção de estilos de vida saudáveis no dia-a-dia das instituições. Um melhor estado de saúde da população contribuirá para um aumento do financiamento das instituições, sendo que no caso do financiamento à produção acontece precisamente o oposto — o orçamento dos hospitais públicos é tanto maior quanto mais consultas e cirurgias forem realizadas. Por outro lado, isto permitirá que as decisões na saúde sejam tomadas em função do benefício de médio e longo-prazo e não em função do dinheiro disponível num determinado ciclo político. Um exemplo que ilustra o impacto desta mudança. As bombas de insulina para diabéticos tipo I são custo-efetivas, são melhores para os doentes e poupam dinheiro ao Estado, pois evitam episódios agudos e internamentos. No entanto, o custo é imediato e os benefícios são dilatados no tempo, motivo pelo qual durante tantos anos o acesso esteve condicionado pelos diversos governos: os benefícios da medida só seriam sentidos no próximo ciclo governativo. Este novo paradigma permite que episódios como este não aconteçam, pois seriam as próprias instituições que teriam todo o interesse (e incentivo financeiro) a prescrever as bombas de insulina, evitando assim custos futuros. Não esgotando as várias medidas que serão necessárias para assegurar a sustentabilidade do sistema, a transformação digital do sector da saúde, assim como a introdução de IA para auxiliar os profissionais de saúde, será uma realidade que trará enormes ganhos de saúde para os utentes, poupanças para os prestadores e, não menos importante, permitirá que os profissionais de saúde se foquem mais nos pacientes e menos em burocracias.
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