
A asma, doença inflamatória das vias aéreas, caracteriza-se por episódios recorrentes de pieira ("chiadeira"), falta de ar, aperto no peito e tosse, especialmente à noite ou de manhã. Afeta milhões de pessoas em todo o mundo e aproximadamente 600.000 pessoas em Portugal. Atualmente, apesar dos avanços no seu diagnóstico e tratamento, a realidade portuguesa mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que todos os doentes possam respirar livremente.
Um dos maiores desafios na gestão da asma é o reconhecimento de que a doença não está controlada. Em Portugal aproximadamente 60% dos doentes não apresentam a sua doença controlada. Nesse sentido devemos trabalhar para reverter esta situação através da educação sobre a doença, capacitando os doentes sobre a importância da adesão ao tratamento e a técnica inalatória correta. Cada doente deve ter um plano escrito, definido com o seu médico, que detalhe a medicação diária, como reconhecer o agravamento e o que fazer em caso de crise, assim como consultas periódicas para avaliar o controlo da doença, ajustar a medicação e verificar a técnica inalatória, garantir o acesso atempado a consultas médicas (Cuidados de Saúde Primários e especialidade) e aos medicamentos necessários e identificar e evitar, sempre que possível, os fatores desencadeantes individuais (alergénios, irritantes).
No que concerne ao diagnóstico e tratamento, na atualidade, os dados que dispomos indicam que um em cada três doentes asmáticos não têm o diagnóstico registado no seu processo clínico. Nesse sentido devem ser tomadas medidas para melhorar o acesso ao diagnóstico como por exemplo o reforço da importância do diagnóstico correto e do registo sistemático da asma nos Cuidados de Saúde Primários, promover o uso mais generalizado da espirometria (prova de função pulmonar) para confirmar o diagnóstico, melhorar os sistemas de registo clínico para permitir um melhor acompanhamento e monitorização da população asmática e implementar protocolos de diagnóstico e seguimento, facilitando a referenciação para especialidade quando necessário
Deste modo, a adesão terapêutica é um pilar essencial. É comum os doentes interromperem a medicação de controlo (geralmente corticoides inalados, com ou sem broncodilatadores de longa duração) quando se sentem bem. Esta é uma das principais razões para a falta de controlo da asma. A interrupção acontece porque a asma é uma doença crónica com períodos em que os doentes estão assintomáticos, levando à falsa sensação de cura. No entanto, a inflamação das vias aéreas persiste mesmo na ausência de sintomas. A medicação de controlo atua precisamente sobre essa inflamação subjacente, prevenindo o aparecimento de sintomas e, mais importante, de crises graves. A adesão terapêutica é essencial para manter o controlo da doença.
A asma na infância, com uma prevalência estimada entre 10 a 15% nas crianças em idade escolar em Portugal, é também uma preocupação significativa. Muitas vezes, os sintomas podem ser confundidos com constipações frequentes ou "bronquites". Os pais devem estar atentos a tosse persistente, especialmente à noite, durante ou após brincadeiras ou exercícios, pieira ou "gatinhos" no peito, falta de ar ou respiração rápida durante atividades normais, queixas de aperto no peito, cansaço fácil e historial familiar de asma ou outras alergias (rinite, eczema).
Um diagnóstico precoce e um plano de tratamento adequado são essenciais para permitir que a criança tenha uma vida ativa e saudável.
Uma parte significativa dos casos de asma, especialmente os mais graves, está associada a um tipo específico de inflamação, conhecida como Inflamação Tipo 2. Esta é mediada por células e moléculas específicas do sistema imunitário (como eosinófilos, IgE e certas citocinas). Os sintomas que podem sugerir esta inflamação subjacente incluem, para além da asma, a presença de rinite alérgica persistente, dermatite atópica (eczema), e por vezes polipose nasal ou esofagite eosinofílica. Identificar o tipo de inflamação subjacente é essencial para o tratamento adequado dos doentes.
As agudizações ou "crises de asma" são episódios agudos que se caracterizam por agravamento dos sintomas respiratórios. Podem ser desencadeadas por infeções respiratórias, exposição a alergénios (pólenes, ácaros, pêlo de animal), irritantes (fumo de tabaco, poluição) ou até exercício físico. Perante uma crise de asma, é essencial manter a calma, pois a ansiedade pode agravar os sintomas, usar a medicação de alívio, administrando o broncodilatador de ação rápida (ex: salbutamol) conforme indicado no plano de ação individualizado (geralmente 2 a 4 puffs, repetidos a cada 20 minutos na primeira hora, se necessário), se os sintomas melhorarem significativamente e a melhoria se mantiver, contactar o médico assistente para reavaliação e procurar ajuda médica urgente. Se não houver melhoria após o uso da medicação de alívio, se a dificuldade respiratória for muito intensa (impedindo de completar frases), se os lábios ou unhas ficarem azulados, ou se houver sonolência ou confusão.
Atualmente dispomos de terapias biológicas (medicamentos geralmente administrados por injeção subcutânea) que atuam de forma muito específica sobre moléculas ou células chave da cascata inflamatória, como a IgE, a IL-5, a IL-4, a IL-13 e a TSLP. Estes tratamentos personalizados podem reduzir drasticamente a frequência de crises, a necessidade de corticoides orais e melhorar significativamente a função pulmonar e a qualidade de vida destes doentes mais graves.
Em conclusão, é fundamental reconhecer que, embora seja uma doença crónica, a asma pode e deve ser controlada. Devemos trabalhar para melhorar o diagnóstico, garantir o acompanhamento adequado, aumentar a adesão terapêutica e educar continuamente doentes e profissionais. Com um esforço conjunto envolvendo doentes, famílias, médicos, enfermeiros, farmacêuticos e aproveitando os avanços terapêuticos, podemos aspirar a ter um melhor controlo da doença no futuro em Portugal.
Um artigo do médico José Coutinho Costa, pneumologista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
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