O que é a incontinência urinária? 

A incontinência urinária é definida pela International Continence Society como a perda involuntária de urina. Representa um problema de saúde com impacto em múltiplos domínios, nomeadamente aspetos sociais, psicológicos, físicos ou sexuais, com impacto profundo na qualidade de vida de muitos doentes.

Afeta mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, pelo que a Organização Mundial de Saúde identificou esta patologia como um problema major de saúde pública, sendo necessário sensibilizar a população para a importância de tratar esta doença. Do ponto de vista económico, só nos Estados Unidos os custos associados à bexiga hiperativa - uma condição relacionada com incontinência urinária - são aproximadamente de 4,4 mil milhões de dólares anuais, entre diagnóstico, cuidados de rotina e tratamento.

A sua origem varia consoante o sexo ou grupo etário?

Existem diversos tipos de incontinência urinária, comuns a ambos os sexos e a vários grupos etários. Atingem cerca de 35% das pessoas com mais de 60 anos, sendo 2 vezes mais comuns nas mulheres do que nos homens. A sua frequência aumenta com a idade, estimando-se que 50-85% dos idosos que residem em lares sofram desta patologia.

Um estudo epidemiológico português de 2008, promovido pela Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia e a Associação Portuguesa de Urologia e realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto - Prevalência e tratamento de incontinência urinária na população portuguesa não institucionalizada - concluiu que quase 20% da população com mais de 40 anos sofre de incontinência urinária.

É comum que quem sofre de incontinência urinária sinta alguma relutância em admiti-lo. A percentagem de pessoas que recorrem ao médico continua a ser baixa? 

Infelizmente, sim, pois a incontinência urinária é realmente um tema tabu. Há inclusivamente uma franja significativa da população que acha que a incontinência urinária é “normal” a partir de certa idade e que, portanto, não há nada a fazer. É um assunto que afeta a intimidade, a autoimagem e a interação familiar, profissional e social. É um verdadeiro estigma social.

Por outro lado, muitos profissionais de saúde não estão ainda suficientemente sensibilizados para a importância e frequência desta doença, pelo que é uma condição sub-diagnosticada e com um atraso de 6-9 anos no diagnóstico e tratamento. Apenas 5% dos indivíduos que apresentam sintomas de incontinência têm o diagnóstico e destes só cerca de 25% procuram ou recebem tratamento.

O que é que pode e deve ser feito para contrariar estes valores? 

Torna-se premente alertar consciências para este problema, não só trazendo-o para a discussão pública, mas também explicando que não é necessário sofrer diariamente devido a esta doença. Pelo contrário, há tratamentos eficazes que podem devolver qualidade de vida à maioria dos doentes que dela sofrem.

Paulo Temido, médico urologista
Paulo Temido, médico urologista Paulo Temido, médico urologista

Quais são as consequências desta doença?

A incontinência urinária representa um problema de saúde com impacto em múltiplos domínios da vida do doente. Problemas psicológicos, tais como depressão, físicos (desconforto, lesões dermatológicas, risco de fraturas por quedas e morte) ou sexuais (evicção da atividade sexual) afetam de forma significativa o individuo incontinente. Também de uma forma mais abrangente, tem implicações em aspetos sociais, como o isolamento social, e profissionais, que resultam na diminuição do rendimento laboral, contribuem para o forte impacto na qualidade de vida que a incontinência urinária provoca em muitos doentes.

Em contrapartida, se for detetada precocemente, é curável e de fácil tratamento?  

A incontinência urinária tem tratamento em 85% dos casos, pelo que é essencial quebrar o tabu e a vergonha ligada a este problema e incentivar os doentes a consultar o médico. O tratamento desta patologia é muito variado e faseado. Revestem-se de particular importância os tratamentos conservadores, que devem estar sempre presentes em todas as fases da doença. Incluem mudanças do estilo de vida e reabilitação do pavimento pélvico (fisioterapia pélvica). As mudanças do estilo de vida passam por alterações alimentares (evitar alimentos picantes, álcool, café, chá, bebidas gaseificadas) e treino vesical em doentes com incontinência de urgência; gestão de líquidos ingeridos; regularização da função intestinal - tratar a obstipação - e perda de peso.

A reabilitação do pavimento pélvico é utilizada para melhorar o seu suporte muscular. É efetuada com recurso a exercícios do pavimento pélvico e pode ser utilizada na generalidade dos casos (incontinência de esforço ou de urgência), mas é particularmente útil na grávida e no pós-parto, bem como nos homens com incontinência pós-cirurgia prostática. Os programas de reabilitação devem ser supervisionados e dirigidos por profissionais de forma a otimizar os resultados.

Como complemento aos tratamentos conservadores, existe para a incontinência de urgência e bexiga hiperativa tratamento farmacológico (em comprimidos), que melhora os resultados. Nos casos em que não se alcança o resultado desejado, pode-se recorrer a técnicas cirúrgicas minimamente invasivas (injeção de toxina botulínica ou neuromodulação de raízes sagradas). A incontinência de esforço, quando não é possível ser tratada com medidas conservadoras, tem tratamento geralmente cirúrgico (colocação de fita para sustentação da uretra). É uma cirurgia minimamente invasiva e com elevada taxa de sucesso.

Quais são os principais fatores de risco e sintomas associados? 

A incontinência urinária é um sintoma que, nas mulheres, está frequentemente relacionado com diminuição da função dos músculos pélvicos.

Fatores de risco importantes e comuns são a gravidez e os partos por via vaginal, sobretudo traumáticos, bem como o estado de pós-menopausa. A incontinência pode igualmente associar-se a prolapso de órgãos pélvicos (bexiga, reto ou útero “descaídos”), cirurgias pélvicas e à obesidade. Nos homens, a hiperplasia benigna da próstata e as cirurgias prostáticas estão frequentemente envolvidas.

Tanto em homens como em mulheres, outro tipo de doenças podem estar na origem ou contribuir para o agravamento da incontinência urinária - são exemplos as infeções urinárias, diabetes, insuficiência cardíaca ou doenças neurológicas. Estas últimas são responsáveis por uma percentagem significativa das incontinências difíceis de tratar e que carecem de maior atenção.

 

Que tipos de incontinência urinária existem? 

Na verdade não se deve falar de incontinência, mas de incontinências, pois existem diversos tipos.

A incontinência urinária é frequentemente classificada em três tipos principais: incontinência de urgência (bexiga hiperativa), incontinência de esforço e incontinência mista (quando ambos os tipos estão presentes). Outros tipos incluem a enurese noturna (urinar a dormir), incontinência urinária contínua, incontinência insensível, incontinência postural e incontinência por extravasamento. Todas estas têm causas, métodos de diagnóstico e tratamento diferentes, pelo que carecem sempre de uma cuidada avaliação médica.

Como é que esta doença pode ser prevenida?

O tratamento ou controlo dos fatores de risco pode ajudar a prevenir a incontinência. São exemplos disto o controlo de peso, hábitos de vida saudáveis, a ginástica pré-parto e o controlo das doenças concomitantes.

As explicações são de Paulo Temido, médico urologista e Assistente Hospitalar Graduado do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra. É ainda Assistente Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Presidente da Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia.