O projeto da Editora Mostarda, que já publicou livros para crianças e jovens sobre mais de 20 personalidades negras do Brasil – que também incluiu os líderes indígenas Sónia Guajajara e Ailton Krenak e personalidades estrangeiras como Angela Davis, Nelson Mandela e Rosa Parks — destaca-se entre os espaços da 26.ª edição da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, a maior feira literária do Brasil, que este ano receberá até 10 de julho mais de 600 mil pessoas, segundo a organização.
À Lusa, Pedro Menezette, empreendedor que lidera a Editora Mostarda, contou que o projeto surgiu de sua experiência pessoal como homem branco vivendo na periferia de Campinas, cidade localizada no estado brasileiro de São Paulo, que ainda jovem percebeu a diferença e os privilégios que tinha face seus amigos negros que partilhavam consigo a mesma realidade social.
Filho de um vendedor de jornais que passou a comercializar livros usados, negócio que no Brasil é conhecido pelo termo ‘sebo’, Menezette contou que a sua inserção no comércio editorial o levou a perceber a ausência de livros sobre personalidades negras, segmento que vê como um nicho económico de negócio e de promoção da igualdade racial a ser explorado no Brasil, país profundamente marcado pela desigualdade racial e pelo racismo.
“Com a minha experiência trabalhando com livros eu percebi que tinha algumas editoras que não publicavam obras com conteúdos que a Mostarda trabalha hoje, que é um conteúdo antirracista”, contou.
Andressa Maltese, editora e curadora da coleção, acrescentou que os livros que editam visam abordar temas sociais relevantes no contexto do Brasil e do mundo, lançados agora também em Braille.
“Inicialmente começamos com a questão do racismo, e resolvemos trazer personalidades negras. Escolhemos as personalidades, esta linha [de livros] foi lançada aos poucos, mas hoje temos 20 personalidades negras e duas indígenas, e vamos completar a linha com 35 personalidades até o final deste ano”, explicou a editora.
“Entendemos que trazendo referências para as crianças elas vão conseguir sonhar mais alto, vão conseguir entender que estas pessoas [negras retratadas nos livros] não são pessoas imaculadas, não são pessoas perfeitas que levaram uma vida maravilhosa. Elas tiveram dificuldades, elas sofreram racismo, algumas são da época da escravidão, mas mesmo assim nenhuma destas dificuldades impediu que elas fizessem grandes coisas”, acrescentou Andressa Maltese.
Entre os criadores que estão a dar vida às obras sobre personalidades negras está Majori Silva, autora do livro infantil “O Jardim de Marielle”, inspirado na trajetória de Marielle Franco, política e ativista assassinada no Rio de Janeiro em 2019, que defendia os direitos humanos e permanece presente no ideal de muitos homens e mulheres que trabalham para combater a violência contra a mulher e a população negra no Brasil.
A autora contou que o livro surgiu de uma conversa com sua sobrinha, que queria saber quem foi Marielle Franco ao ouvir notícias sobre sua morte.
Majori Silva também defendeu à reportagem que “ter livros sobre personalidades negras para crianças é formar futuros antirracistas.”
Para a autora, a literatura será uma forma eficaz de “combater a estrutura racista [do Brasil] de maneira leve, de maneira divertida, com as crianças e adolescentes que estão construindo o mundo.”
Sobre a tradução de sua obra para o sistema Braille, voltada para pessoas cegas e com diferentes níveis de deficiências visuais, que está a ser apresentada na Bienal de São Paulo, Majori Silva exaltou que a edição inclusiva do “O Jardim de Marielle” é fruto de um “pensamento junto com a editora sobre como [se poderia] ampliar este grupo e incluir mais pessoas”.
“Também existem pessoas que precisam entender o antirracismo que não enxergam”, pontuou.
Já Perla Assunção, representante da organização social Fundação Dorina Nowill, com mais de 70 anos de existência e que foi responsável por incluir o Braille nos livros da editora Mostarda, explicou as características deste formato.
“Fizemos esta produção [dos livros] em tinta e Braille. Isto é, tem o Braille e uma fonte ampliada. […] Fazendo esta produção com fonte ampliada e com Braille você atende o público que enxerga ou tem baixa visão e o público que é cego. Cada um lendo no seu suporte, no mesmo livro”, pontuou.
“Quando você fala de identidade, [sabemos que] há pessoas com deficiência visual que são negras. São pessoas que estão no Brasil, que são negras e que poderão saber mais sobre si e vão ter oportunidades de acessar no seu suporte”, concluiu Perla Assunção.
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