O estudo, citado pela agência noticiosa francesa AFP, apresenta um retrato sobre a situação de fome em Tigray, onde as comunicações foram cortadas e que, segundo a ONU, está sujeita a um bloqueio de facto à entrada de ajuda humanitária, resultando em escassez de alimentos e medicamentos.
Para Hagos Godefay, que chefiava os serviços de saúde da província antes da guerra, o balanço de vítimas da situação de fome não é exaustivo, a maioria dos hospitais não funciona e praticamente não se consegue aceder a metade dos distritos da província.
A maior parte da província está atualmente sob controlo da Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF, na sigla em inglês), um partido que governou esta região antes do início do conflito e agora é considerado “terrorista” por Adis Abeba.
“Registámos mais de 186 mortes” de crianças menores de cinco anos devido à desnutrição severa, disse Hagos Godefay.
O estudo, realizado em 14 hospitais e com famílias residentes em Tigray por médicos e investigadores da Universidade de Mekele, entre o final de junho – quando a TPLF retomou o controlo de Mekele – e o final de outubro, também aponta que cerca de 29% das crianças sofrem de desnutrição aguda, em comparação com 9% antes da guerra, acrescentou o responsável.
Relativamente à desnutrição aguda grave, o valor é atualmente de 7,1%, em comparação com 1,3% antes da guerra, acrescentou.
Apenas 14% das famílias que participaram no estudo têm acesso suficiente a bens alimentares, contra 60% anteriormente, destacou Godefay, que se manifestou preocupado com a situação nas áreas inacessíveis.
“Nessas áreas (…) dá para imaginar quantas crianças estão a morrer de fome. Vivem em áreas isoladas, não têm água nem cuidados de saúde (…) Se pudermos ir às áreas isoladas, decerto que os números vão duplicar”, vincou.
O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, prémio Nobel da Paz em 2019, enviou o exército para Tigray em novembro de 2020 para retirar as autoridades regionais da TPLF.
A guerra da Etiópia matou milhares de pessoas e criou uma das piores crises do mundo. Centenas de milhares enfrentam condições de fome na região do Tigray, sob o que as Nações Unidas têm chamado de um “bloqueio humanitário de facto”.
Em 02 de novembro, o Governo declarou um estado de emergência de seis meses face ao risco crescente de combatentes do TPLF e do Exército de Libertação do Oromo (OLA) marcharem sobre a capital.
O balanço do conflito ascende a milhares de mortos, a dois milhões de pessoas deslocadas internamente e a, pelo menos, 75.000 refugiados no vizinho Sudão, de acordo com números oficiais.
Menos de 15% da ajuda necessária conseguiu chegar a Tigray desde meados de julho, de acordo com a ONU, o que levanta receios de uma situação de fome em grande escala, como aconteceu no país na década de 1980.
Mais de 400.000 pessoas estão à beira da fome em Tigray, de acordo com a ONU.
O governo e a TPLF rejeitam a responsabilidade pelas dificuldades de acesso à ajuda em Tigray.
Numa entrevista recente à CNN, Billene Seyoum, porta-voz de Abiy Ahmed, voltou a acusar a TPLF de levantar dificuldades à passagem de ajuda humanitária.
Segundo Hagos Godefay, os poucos hospitais em funcionamento, a suspensão dos serviços bancários e a falta de material médico-sanitário de reserva limitam a margem de manobra dos profissionais de saúde.
“O comprometimento do setor saúde é realmente incrível. Eles só querem trabalhar, mesmo sem receber”, disse o responsável, que considera a atual situação na província como um “castigo coletivo” contra o povo de Tigray.
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