A dermatite atópica é “uma doença crónico-recidivante, ou seja, evolui por surtos e vai variando entre períodos de melhoria e períodos de crise”, explicou o médico especialista em dermatologia e venereologia Pedro Mendes Bastos. Nesta entrevista, o também conselheiro científico da ADERMAP e investigador falou-nos com entusiasmo dos novos tratamentos, que permitem “controlar esta doença” e ter “uma vida praticamente normal”. “Passámos de uma fase em que estávamos num deserto terapêutico, com poucas opções para estes casos moderados a graves, para uma fase de revolução terapêutica”; por isso, estes doentes “devem efetivamente procurar ajuda especializada”, enfatizou.

HealthNews (HN)- O que é a dermatite atópica?
Pedro Mendes Bastos (PMB)- A dermatite atópica (DA) é uma doença crónica e inflamatória da pele. As lesões que observamos na pele das pessoas com DA são lesões de eczema. Portanto, a dermatite atópica pertence a um grupo de doenças que são os eczemas e tem algumas características próprias. Para além de ser uma doença que se tem vindo a tornar cada vez mais frequente, pode assumir várias gravidades – ligeira ou moderada a grave. Os casos moderados a graves podem ter um impacto muito grande na vida das pessoas.

HN- Qual é a prevalência?
PMB- Essa é uma pergunta complexa, porque os estudos não são, muitas vezes, totalmente concordantes entre os vários países e as várias realidades. É importante chamar a atenção para este problema de saúde principalmente por causa dos casos moderados a graves, aqueles que têm um grande impacto na qualidade de vida. De uma forma geral, há estudos que apontam para uma prevalência aproximada de 10% nas crianças e de 2% nos adultos, incluindo casos ligeiros e moderados a graves.

HN- O problema atinge de forma diferente alguns grupos da população?
PMB- Podemos dizer que este problema parece ser mais frequente em idade pediátrica. Aceita-se na comunidade científica que pode começar bastante cedo, logo a partir dos três meses de idade. Há um grande grupo de pessoas que, à medida que vai crescendo, vai ultrapassando a dermatite atópica. A doença também existe nos adultos, podendo manter-se desde a infância ou até surgir pela primeira vez mais tarde na vida. Esta é a principal mensagem que podemos passar: apesar desta doença ser mais frequente nas crianças, não nos podemos esquecer que existem pessoas adultas com dermatite atópica.

HN- Qual é o impacto na vida dos doentes?
PMB- A dermatite atópica é uma doença crónico-recidivante, ou seja, evolui por surtos e vai variando entre períodos de melhoria e períodos de crise. É muito importante diferenciar as formas ligeiras das formas moderadas a graves. Nas formas ligeiras, as pessoas têm eczemas em zonas limitadas do corpo e é possível atingir-se controlo apenas recorrendo a tratamentos tópicos, ou seja, de aplicação local na pele.

Quando falamos de dermatite atópica moderada a grave, o impacto é muito mais relevante; acompanha-se de prurido, ou seja, uma comichão que é muitas vezes incontrolável; as pessoas que não conseguem dormir devido a esta comichão constante; eczemas que, muitas vezes, nunca chegam a desaparecer; zonas de pele que estão, como os doentes dizem, em “carne viva”, que sangram, deitam crostas e exsudado (líquido). Portanto, é uma situação extremamente impactante, a vários níveis.

O impacto psicológico é também muito relevante, tendo sido já demonstrado que as perturbações de ansiedade e depressão podem ser mais prevalentes nas pessoas com dermatite atópica moderada a grave.

HN- Há alguma forma de prevenir a doença ou a sua evolução?
PMB- Esta doença é complexa e surge devido à interação entre fatores genéticos e fatores do ambiente. Em muitos casos de pessoas com dermatite atópica é fácil identificar na família a tendência genética que predispõe para esta situação – por exemplo, familiares afetados com outras doenças do espetro da atopia, como a dermatite atópica, mas também a asma ou a rinite alérgica. Sabemos que ter pelo menos um progenitor com dermatite atópica aumenta o risco de as crianças desenvolverem esta doença, mas os estudos não demonstraram ainda eficácia em nenhuma estratégia particular de prevenção de forma significativa.

HN- Tem havido avanços nos tratamentos?
PMB- Essa é uma pergunta muito importante, porque o tratamento da dermatite atópica passa por aprendizagem. Mesmo na dermatite atópica ligeira, tem de se aprender a gerir a situação. É fundamental estabelecer uma boa relação com o médico dermatologista, para que o doente possa aprender a utilizar os cremes e pomadas indicados. No caso da dermatite atópica moderada a grave, conhecer os tratamentos tópicos – aqueles que se aplicam na pele, cremes e pomadas -, não é, geralmente, suficiente para controlar a doença. Portanto, nestas formas moderadas a graves, podem ser necessários tratamentos com medicação, em comprimidos ou injeções, e aqui é que tem havido os maiores avanços nos últimos anos.

Passámos de uma fase em que estávamos num deserto terapêutico, com poucas opções para estes casos moderados a graves, para uma fase de revolução terapêutica. A investigação científica tem trazido para a prática clínica novas opções de tratamento, sejam medicamentos orais ou injetáveis, que vêm revolucionar o tratamento da dermatite atópica moderada a grave, conferindo mais eficácia e mais segurança.

HN- Quer deixar alguma nota final?
PMB- A minha nota final, como médico dermatologista dedicado às doenças inflamatórias crónicas da pele e também como investigador em ensaios clínicos, é que as pessoas que sofrem com dermatite atópica moderada a grave devem efetivamente procurar ajuda especializada. Neste momento, existem novas opções de tratamento capazes de controlar esta doença inflamatória crónica e possibilitar uma vida praticamente normal.

Entrevista de Rita Antunes