D. Sebastião está bem conservado, diz quem o viu. Ninguém lhe dava 465 anos. Em muito terá contribuído o facto de a sua mãe, Joana de Áustria, o ter aconselhado aquele creme de baba de caracol. No máximo davam-lhe 250 anos e isto na pior das hipóteses. Se naquela altura houvesse Calcitrin, hoje não estava tão perro dos ossos. Em muito o safou deitar-se cedo e não ter internet para o distrair do essencial. Conservou-se e hoje está novo. E modernizou-se.
Depois da Batalha de Alcácer-Quibir, teve de refazer a vida. Deixou de sair à noite porque aquele pulmão nunca mais foi o mesmo. Sair para batalhas sem levar um casaquinho pelas costas é meio caminho andado para se constipar. Diz que passou este tempo todo nos Souks, em Marraquexe, a vender porta-chaves a 50 Dirhams. Não vendia barato, ele sabe disso, mas a vida fê-lo duro e tornou-o pouco permissivo. Fartou-se da azáfama e o sono irrequieto, característico de quem vive ao lado de uma mesquita, estava a tirar-lhe anos de vida e temia morrer novo e não chegar aos 500 anos.
Percebeu que os acidentados estariam ligados à direita política e não deixou de notar a irónica coincidência do helicóptero ter vindo de Santa Comba Dão
Com o surgimento das companhias low cost começou a sentir-se mal por não ter voltado a Portugal. Apanhou uma promoção na Ryanair e veio até ao Porto, aterrando numa manhã de nevoeiro. A tripulação avisou-o logo de que aquilo não era nevoeiro (para não se sentir na obrigação de salvar o país, quando este há anos que não quer ser ajudado). Era só pó, muito provavelmente dos cofres da Caixa Geral de Depósitos, pela ausência de cumprimento dos pagamentos de um ou outro comendador. D. Sebastião sentiu-se forçado a tomar um anti-histamínico para melhorar a alergia e poder desfrutar da reforma.
Depressa se inscreveu num grupo de boleias no Facebook e, depois de comer uma francesinha especial, partilhou carro até Lisboa. Ao quilómetro 136 da A1, no sentido norte-sul, ao olhar pela janela notou que alguém o tinha reconhecido, assustando-se. O carro entrou em despiste, capotando. D. Sebastião, de imediato, pediu para pararem e prestarem auxílio. Rapidamente chegaram equipas médicas e um helicóptero, para transportar os feridos. Pensou que o país estaria muito evoluído, bem mais do que outrora o deixou. Percebeu que os acidentados estariam ligados à direita política e não deixou de notar a irónica coincidência do helicóptero ter vindo de Santa Comba Dão. Não sabe se o acidente se deu por cansaço, porque o condutor se fazia acompanhar do Sande para, muito provavelmente, nem ter de parar para comer uma bucha.
No instante em que ligaram o rádio D. Sebastião entristeceu. Ouviu que o dono de uma garagem pediu quase mil milhões de euros aos bancos e não lhes pagou
Voltaram a seguir viagem rumo à capital. No instante em que ligaram o rádio D. Sebastião entristeceu. Ouviu que o dono de uma garagem pediu quase mil milhões de euros aos bancos e não lhes pagou, tudo isto com o intuito de ajudar o país não tendo, presentemente, dívidas nenhumas. Foi nesse preciso momento que se sentiu deslocado e fez-se notar o peso da idade. O mundo avançou muito rápido em 465 anos.
Pediu para encostarem o carro e o deixarem a meio da viagem. Chamou um Uber e deslocou-se ao aeroporto mais próximo, desaparecendo. Ninguém sabe se morreu. É que, vendo bem, mais valem 465 anos bem vividos do que viver até aos 500 para ver isto.
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