Foram inúmeros os avisos, já para não falar nos alertas. Esgotei todas as possibilidades de resolver a situação de forma pacífica, digamos. Chegou, porém, a altura de levar a cabo os meus direitos - porque na vida não há só deveres.
A minha relação, neste momento, está uma geringonça. Há anos que não progredimos como casal. Talvez aquela crise que tivemos há cerca de nove anos, quatro meses e dois dias (para ser preciso!) tenha tido mais impacto do que alguma vez imaginei.
Tive de ser firme e reuni com a minha namorada. Exigi um aumento de atenção, ao que ela peremptoriamente disse que neste momento seria difícil, porque iria destabilizar tudo o resto. Decidi que estariam reunidas as condições para avançar com um pré-aviso de greve à nossa relação, com início a 23 de Maio e por tempo indeterminado.
Não há qualquer fim à vista para esta greve, dependerá das negociações. Estou aberto ao diálogo, é certo, se prevalecerem as minhas medidas
A verdade é que faço trabalho extraordinário e não sou recompensado por isso. Faço turnos de 24 horas na companhia dela (para não falar das 48 horas ao fim-de-semana) e sou mal pago, com um sorriso por hora, quando o justo seria uma conversa a cada 15 minutos e dois sorrisos sinceros a cada meia hora. Está tudo a ser-me dado em banco de horas, aquelas que me forço a tirar para me afastar deste marasmo.
Não há qualquer fim à vista para esta greve, dependerá das negociações. Estou aberto ao diálogo, é certo, se prevalecerem as minhas medidas. Isto porque vivemos num país democrático, claro. Esta greve de forma ininterrupta tem como objectivo criar uma paralisação no nosso amor até ver os meus direitos ressarcidos. Mas calma: vou assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis; isto é, em festas falamos para manter as aparências, respondo a perguntas simples em casa, faço apenas as refeições principais, em quantidades mínimas que evitem o falecimento, e a limpeza da habitação será residual e apenas para evitar quadros alérgicos.
No caso de ser forçado a mudar de habitação ou de comer às escondidas para vincar a minha revelia, o meu primo Zé (que apesar de ser de um partido diferente por namorar com o Cajó) diz que me financia a greve, à socapa. Dá-me mantimentos por fora e guarida em caso de necessidade. Em troca só terei de dizer que ele nunca me deu um tostão, porque dar em géneros não envolve trocas monetárias directas, o que faz com que, no fundo, eu nem sequer chegue a mentir.
Os familiares e amigos estão alertados para não meterem conversa connosco, de forma a fomentarem o bem-estar. Se há coisa que detesto é pessoas a furar a greve dos outros.
As negociações mantêm-se em aberto e, se permanecerem as minhas exigências, estou empenhado em chegar a um acordo
O que António Costa ainda não percebeu é que isto vai irritar a minha namorada e uma mulher maldisposta, com desregulações hormonais e coincidindo com uma TPM vigorosa dá origem a um produto inflamável, podendo inclusivamente culminar numa explosão de mau feitio. Neste momento sinto-me um motorista de matérias perigosas, pelo que já coloquei o sindicato a par da situação.
O que o governo também ainda não percebeu é que uma namorada irritada vai deixar os pais irritados, os colegas dos pais irritados e os colegas de trabalho dela irritados. Estes, por sua vez, vão irritar quem está a sua volta, levando a um aumento do número de certificados de incapacidade temporária para o trabalho, aumento dos custos para o país e diminuição da produtividade do mesmo. Resumindo: uma mulher chateada pára o país.
Entristece-me que Portugal não leve a sério os meus problemas conjugais, que podem ter consequências devastadoras para o estado. As negociações mantêm-se em aberto e, se permanecerem as minhas exigências, estou empenhado em chegar a um acordo.
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