Com a crença na resolução de um problema de saúde pública, a prostituição foi legalizada na Alemanha em 2002, ano que em nada parece uma escolha inocente. Dado que é uma capicua, pode ser lido da frente para trás, de trás para a frente, da frente para trás, de trás para a frente e assim sucessivamente, até ao clímax numerário. Consta-se que há até quem peça um desejo quando vê números palíndromos, seja numa data ou até na própria hora. É um desejo que se pede interiormente, não se exteriorizando, não vá o mesmo não se realizar.

Pedem-se desejos em situações triviais porque a idade nos ensinou que dificilmente aparecerá uma lamparina empoeirada que liberta um génio à mínima fricção, o que nos levou a improvisar. Convenhamos que, actualmente, encontrar uma lamparina não teria o mesmo impacto, devido aos cortes orçamentais sofridos pelos génios no que toca a desejos. Se no tempo das vacas gordas se pediam três desejos sem limitações, hoje apenas se concederia um. É a prova de que a troika tocou a todos e o que outrora foi cortado, jamais será correctamente restabelecido.

Os cortes constantes fizeram com que um dos últimos pedidos conhecidos tenha sido o de um senhor humilde que desejava que o seu órgão genital tocasse no chão. O génio concedeu-lhe o desejo e ceifou-lhe as pernas

Os cortes constantes fizeram com que um dos últimos pedidos conhecidos tenha sido o de um senhor humilde que desejava que o seu órgão genital tocasse no chão. O génio concedeu-lhe o desejo e ceifou-lhe as pernas. É dramático, bem sei, mas não fugiu à palavra, o que é raro nos dias de hoje. Por questões logísticas e financeiras, talvez fosse a única forma de cumprir o desejo do homem sem se comprometer. O génio ficou salvaguardado em caso de auditoria e o senhor humilde aprendeu assim a respeitar as urtigas. Certo é que se o Sistema Nacional de Saúde sabe disto, recruta este génio para tarefeiro numa urgência hospitalar.

Com a legalização da prostituição, o governo alemão fez o que Portugal já tinha feito há muito: permitiu que o povo se fecundasse a trabalhar enquanto o estado enche os cofres com os impostos arrecadados. Há 16 anos que esta prática se tornou legal, tendo até a expressão "prostituição na Alemanha" uma entrada na Wikipédia e, certamente, as profissionais do ofício outras tantas.

El País teve depoimentos de trabalhadoras da noite que afirmavam que os clientes pagavam um preço fixo à entrada que daria direito a fazerem sexo as vezes que quisessem, com quem quisessem. Nesta altura, o preço fixo não tinha ainda sido proibido por lei, mas é sabido que muitos bordéis continuam a praticá-lo. Inclusive certas casas oferecem um pacote - o que me parece legítimo e banal neste tema -, para quem não tem muito tempo nem muito dinheiro para gastar. Por 15 euros têm direito a 30 minutos de sexo, uma cerveja e uma salsicha. Sem querer, vão com um objectivo e saem de lá almoçados. Se os mais conservadores dirão que é ridículo, os mais liberais dirão que uma salsicha é sempre bem-vinda. Em Portugal nunca resultaria nestes moldes, mas teria sucesso se, ao invés de 30 minutos de sexo, uma cerveja e uma salsicha, fossem 30 cervejas, uma hora de sexo e 1 sandes de torresmos - com lucros acrescidos em dias de bola.

Esta publicação refere que no primeiro bordel alemão que começou a funcionar com o sistema de preço fixo, o cliente fazia, em média, sexo com 2,7 mulheres por visita. Percebe-se, pela existência de 0,7 mulheres, que há anões no negócio. Ou então sofrem do mesmo problema que os incêndios em Portugal. Enviam para o terreno meios humanos quando, se investissem em humanos completos, o fogo provavelmente seria extinto em metade do tempo. A mesma publicação refere que o cliente passava o resto do tempo a beber ou a jogar nas máquinas, o que confirma que os homens sofrem, em grande maioria, de problemas com o álcool e de vício do jogo. Tudo nos leva a crer que o número de frequentadores de bordeis diminuiria se os homens se encontrassem aos pares para jogar às cartas. Ninguém me tira da ideia que continuam a preferir um bom torneio de sueca com cerveja à descrição e levar de prémio um bacalhau para casa, para comer em família, do que comer ali um e levar em casa, da família. Neste bordel, a maioria das mulheres era do Leste Europeu, mas diziam-se italianas ou espanholas. Eram rapidamente traídas pelo sotaque e patriotismo, quando, em pleno acto, gritavam: "Filho da Putin".

Um dos maiores bordéis de Berlim tem um ginásio, onde apenas se pode treinar sem roupa. Se, por um lado, a obrigatoriedade de usar preservativo nestes estabelecimentos veio diminuir o número de doenças sexualmente transmissíveis, por outro lado houve um aumento de casos de pneumonia por passarem tantas horas a treinar sem roupa.  O SPA, que tem sauna e piscina interior, é o único sítio onde não pode existir a prática de sexo, porque há que manter o respeito, a higiene e o bom nome da casa. A água é um bem precioso que escasseia.

Dezasseis anos depois, os resultados da legalização da prostituição dividem opiniões. Há quem defenda que a exploração sexual não abrandou, que as mulheres são tratadas como objectos, que contribuiu para uma profissão menos degradante, que há uma relação assimétrica com uma supremacia do homem, que trouxe uma transparência e uma imagem positiva para as trabalhadoras do sexo e, ainda, que continua sempre a imperar o capitalismo. Já nós, por cá, continuamos a não ter opinião porque, ter e não a manifestar, inclui-nos no mesmo grupo de quem nada faz. Preferimos fechar os olhos e ignorar a história por detrás de cada rosto. Preferimos não encarar as questões com dignidade, não prevenindo, não assumindo, não entendendo, não tolerando. Viramos a cara porque a nossa vida é lá à frente, não ali ao lado.  Cientes de que o pior cego é aquele que não quer ver.

Para deixar claro, só sei destas informações porque as li. Claro que não conta aquela vez que fui a Berlim e cheguei a casa de madrugada, com fome, e só tinha massa em casa. É que, toda a gente sabe, que há poucos sítios a vender salsichas às cinco horas da manhã.