No final de uma ronda de reuniões com a Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Dra. Margarida Tavares, e com o Secretário de Estado da Saúde, Dr. Ricardo Mestre, considero oportuno partilhar uma breve reflexão sobre o ponto de situação atual da nossa profissão no Ministério da Saúde, bem como da expetativa e perspetiva de futuro para os nutricionistas e para a Nutrição em Portugal, na próxima legislatura.
Antes de mais, é importante reconhecer, ao nível regulamentar, a publicação de dois diplomas importantes no que concerne ao diagnóstico e cuidados nutricionais à população. Começo pelo Despacho n.º 9984/2023 de 27 de setembro, que prevê o alargamento da identificação de risco nutricional a todos os níveis de cuidados de saúde no SNS. Já agora, um breve parêntesis, pois quem me conhece sabe que não uso, geralmente, esta expressão. Com base no conceito, na experiência e na visão que tenho sobre a Comunidade, quando a entendemos ao nível da prestação de cuidados de saúde, considero inadequada a utilização de qualquer expressão que os hierarquize e, dessa forma, prefiro designá-los como tipos de cuidados, em vez de níveis, já que todos competem no mesmo grau de importância, apesar da sua diferente complexidade. E talvez esse seja um dos motivos por que continuamos a falar, ano após ano, da pertinência da promoção da saúde e da prevenção da doença, mas vemos, também ano após ano, a maior parte do investimento financeiro e de recursos depositados no tratamento da doença.
O nutricionista previne e trata, promove e educa, mas não está em muitos dos lugares onde é necessário e, por esse motivo, o que se fez até aqui, está na base da conceção legal, no enquadramento jurídico ao nível dos cuidados, sem se ter atendido à capacidade de diagnóstico no terreno, à garantia da alocação mínima de profissionais que permita passar da conceção à prática, do projeto aos resultados esperados. Destaco também a publicação do Despacho n.º 12634/2023 de 11 de dezembro, que determina a implementação de um modelo integrado de cuidados para a prevenção e tratamento da obesidade. Um flagelo epidémico, uma doença global, multifatorial e crónica, que arrasta consigo custos financeiros avultadíssimos, perda de anos de qualidade de vida, diminuição da produtividade, aumento da pobreza e das carências sociais. Mas mais uma vez surge a questão: estarão reunidas as condições no terreno para a implementação deste diploma de conceção e qualidade inquestionáveis? Possuímos, nos diferentes tipos de cuidados, as equipas constituídas pelos profissionais necessários em número e diferenciação para que se alcancem os objetivos esperados e que a ciência há muito já evidenciou como indispensáveis? Não sabemos ainda, ou melhor, na generalidade, sabemos que não.
Pelos rácios atualmente preconizados (pese embora, as premissas sobre os quais foram definidos estejam desfasadas da realidade e das funções efetivas de um nutricionista), mas ainda assim, assumindo-os como base, temos neste momento uma carência destes profissionais que ultrapassa os 700. São necessários mais 700 nutricionistas no SNS para dar resposta a estas e a outras necessidades. Atente-se que, estes números excluem os nutricionistas necessários à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, onde se prevê também a implementação de um destes despachos e onde a carência é, proporcionalmente, ainda maior.
Ainda no SNS, somos confrontados com um problema de carreira, que se transformou numa espécie de mito, pela falta de coragem em se assumir que precisa de ser repensada, revista, de forma a colocar fim a quase uma década de injustiça, iniquidades e desigualdades que afetam os profissionais, o seu desempenho e até mesmo a sua valorização e identificação enquanto classe. A falta de coragem em assumir que não é com pequenos remendos que se resolve um problema de raiz, refletida num fechar de olhos, tentando ignorar a realidade.
E vemo-nos, pois, neste momento, com uma mão cheia de questões e oportunidades que passaremos para o próximo Governo. Não se espere conseguir resultados sem meios e sem operacionais. Não se aspire atingir objetivos sem a implementação de medidas concretas e racionais, que garantam as condições, os recursos e o conhecimento necessários.
Anseio, antes de tudo, poder contar com um período estável na legislatura que se avizinha, com responsáveis que entendam que sem um conhecimento das necessidades reais, enganar-se-ão a eles mesmos e às políticas a seguir, ainda antes de enganarem toda a população.
Que aqueles a quem iremos entregar o que temos hoje compreendam que um País só ficará mais rico se apostar na Saúde dos seus cidadãos, se privilegiar os determinantes da Saúde como os pilares de uma Sociedade capaz e capacitada para evoluir e crescer, com uma gestão eficiente de recursos, que permita prevenir e educar, proteger e tratar, considerando os cuidados nutricionais prestados por nutricionistas como um direito de todo e qualquer cidadão.
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