Numa tarde chuvosa como estas de outubro, a Dona Maria José gosta de sentar-se à janela da sua sala a pintar. Ali ao lado, o Sr. Joaquim, o marido de mais de 40 anos, abre o jornal desportivo de sempre e lê as últimas. Primeiro sobre o seu clube do coração e depois sobre os rivais.

Se saem de casa, porque a Dona Maria José insistiu para irem a uma exposição, é possível que o Sr. Joaquim lhe sugira que passem também pela coletividade do bairro, onde há jogo dos rapazes. Respeitam e acarinham os gostos de cada um. E assim vão envelhecendo juntos, mas na sua individualidade.

O neuroenvelhecimento é um processo complexo, envolto em mistérios que têm despertado o interesse dos investigadores de diversas áreas científicas. Existe um segredo para que seja saudável? A resposta parece estar em definir metas ajustadas a cada indivíduo. É que, entre as descobertas mais consensuais, destaca-se a singularidade deste processo, que pode seguir diferentes trajetórias desde o saudável até ao patológico, tendo uma expressão comportamental única em cada pessoa. Esta singularidade não é apenas biológica, mas também moldada pela exposição a novos conhecimentos e atividades cognitivamente estimulantes ao longo da vida. Estas experiências contribuem para o desenvolvimento da reserva cognitiva, que consiste na adaptabilidade de funções como a da memória diante do envelhecimento, doenças ou lesões cerebrais.

O plano para um neuroenvelhecimento saudável (com estratégias para manter o desempenho e funcionalidade, prevenir défices e retardar o declínio neurocognitivo) deve começar a ser elaborado antes da aposentação, dado que esta etapa pode desencadear uma redução drástica do envolvimento em atividades. E deve ser elaborado por uma equipa multidisciplinar, com neurologistas, neuropsicólogos, terapeutas ocupacionais.

A neuropsicologia desempenha um papel central, pois é a sua avaliação detalhada que permite determinar os pontos fortes da pessoa, bem como eventuais dificuldades em termos sensoriais, cognitivos (por exemplo, na memória), emocionais, sociais e da funcionalidade nas atividades da vida diária. Identificar a abordagem ideal para cada pessoa requer considerar o perfil neuropsicológico, os objetivos pessoais, o contexto sociocultural, as motivações, os interesses e o género. Especificamente, os papéis de género podem variar com a cultura e interferir no planeamento de uma rotina ativa.

Assim, embora seja consensual a importância do envolvimento em atividades cognitivamente estimulantes e a manutenção de uma rotina ativa, estas recomendações devem ser ajustadas às características únicas de cada pessoa. O que funciona para a Dona Maria José pode não ser o mais adequado para o Sr. Joaquim. Para alguns, a chave pode estar em falar uma língua diferente da materna, enquanto para outros serão as atividades artesanais.

Assim, a identificação do perfil neuropsicológico individual tem um contributo central para a definição de metas promotoras de um neuroenvelhecimento saudável. Neste sentido, não existe uma fórmula. A “medida” certa é aquela que se ajusta às necessidades e experiências individuais, passadas e presentes. Afinal, o neuroenvelhecimento saudável é um processo tão único quanto cada um de nós e o mais importante é tirar o máximo partido daquilo que realmente significa envelhecer: sabedoria!