HealthNews (HN)- Este manifesto é um grito de alerta? Estamos a falar de um documento urgente?
Maria do Rosário Zincke dos Reis (MR)- Sim, estamos a falar de um documento urgente, e o seu conteúdo já é urgente há muito tempo. Mas agora mais do que nunca, até porque o número de pessoas com demências está muito elevado: 200 mil pessoas em Portugal, estima-se. Também se prevê que este número vá crescer muito consideravelmente. Apesar de nós, desde há muito tempo – pelo menos, desde 2009 –, termos vindo a reivindicar o reconhecimento das demências como uma prioridade nacional, de saúde pública e, também, social, e apesar de terem sido dados alguns passos, ainda estamos muito longe de uma resposta nacional integrada para as demências.
Sim, é um grito de alerta para algo que é urgente. E é urgente para ontem. É algo que já devia ter acontecido há muito tempo.
HN- No documento, escreveram que “a desarticulação de cuidados continua a ser a principal barreira a uma resposta específica, integrada e eficiente à Doença de Alzheimer e a outras Demências”. Isto significa que, de certo modo, o alerta vai sobretudo para o setor da saúde?
MR- Significa que não vai só para o setor da saúde. Na minha perspetiva, essa é a principal lacuna: a falta de articulação, a articulação insuficiente entre a saúde e a segurança social. A estratégia da saúde na área das demências, como o nome indica, é uma estratégia da saúde, não uma estratégia conjunta da saúde e da segurança social. Daí que um dos princípios-chave do nosso manifesta seja “aproximar”, ou seja, promover a articulação entre estas duas áreas, e não apenas entre os diversos níveis de cuidados. Também não deixa de ser importante a articulação entre os cuidados de saúde primários, os hospitalares, as respostas sociais que existem na comunidade, etc. Mas a principal lacuna, na nossa perspetiva, tem sido esta falta de articulação entre os vários ministérios.
HN- Também informam que “59,6% de mulheres e 50% de homens residentes em lares portugueses (ERPI) mostram sinais de deterioração cognitiva”. A realidade atual dos lares preocupa-vos?
MR- Sim, claro que nos preocupa, porque tem vindo a aumentar a percentagem de pessoas com problemas cognitivos. Isto é natural, porque o principal fator de risco da doença de Alzheimer e de outras formas de demência é a idade. É um fator de risco que nós não queremos combater sequer combater – é mesmo assim. Mas preocupa-nos muito porque cada vez há mais pessoas com problemas cognitivos e com diagnósticos de demência nos lares – o que significa que as exigências têm de ser maiores. O pessoal tem de ser devidamente qualificado e em número suficiente, e outra coisa, que até foi muito realçada durante a pandemia: os lares não podem ser apenas uma resposta social, têm que ter um forte pendor da saúde. Cada vez é mais importante que haja a presença do médico e a presença, essencial, dos enfermeiros. É cada vez mais fundamental que os lares tenham enfermeiros a tempo inteiro, porque existem comorbilidades com o avançar da idade. A pessoa com demência há de ter muitos outros problemas de saúde. Cada vez há mais pessoas com mais do que uma doença crónica. E são os profissionais de saúde que sabem responder a estas questões específicas da saúde. Um lar, hoje em dia, tem de ter uma resposta com um grande pendor da saúde.
HN- Pedem a colaboração de políticos, profissionais de saúde e do setor social e população em geral. A vossa associação tem sido ouvida e as vossas sugestões consideradas por todos estes setores?
MR- Mais ou menos. Antes da divulgação, reunimos com os vários grupos parlamentares e apresentámos o manifesto, o seu conteúdo, o que é que nós pretendemos, o que é que nós achamos que falta, que é mais essencial. Todos nos deram um feedback muito positivo e manifestaram interesse. Os partidos da oposição manifestaram disponibilidade para fazer perguntas ao Governo sobre este tema, nomeadamente sobre os resultados do primeiro relatório, que está feito desde julho, sobre a implementação dos planos regionais. Junto do partido socialista – partido do Governo – chamámos à atenção para a importância da articulação entre os ministérios. Claro que ali na conversa manifestaram concordância e reconheceram que esse é um desafio.
Não posso dizer que não temos sido nada ouvidos. Vão-nos ouvindo. Fazemos parte de comissões. Por exemplo, nós, a Alzheimer Portugal, fazemos parte da comissão de acompanhamento dos planos regionais e fizemos parte, também, da comissão de acompanhamento dos projetos piloto do cuidador informal. Ou seja, a Alzheimer Portugal é reconhecida como um parceiro importante para dar o seu contributo. Agora, ainda não fomos tão ouvidos quanto queríamos; senão, já teríamos o reconhecimento das demências como uma prioridade nacional, e isso é algo que ainda não aconteceu.
HN- No manifesto, pode ler-se: “Até 40% dos casos de demência poderiam ser prevenidos com intervenção nos fatores de risco modificáveis”. Que fatores são esses?
MR- É fundamental trabalhar a nível da prevenção. As previsões dizem-nos que o número de pessoas com demências vai aumentar muito se nada fizermos. E aquilo que nós podemos fazer é combater os tais fatores de risco modificáveis. Isto tem base científica. Há um artigo da Lancet, uma revista reconhecidíssima a nível internacional, que sustenta isto que lhe vou dizer: é possível evitar 40% das demências se atacarmos fatores de risco como o baixo nível educacional; ou seja, há que aumentar a atividade intelectual. Isto é um trabalho que se tem que fazer desde criança, ao longo da vida.
Outro fator que conseguimos combater é a perda de audição, que está associada a uma redução da estimulação cognitiva e, consequentemente, ao declínio cognitivo. Também se fala muito dos traumatismos cranioencefálicos, que podem estar na origem de problemas cognitivos. Os outros fatores são: a hipertensão arterial; o sedentarismo; a diabetes; o consumo excessivo de álcool; a obesidade; o tabagismo; a depressão; o isolamento social e, finalmente, mas não menos importante, a poluição do ar.
Estes são os doze fatores de risco que estão reconhecidos como sendo possível combater e modificar para reduzir o número de pessoas a viver com demência.
HN- Em Portugal, como é que estamos a abordar a prevenção e esses fatores?
MR- Ainda de forma muito débil. Tem-se trabalhado muito pouco este aspeto da prevenção. Por isso é que nós, pelo segundo ano consecutivo, vamos desenvolver uma campanha sobre este tema. De 16 a 21 de setembro, vamos ter uma exposição interativa no CascaiShopping precisamente sobre como combater estes fatores de risco.
HN- O que é que prepararam para o Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer?
MR- Nós não falamos propriamente em dia, que é o 21. Falamos já em mês. Começámos o mês com o lançamento do manifesto. No dia 10 de setembro, vamos abrir mais um Café Memória, desta vez em Portimão. Ao longo dos anos, temos tido dificuldade de implementação na zona sul do país, por isso estamos muito contentes por termos conseguido abrir o núcleo em Portimão em plena pandemia. No dia 12, vamos lançar a campanha de que falei há pouco, que se chama “Ativamente – O Clube do Cérebro”. Aqui, queremos consciencializar o público sobre as estratégias que podemos desenvolver para cuidar da saúde do nosso cérebro e, assim, prevenir a demência. No âmbito desta campanha, vamos ter a exposição no CascaiShopping, de 16 a 21 de setembro.
No dia 21 de setembro, temos uma iniciativa destinada aos utentes do nosso centro de dia de Lisboa, em parceria com a Seawoman (Associação para a Promoção da Mulher através do Desporto e Atividades Náuticas). Vamos proporcionar um passeio de barco à vela aos nossos utentes do centro de dia. Já tivemos uma iniciativa deste tipo que correu lindamente. As pessoas adoraram. Então, vamos repeti-la. A 23, em Sintra, vamos lançar o Manual de Estimulação Global, que tem a colaboração da Alzheimer Portugal, mas não é um projeto só nosso. É um projeto que conta, entre outras entidades, com o apoio do município de Sintra e é uma ferramenta muito importante para cuidadores informais e profissionais, para poderem saber como trabalhar a estimulação, não só cognitiva, mas também sensorial. Depois, temos iniciativas locais, na delegação da Madeira, no nosso núcleo do Ribatejo e vamos ter um passeio da memória na delegação centro, em Pombal. Também temos iniciativas na delegação norte e no nosso núcleo do Algarve.
Entrevista de Rita Antunes
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