“Considero que é inevitável adiar o dia do levantamento total das restrições e ficar atento ao aumento da incidência”, adiantou à Lusa o especialista do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.
Caso se mantenha o aumento da incidência de infeções, é “provável o regresso de algumas medidas entretanto abandonadas”, defendeu o especialista, alegando que é “extremamente importante” controlar a pandemia, ao nível da incidência, hospitalizações e vítimas mortais em valores muito baixos, durante a primavera e verão para que o país chegue ao “outono com poucos vírus em circulação”.
“Se não o fizermos, arriscamos uma sexta vaga no inverno. Mais vale manter alguns sacrifícios agora do que voltarmos a viver um inverno de incertezas”, sublinhou o professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa.
De acordo com o relatório do grupo de acompanhamento da covid-19 do Instituto Superior Técnico (IST) divulgado na quinta-feira pela Lusa, a pandemia está a “agravar-se de forma significativa” em Portugal, com o índice de transmissibilidade (Rt) a atingir os 1,09, o que poderá resultar numa sexta vaga de infeções.
“Estamos a ver o desenho de uma sexta vaga de forma muito clara. O risco pandémico ainda não é muito elevado, mas é necessário perceber como vai continuar a evolução dos números”, avança o documento elaborado por Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, que compõem este grupo de trabalho coordenado pelo presidente do IST, Rogério Colaço.
Segundo o IST, o agravamento da situação pandémica deve-se à linhagem BA.2 da variante Ómicron do coronavírus SARS-CoV-2, que já é a dominante em Portugal e que apresenta “alguma taxa de reinfeção”, ao levantamento das restrições e à diminuição da proteção vacinal, “que se começa a fazer sentir”.
Na terça-feira, a ministra da Saúde disse que o alívio de restrições de controlo da pandemia, previsto para abril, deverá avançar, a não ser que surja uma circunstância imprevista.
“Creio que estamos em condições de cumprir aquilo que estava programado, a não ser que haja uma circunstância imprevista”, afirmou Marta Temido.
O limiar de 20 óbitos por um milhão de habitantes a 14 dias, estabelecido pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC), constitui uma das referências que o Governo definiu para o país passar para um nível sem restrições.
Para Miguel Castanho, “existia a esperança” de que, apesar do alívio das medidas de mitigação dos contágios, a tendência de decréscimo da incidência se mantivesse e acabasse por fazer decrescer, mais tarde, o número de internamentos e de mortes de forma acentuada.
“Esta expectativa não se cumpriu. Com o alívio das medidas, a incidência voltou a subir, antes mesmo do número de vítimas mortais estabilizar num valor minimamente razoável. Com a incidência a subir, é provável que não atinjamos brevemente esta meta para as vítimas mortais”, estimou o investigador.
Segundo disse, para este aumento da incidência contribuiu o levantamento de algumas medidas de controlo da pandemia, após a reunião do Infarmed de 16 de fevereiro, assim como o abrandamento dos comportamentos defensivos da população, “fruto de um certo triunfalismo” associado ao alívio das restrições e ao desvio da atenção mediática para os acontecimentos na Ucrânia.
Além disso, podem ter contribuído os festejos coletivos de Carnaval, com o surgimento de focos de infeções, e a importância crescente da linhagem BA.2 da variante Ómicron, mais transmissível, referiu o investigador.
Esta linhagem, que já é responsável por mais de 76% das infeções no país, tem alterações estruturais substanciais face à linhagem dominante até aqui, muitas delas nas partes expostas dos vírus, explicou Miguel Castanho.
“Podemos dizer que a Ómicron BA.2 difere da Ómicron BA.1, dominante até aqui, como a Ómicron BA.1 difere da Delta. Estas alterações não levam a doença mais severa, mas podem levar a uma perda de eficácia dos anticorpos, quer estes tenham origem na vacina, numa infeção prévia com a Delta, ou com a BA.1. É esta a razão para a ocorrência de reinfeções”, adiantou.
Apesar disso, Miguel Castanho não espera que o “impacto seja tão grande como em situações passadas” da pandemia, tendo em conta a extensa imunidade natural e ao facto de as vacinas manterem uma proteção considerável contra o agravamento da covid-19 nas pessoas infetadas.
A covid-19 provocou pelo menos 6.011.769 mortos em todo o mundo desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.
A doença é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China.
A variante Ómicron, que se dissemina e sofre mutações rapidamente, tornou-se dominante no mundo desde que foi detetada pela primeira vez, em novembro, na África do Sul.
Comentários