A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma das manifestações de doença cardiovascular (CV) com maior  incremento nos últimos anos. Fruto de uma melhoria significativa no tratamento da doença coronária (DC) aguda, foi gradualmente possível melhorar a mortalidade imediata devido a esta causa. Ao prolongar a esperança de vida destas populações, abriram-se portas para uma consequente evolução em relação à IC.

Nas pessoas com Diabetes, a IC tem uma expressão clínica maior, juntamente com a doença vascular periférica, face à DC, quando directamente comparadas com a as pessoas sem diabetes, onde a doença isquémica ainda predomina. Além disso, a IC na Diabetes tem um fenótipo diferente em relação à que existe na população em geral. A maior parte das pessoas com diabetes tem IC com boa função sistólica VE, a chamada IC com fracção de ejecção preservada (HFpEF). Esta entidade, que clinicamente se pode manifestar do mesmo modo que a IC com fracção de ejecção reduzida (HFrEF), tem um processo de desenvolvimento diferente e é bem mais difícil de diagnosticar através das metodologias tradicionais.

Em termos de prevalência, considera-se que IC está presente em cerca de um terço das pessoas com diabetes, sendo 2-5 vezes mais frequente nestas do que nos não diabéticos, e está associada uma mortalidade a 5 anos entre 30 e 40%. A isto junta-se um enorme acréscimo de hospitalizações por descompensação da IC, o recurso aos serviços de urgência e a incapacidade temporária.

Durante mais de 30 anos, a terapêutica para a IC estagnou num armamentário farmacológico baseado na acção sobre o eixo renina-angiotensina, como os IECA ou os ARA2, ou no bloqueio adrenérgico, com os beta-bloqueantes. Isto verificou-se tanto em relação à melhoria sintomática, como à melhoria do prognóstico. Isto foi complementado pelo uso de diuréticos, apenas com o objectivo de melhorar os sintomas. Um pouco depois, a utilização de moduladores dos receptores mineralcorticóides nos indivíduos com um grau mais avançado de IC, veio acrescentar uma alternativa terapêutica, mas num grupo mais restrito de pessoas. Já neste século, a utilização de dispositivos implantáveis, como os ressincronizadores (CRT) e os desfibrilhadores (CDI), veio contribuir também para a redução da mortalidade e dos eventos major.

Ao fim destas quase 3 décadas, uma nova luz ao fundo túnel acendeu-se. O desenvolvimento e comprovação de um inibidor da neprisilina, o sacubitril, abriu uma porta de esperança para o tratamento da IC, embora com utilização mais indicada (pelo menos inicialmente) em casos de disfunção ventricular (VE) mais avançada.

Existem várias particularidades n a população com diabetes. Já falámos sobre as diferenças na expressão clínica, mas o facto de muitas das medicações orais para a diabetes disponíveis até há 10 anos poderem ter impacto negativo na IC, como as sulfonilureias e as glitazonas, condicionou durante muito tempo a forma de optimizar o controlo glicémico nas pessoas com diabetes, sem o recurso à insulina. Acrescenta-se a isso uma enorme franja de indivíduos com IC não diagnosticada ou subclínica, muitas vezes apenas “revelada” na altura em que eram usados alguns destes fármacos. Assim, conseguimos perceber o porquê de o tratamento da IC na diabetes ter sido sempre um desafio insuficientemente resolvido e, com isso, foi-se adiando a esperança em inverter o ominoso curso da doença.

Desde 2008, com o advento e expansão dos grandes estudos de “outcomes” cardíacos exigidos então pela FDA face à polémica da rosiglitazona, uma enorme plêiade de novas substâncias foi aparecendo no mercado para modificar o panorama cinzento da IC na diabetes. Primeiro, garantindo segurança na sua utilização. Depois, finalmente, recorrendo a evidências que nos permitiram dar o salto em frente na modificação do prognóstico. O aparecimento dos inibidores da SGLT2 (as gliflozinas) veio mudar radicalmente a forma de tratar a IC, tanto na diabetes, como mais tarde na população em geral. Inicialmente, na versão que se presumia mais grave, a HFrEF, e depois, mais recentemente, também com a HFpEF, algo que até então nunca tinha sido testado e que se pensava ser mais difícil de conseguir atingir.

Temos agora ao nosso dispor quatro grupos de fármacos modificadores de esperança e qualidade de vida: IECA/ARA2, beta-bloqueantes, sacubitril e iSGLT2. Todos para serem utilizados em simultâneo, logo que seja clinicamente possível, nos diferentes grupos de pessoas e em ambas as formas de IC. 

Na Diabetes, o elefante na sala é a IC. Dificilmente o conseguiremos fazer sair, mas temos forma de o estabilizar, reduzir a sua agressividade. E, com isso, reduzir os estragos de forma relevante.

Um artigo do médico Pedro Matos, Cardiologista da APDP.