Hélder Pereira, cardiologista
Hélder Pereira, cardiologista créditos: DR

Em que consiste a iniciativa Stent Save a Life e desde quando é que esta está em vigor em Portugal?

A iniciativa Stent Save a Life (SSL) teve início este ano, mas ela é a continuação de um programa anterior, com objetivos idênticos, que foi o Stent for Life (SFL) e no qual nos integrámos em 2011.
A iniciativa SFL teve por objetivo reduzir a mortalidade por enfarte do miocárdio na Europa, através de uma série de programas que visam proporcionar ao maior número possível de doentes o melhor tratamento atual para o enfarte, a chamada Angioplastia Primária. Face ao sucesso alcançado a nível europeu, optou-se por tornar este projeto global, integrando também países da América do Sul, de África e da Ásia. Esta globalização aconteceu este ano e o projeto passou a designar-se Stent Save a Life.

Que tipo de trabalho desempenha esta iniciativa?

A Sociedade Europeia de Cardiologia, assim como as suas associações, verificaram que havia uma grande heterogeneidade no tratamento do enfarte a nível europeu, pelo que implementou estes programas que tinham por objetivo proporcionar os melhores tratamentos de forma a reduzir a mortalidade por enfarte.

Como nem todos os hospitais dispõem desta técnica, os doentes com suspeita de enfarte não se devem dirigir pelos seus próprios meios para o hospital

Está em que países? Os números da incidência da doença são muito diferentes de país para país?

Os países europeus que fazem parte do SSL são a Bielorrússia, Bulgária, Bósnia Herzegovina, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal, Roménia, Rússia, Sérvia, Espanha, Turquia e Ucrânia. Em África são o Egito, a África do Sul, e a Tunísia. Na América do Sul estão a Argentina e o México. Finalmente, na Ásia estão a Índia e a Arábia Saudita.

Portugal deverá ser comparado com os países europeus, pois não podemos de forma alguma comparar o que se passa na Europa com a realidade dos nossos outros parceiros não europeus. Na maioria dos países fora da Europa, os doentes não têm acesso universal aos cuidados de saúde e muito menos à melhor terapêutica para o enfarte que é a angioplastia.

Há cerca de uma década éramos um dos países europeus com uma das mais baixas taxas de angioplastia primária. Em cerca de uma década triplicamos o número de doentes tratados por angioplastia e presentemente temos números dentro da média europeia, comparável ao que se passa em Espanha, Bélgica e Reino Unido. Os países do norte da Europa apresentam taxas mais elevadas, mas aí provavelmente a incidência de enfarte é mais elevada do que nos países mediterrânicos onde nos incluímos.

Desde que a iniciativa Stent Save a Life, antigamente denominada por Stent for Life, entrou em vigor em Portugal, foram já muitas as atividades que se realizaram no âmbito da prevenção do enfarte agudo do miocárdio. Melhorou alguma coisa? 

Nos últimos anos triplicámos o número de angioplastias, mas antes de lhe dizer em que mais melhorámos, importa esclarecer melhor como se estabelece o enfarte e o que é a angioplastia.

O enfarte do miocárdio resulta da oclusão de uma das artérias do coração (artérias coronárias) por um coágulo (trombo) que se forma sobre uma lesão arteriosclerótica da coronária. Se a artéria não for desobstruída rapidamente, o músculo cardíaco por ela irrigado entra em sofrimento e em poucas horas acaba por morrer deixando sérias sequelas no coração. Daí a frase “tempo é músculo”. A rapidez na instituição da terapêutica é um elemento fundamental. Por isso a nossa campanha de sensibilização da população se intitula: NÃO PERCA TEMPO – SALVE UMA VIDA, o Enfarte não pode Esperar.

A “angioplastia primária” é uma técnica que se realiza em hospitais especializados em tratar o enfarte e que consiste em fazer passar um minúsculo tubo plástico, chamado cateter, que entra por uma artéria periférica do braço ou da virilha e que vai até ao coração de forma a podermos injetar um produto chamado contraste e que nos vai permitir diagnosticar qual a artéria que está obstruída. Depois, através de um pequeno balão, abrimos a artéria e então implantamos uma pequena prótese metálica, chamada stent e que permite restabelecer o fluxo sanguíneo nessa artéria. Se este procedimento for realizado precocemente o coração praticamente recupera na totalidade, mas se for realizado tardiamente podem ficar importantes sequelas ou mesmo o doente falecer.

Como nem todos os hospitais dispõem desta técnica, os doentes com suspeita de enfarte não se devem dirigir pelos seus próprios meios para o hospital, pois correm o risco de haver necessidade de se efetuar uma transferência para um outro hospital, o que acarreta uma perda de tempo e aumenta o risco de mortalidade. A atitude correta é ligar para o 112, pois através desta chamada temos acesso direto ao INEM que nos conduz direta e rapidamente para os hospitais especializados em angioplastia primária.
Agora respondendo à sua pergunta relativamente aos progressos alcançados, saliento o facto de em 2008 apenas 23% dos doentes com enfarte ligarem para o INEM e que atualmente mais de 40% já o fazem. Também se tem vindo a verificar um importante aumento dos doentes conduzidos pelo INEM, assim como a redução daqueles que vão pelos seus próprios meios para hospitais sem angioplastia.

Porque é que ainda se morre tanto de ataque cardíaco em Portugal?

Na realidade as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, no entanto, no que concerne ao enfarte, tem-se vindo a verificar uma tendência para a redução desta doença. Acresce-se, que mercê de todos os progressos alcançados no tratamento, a mortalidade do enfarte tem-se reduzido significativamente.

Porque é que esta doença pode causar tantas sequelas?

Como expliquei anteriormente, as sequelas podem ser muito reduzidas se a angioplastia for realizada muito precocemente. O problema é que os nossos doentes ainda demoram muito tempo entre o começo dos sintomas e o pedido de ajuda. Em média passam cerca de duas horas entre o início dos sintomas até que o doente chegue ao hospital. Este tempo é muito precioso, pois se o conseguirmos reduzir também reduzimos as sequelas.

Quais são os sinais de alerta?

O sintoma principal é a dor no peito. Por vezes é uma dor muito intensa, mas outras vezes é descrita como um aperto ou um grande peso no peito. Pode irradiar para as costas, para o queixo ou para os braços. Por vezes é acompanhada por náuseas e vómitos ou por suores. Raramente pode manifestar-se por um desmaio. Face a estes sintomas há que pensar sempre na possibilidade de se tratar de um enfarte. Nesses casos nunca se deve esperar, pois podemos estar a atrasar o tratamento. O mais correto é ligar para o 112 e explicar o que se está a passar.

A Via Verde Coronária em Portugal é eficaz? O que poderia ser melhorado?

Portugal dispõe de uma boa rede de hospitais com capacidade de realizar angioplastia primária e de boas estradas e autoestradas que ligam os diferentes hospitais. Possivelmente a região mais desprotegida é a da Beira Interior onde faria sentido instalar mais um centro, eventualmente na Covilhã, onde também temos uma faculdade de medicina, o que ainda representa uma mais valia do ponto de vista da academia. Além disso, no Algarve, onde para além da população residente também temos uma intensa atividade turística, a equipa de angioplastia é muito reduzida, o que, do meu ponto de vista, é uma vulnerabilidade à qual não nos deveríamos expor.

De todas as formas, podemos dizer que temos um sistema muito robusto que dá acesso a praticamente todos os doentes.

Durante vários anos presidi à associação dos médicos cardiologistas que se dedicam à angioplastia, a chamada cardiologia de intervenção, a APIC (Associação Portuguesa de Cardiologia de Intervenção da Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Temos orgulho de dizer, que ao contrário de outros países e de outras especialidades em que o desenvolvimento da rede se deu por determinação e decisões superiores, no caso do enfarte, foram os cardiologistas que desenvolveram estes centros, numa dinâmica “debaixo para cima”, criando condições e exigindo estruturas que hoje nos permitem ter uma rede que podemos considerar que está entre as melhores do mundo.

Acha que a DGS e o Ministério da Saúde deveriam propor e criar mais medidas para diminuir a incidência desta doença? Quais?

Ambas as instituições têm desenvolvido programas que visam combater os chamados fatores de risco para as doenças cardiovasculares: hipertensão arterial, tabagismo, diabetes, sedentarismo, etc.

Eu como coordenador das iniciativas Stent For Life e Stent Save a Life, gostaria que essas instituições nos apoiassem ainda mais no desenvolvimento da nossa campanha NÃO PERCA TEMPO SALVE UMA VIDA, assim como, que houvesse uma mais forte parceria nos restantes programas que temos vindo a desenvolver.

O que é que o cidadão comum pode fazer para diminuir o risco de enfarte agudo do miocárdio?

O segredo está na adopção de um estilo de vida correto, o que passa por boas práticas alimentares, exercício físico regular, não fumar, combater a obesidade e a diabetes e controlar o stresse.