HealthNews (HN) – No programa eleitoral da IL, a Saúde surge como o 6º tópico. A Saúde é verdadeiramente uma prioridade do partido caso venha a ser eleito?
Joana Cordeiro (JC) – Sim. Foi mais uma questão de arrumação. Nós definimos cinco grandes objetivos para a legislatura até 2028, dentro dos quais a Saúde. A visão da Iniciativa Liberal pode ser resumida em duas frases: “Mais escolha. Menos espera”. Ora, isto significa que queremos que o acesso à saúde seja verdadeiramente universal, com cuidados de saúde de qualidade, prestados em tempo útil e onde o doente tem liberdade de escolha. Queremos afastar-nos desta discussão sobre o prestador do serviço… Para os doentes devia ser indiferente se é o setor público, social ou privado a prestar os cuidados de saúde. A escolha do doente deveria passar pelo médico e hospital onde quer ser atendido. Era este o princípio que deveria prevalecer.
Sendo a saúde um dos nossos grandes objetivos, o primeiro compromisso que a IL assume é garantir um médico de família para todos até 2028, com uma prioridade antecipada para grávidas, crianças até nove anos e para pessoas com mais de 65 anos. A esta população prometemos médico de família no primeiro mês da legislatura. Assumimos este compromisso, mas já é conhecido que a Iniciativa Liberal na legislatura passada apresentou uma nova lei de bases de saúde, cujo objetivo era enquadrar o novo modelo da saúde. Aquilo que defendemos é um modelo mais aproximado àquilo que vemos em países como a Alemanha e os Países Baixos.
HN- Considera que é legítimo comparar e posicionar Portugal ao mesmo nível que esses países? São países com economias muito mais robustas.
JC- Temos sempre de posicionarmo-nos ao nível dos melhores ou, pelo menos, ter essa ambição e caminhar nessa direção. Para a Iniciativa Liberal, o setor a que pertence o prestador do cuidado de saúde deve ser indiferente. Apesar de muitas vezes sermos acusados de promover uma saúde para ricos e para pobres… A verdade é que é isso que temos atualmente. Hoje em dia, quem não tem alternativa ao Serviço Nacional de Saúde é obrigado a ter de ficar à espera. Esta é a realidade do país. Sabemos também que quase metade da população tem subsistemas e seguros de saúde. Infelizmente, quem não tem ADSE ou um seguro de saúde não tem a possibilidade de escolher. É por isso que a IL defende que esta qualidade e facilidade de acesso deve ser estendida a todas as pessoas. Isso é que é garantir um acesso universal.
HN- Como é que a o vosso partido pretende fortalecer a saúde em Portugal? Vão, como a oposição alega, “retirar dinheiro do SNS para financiar o privado de saúde”?
JC- Não é isso que a Iniciativa Liberal vai fazer. Há vários problemas no Serviço Nacional de Saúde. Temos mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família. Temos listas de espera que continuam a aumentar; os últimos números da Entidade Reguladora da Saúde alertam para mais de 750 mil pessoas à espera de uma consulta e cerca de metade já está acima dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos. Se olharmos para a oncologia, onde os valores foram os mais ressalvados por serem precisamente os mais altos, vemos que temos 73% das pessoas foram destes tempos. Ora, temos mais de dez mil pessoas a aguardar uma consulta. Não podemos continuar a aceitar isto. O grande problema tem a ver com a falta de profissionais de saúde no SNS. De acordo com dados da Federação Nacional dos Médicos, temos cerca de sessenta mil médicos no sistema, dos quais só cerca de 31 mil é que trabalham no Serviço Nacional de Saúde e desses, pelo menos, um terço são médicos internos.
No fundo, as nossas medidas focam-se em resolver estes dois problemas. É claro que temos a lógica do nosso modelo de saúde, mas também temos que ter medidas mais concretas para, no imediato, começar a ultrapassar as limitações existentes. É por isso que defendemos que temos de ir ao encontro dos médicos de família onde eles estão.
HN- As USF modelo C são a solução? Com a IL este modelo vai sair do papel e tornar-se uma realidade?
JC- As últimas medidas do Governo de transformar as USF em modelo B veio demonstrar que, com uma maior autonomia e com incentivos associados ao melhor desempenho, são alcançados melhores resultados. Portanto, aquilo que a IL quer é avançar mais um degrau… Até porque quem colocou as USF modelo C na lei foi o próprio partido socialista.
Para a Iniciativa Liberal, a solução para a falta de médicos de família passa, no fundo, por contratualizar serviços com o setor privado e social e criar as Unidades de Saúde Familiar modelo C. É um modelo que permite a um grupo de médicos, enfermeiros e secretários clínicos criar uma unidade que tem toda a autonomia para fazer a sua gestão, contratualizando com o Estado a prestação de cuidados. Esta é a forma que temos para resolver o problema. Não basta dizer que queremos médico de família para todos se na realidade não há medidas concretas. Aquilo que vemos dos restantes partidos é fazer tudo igual com mais dinheiro.
HN- Salientou o problema das listas de espera para as consultas da especialidade. A nível hospitalar quais são as propostas que destacaria da IL?
JC- Já propusemos e vamos continuar a insistir nisso, para contratualizar os serviços de consulta e cirurgia onde quer que essa capacidade esteja disponível. Portanto, o que propomos é que se façam concursos públicos, com abrangência internacional, para a prestação de cuidados de saúde. Precisamos de um processo mais ágil para resolver todos estes problemas.
A nível hospitalar defendemos o regresso das Parcerias Público-Privadas.
HN- Mas como é que vai ser feita esta negociação com os privados? O anterior governo disse que as exigências destes grupos eram excessivas.
JC- Já temos dito que estas parcerias têm de ser Win-Win para as duas partes. As três PPP que entretanto acabaram já tinham provas dadas que funcionavam… Portanto, o que a IL propõe é que se abram, nestas unidades hospitalares, novos concursos públicos com abrangência internacional. É claro que vai ser necessária competência para negociar os contratos. Relativamente aos restantes hospitais do Serviço Nacional de Saúde que sejam feitos estudos, de modo a perceber se faz ou não sentido estabelecer Parcerias Público-Privadas.
No fundo, o que temos de fazer é analisar qual é o melhor modelo de gestão para cada um dos hospitais do SNS. Pode haver sítios onde as PPP não se justifiquem. Os relatórios mostram que as unidades onde foi estabelecida uma Parceria Público-Privada, estiveram perfeitamente integrados no SNS, que os níveis de satisfação eram superiores a outras unidades e que geravam poupanças para o Estado. Tivemos um conjunto de indicadores positivos e acabámos com isto por um preconceito puramente ideológico. Sabemos que é um tema complicado… As PPP têm de funcionar para os dois lados. Não pode ser o Estado a ficar prejudicado, mas, vamos ser sinceros, nenhum privado terá interesse em ficar prejudicado. O que está a acontecer é que quantos mais problemas o SNS tiver, menor é a capacidade de negociação do Estado.
HN- Olhando para aquilo que foi feito pelo anterior executivo e as reformas implementadas na saúde, há alguma medida que a IL pense reverter?
JC- Não vamos colocar a questão dessa forma. Nós, de facto, temos uma visão diferente para a saúde. Relativamente à Direção-Executiva aquilo que criticamos é a questão da não definição de competências. Continuamos a ter muitos organismos dentro da saúde e não se percebe como é que estes são interligados. O sistema ficou bastante confuso.
A IL considera que as administrações hospitalares têm de ter mais autonomia. Os hospitais têm de ser geridos de uma forma mais autónoma e não estar tão dependentes do Ministério da Saúde ou do Ministério das Finanças. Infelizmente, não vimos isso mudar com a criação da Direção-Executiva.
Podemos falar das Unidades Locais de Saúde. Faz-nos confusão que se tenha insistido num modelo que não funcionou. Das oito que existiam, apenas uma é que funcionava bem.
Vamos olhar para todas estas questões, mas não numa lógica de reversão total.
HN- A IL propõe a “remuneração variável consoante o desempenho para todos os profissionais de saúde”. Ora, as USF modelo B já atuam sobre essa premissa e mesmo assim muitos médicos contestam os indicadores de desempenho. O que é que a IL vai fazer de diferente?
JC- A nossa visão enquanto partido é uma visão de meritocracia. Isto é, defendemos que as remunerações têm de estar assentes numa avaliação de desempenho. Um profissional que trabalha mais e melhor deve ser valorizada face a outro profissional, cujo desempenho não é tão bom. Relativamente à questão dos profissionais de saúde das USF modelo b, o problema são alguns dos indicadores que foram estipulados. Para a IL o que faz sentido é que as próprias unidades possam definir os seus próprios indicadores. Isto porque há parâmetros que fazem sentido numa região e não noutra. Portanto, os índices de desempenho devem ser variáveis consoante a unidade. Não podemos avaliar ou remunerar igual o que é diferente.
HN- Em Portugal, há grandes assimetrias no que diz respeito ao acesso aos cuidados de saúde, sendo que a população do interior tem maior dificuldade quando comparada com a população das grandes áreas metropolitanas. Como é que a IL prevê resolver este problema?
JC- Voltamos ao princípio. Temos de garantir cuidados de saúde de acesso universal. É claro que há sítios onde não vai haver alternativas e o Estado vai continuar a prestar esses cuidados. Se aumentarmos as autonomias das unidades e dermos aos profissionais de saúde melhores condições e garantirmos a valorização dos salários, as unidades do interior podem ser mais competitivas.
HN- O vosso partido defende a colaboração entre o setor público, privado e social. Qual será o papel da IL na implementação do registo eletrónico único?
JC- Temos apresentado várias propostas nesse sentido. O registo eletrónico único é fundamental. É algo que reforçamos em todas as audições de saúde. Não há razão nenhuma para que não exista. Mas há um aspeto ainda mais grave. Nós falamos muito no registo universal, porque abrange todos os prestadores, mas, hoje em dia, este ainda nem sequer existe dentro do próprio Serviço Nacional de Saúde. O que é que isto provoca? Provoca todo um atraso. Quando o Governo contratualizou o atendimento de grávidas em Lisboa e Vale do Tejo a minha pergunta foi: Como é que uma grávida chega a um hospital privado e lá acedem a toda a informação? A minha pergunta não teve resposta… Ora, o próprio Estado quando quer contratualizar tem que resolver este problema. Sem o registo eletrónico único assistimos a muitos atrasos, muita duplicação de exames, consequentemente com custos.
HN- Se a direita defende a colaboração com o setor privado, não faria sentido exigir igualmente a partilha de dados sobre o número de consultas e cirurgias realizadas e os respetivos tempos de espera?
JC- Sem dúvida. O que a Iniciativa Liberal defende é exatamente o mesmo tipo de tratamento para todas as unidades de saúde, sejam elas públicas, privadas ou do setor social. Portanto, todas estas unidades devem reportar os mesmos tipos de informação, ter os mesmos tipos de transparência, ser avaliadas da mesma forma. De facto, deveríamos ter um ranking que ajudasse os utentes a escolherem os melhores serviços. Quando tínhamos as PPP, o Hospital de Braga foi classificado várias vezes como o melhor hospital do país.
Mas respondendo de forma concreta à pergunta, sim, nós defendemos que a avaliação tem de ser feita da mesma forma para todas as unidades. Só assim é que as pessoas podem escolher qual o melhor sítio e onde querem ser tratadas.
HN- Há uma área pela qual os portugueses têm vindo a demonstrar forte preocupação: o acesso aos cuidados de saúde oral. No vosso programa nada foi dito sobre esta questão. Qual vai ser a atuação da IL?
JC- Não fomos específicos a esse ponto, mas é claro que a saúde oral entra na lógica que é defendida por nós de acesso universal de cuidados para todos. A capacidade instalada existe e, por isso, aquilo que nós pretendemos é a contratualização nesta área. Quando queremos que seja o Estado a prestar estes serviços nem sempre tudo funciona bem. Portanto, em vez de se avançar com um investimento que não sabemos como é que vai funcionar, podemos aproveitar a rede de cuidados de saúde oral que está disponível.
HN- O que é que responderia aos eleitores que acreditam que a Direita quer “dar cabo” do SNS, privatizando-o?
JC- O que defendemos é que todos os setores da saúde funcionem em pé de igualdade. Todos têm que ter as mesmas ferramentas, o acesso ao mesmo tipo de equipamentos e as mesmas capacidades de contratação. Isto é que é valorizar o Serviço Nacional de Saúde. Imaginemos que um hospital privado tem um aparelho de TAC avariado, não tenho a mínima dúvida que este aparelho vai ser substituído de um dia para o outro… Num hospital público isto não acontece. Ora, isto não é justo. A administração de um hospital do SNS devia ter os mesmos mecanismos de autonomia e gestão que o setor privado.
Aquilo a que temos assistido desde 2015 até este Orçamento de Estado é a um reforço no montante que é atribuído à Saúde, mas se formos perguntar às pessoas, estas não sentem que o Serviço Nacional de Saúde esteja melhor, muito pelo contrário. É verdade que as solicitações são cada vez maiores, mas é por esse mesmo motivo que temos de olhar para o sistema como um todo e analisar qual é a melhor forma de responder às várias necessidades que são cada vez mais crescentes. Isto é que é valorizar o SNS.
Entrevista de Vaishaly Camões
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