Nos últimos anos assistiu-se a avanços significativos na terapêutica oncológica com uma importante melhoria da sobrevida global. Neste contexto os efeitos secundários dos tratamentos ganham uma maior relevância. A doença cardiovascular é em alguns cancros, como o cancro da mama, a principal causa de morte nos sobreviventes. Em Portugal estima-se que existam atualmente mais de 500 000 sobreviventes de cancro, portanto as alterações cardíacas causadas pelos tratamentos oncológicos podem ter um impacto importante.
Os estudos têm mostrado que os doentes oncológicos têm um risco maior de desenvolver doença cardiovascular em relação aos doentes não oncológicos. Isto deve-se não só à presença do cancro em si (atendendo que é um estado pró-inflamatório) mas também às alterações causadas pelas terapêuticas.
A cardiotoxicidade dos tratamentos oncológicos pode manifestar-se de várias formas: atingimento do músculo cardíaco originando insuficiência cardíaca (uma das mais importantes consequências), arritmias, aceleração de doença arterial coronária, hipertensão arterial e formação de coágulos. Adicionalmente, no caso da radioterapia torácica esquerda (utilizada nos doentes com cancro da mama esquerda e linfomas) podem surgir doenças das válvulas do coração, artérias e do pericárdio.
As manifestações cardíacas podem ocorrer mais precocemente, durante o tratamento, o que poderá ter um impacto significativo no prognóstico oncológico já que podem limitar o cumprimento do tratamento ou surgirem mais tardiamente – anos depois dos tratamentos – o que pode ter um impacto significativo na qualidade de vida e no aumento de risco de mortalidade. O doente pode ter sobrevivido a uma doença grave, o cancro, e desenvolver uma doença crónica que é muitas vezes incapacitante – a insuficiência cardíaca.
Nem todos os tratamentos oncológicos têm o mesmo potencial para causar lesão cardíaca. Existem determinados grupos de fármacos, que estão associados a um risco particularmente importante e que, por conseguinte, implica uma maior vigilância.
Por outro lado, a doença cardiovascular é muito prevalente em Portugal. Desta forma, muitos doentes já com doença cardíaca são diagnosticados com cancro. E a existência de factores de risco cardiovascular (como a hipertensão arterial, diabetes, obesidade) ou doença cardíaca aumentam o risco de desenvolver cardiotoxicidade.
Devido a esta complexidade surgiu uma área médica – a Cardio-Oncologia - com médicos dedicados ao acompanhamento cardiológico dos doentes com cancro. O objectivo é minimizar o risco de interrupção dos tratamentos oncológicos devido à ocorrência de problemas cardíacos e manter a saúde cardiovascular do doente o melhor possível.
Assim, os doentes são avaliados antes do início dos tratamentos para determinar o risco potencial de lesão cardíaca e desenvolver-se um plano de monitorização. Esta monitorização é feita com análises sanguíneas e com técnicas de imagem como o ecocardiograma. Pretende-se desta forma detectar precocemente qualquer alteração cardíaca e intervir precocemente de forma a proteger o coração sem comprometer o tratamento oncológico.
Um artigo da médica Andreia Magalhães, cardiologista e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
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