HealthNews (HN)- Em Portugal, o número de nova infeções por VIH é muito influenciado pelos casos diagnosticados na população imigrante. Sendo Portugal um país com forte fluxo de imigração, quais os principais problemas que identifica no acesso desta população aos cuidados de saúde?
Francisco Antunes (FA)- Em primeiro lugar, temos que conhecer a realidade da população imigrante em Portugal. Os censos de 2021 mostram que, nos últimos dez anos, o crescimento da população de imigrantes foi de cerca de 40%. Destes, pelo menos 50% estão concentrados na área metropolitana de Lisboa. Os imigrantes representam cerca de 5% da população residente em Portugal, tratando-se de um número bastante significativo. Mas de onde é que são estes imigrantes? De acordo com o último censo, cerca de 40% são da América Latina (resultantes da importância que tem o Brasil na imigração), seguindo-se o continente africano com cerca de 18% (muitos dos PALOP) e ultimamente tem-se verificado um aumento dos imigrantes asiáticos (devido ao crescimento da população oriunda da Índia, Nepal e Bangladesh). É por isso que, quando se aborda esta questão dos imigrantes, é preciso conhecer a sua origem, de forma a não cair na tentação de falar sobre o crescimento desta população de uma forma muito vaga.
Em segundo lugar, temos que conhecer a situação destes imigrantes em relação à infeção por VIH. Para isso temos de recorrer a dados da Direção-Geral da Saúde e do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge. Os imigrantes representam metade dos novos infetados com VIH, num total de 800 infeções. A população de imigrantes, em relação às novas infeções, é de longe mais afetada.
Por outro lado, é preciso salientar que nem tudo é mau e enquanto que a Europa tem uma discrepância muito grande em relação às medidas de rastreio e ao tratamento da infeção por VIH, a nível nacional não existe qualquer restrição no que toca a estas duas questões para imigrantes não legalizados. Apesar disso, vemos como esta população tem muitos problemas de acesso aos cuidados de saúde. Estas pessoas não têm informação que seja acessível sobre os riscos, os rastreios, os tratamentos e as formas de prevenção. O nosso sistema de saúde é muito burocratizado. Se os naturais do país já têm muita dificuldade em navegar no sistema, para este grupo essas barreiras são mais acentuadas.
HN- Muitas vezes vítimas de tráfico humano, os imigrantes têm um acesso dificultado aos serviços de saúde. Como é que esta realidade pode influenciar um aumento ou um descontrolo no número de novas infeções por VIH?
FA- Os imigrantes têm muitos problemas no que toca ao acesso à habitação, aos serviços de saúde mental e à sua legalização. Portanto, quando se aborda a questão do rastreio, da prevenção e do tratamento da infeção por VIH tem que se ter em consideração uma abordagem holística que envolva estes fatores psicossociais.
Em 2022, de acordo com os dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, em Portugal, apenas 16% dos imigrantes conhecia o seu estado em relação à infeção por VIH. Os dados também indicam que apenas 15% dos imigrantes usaram preservativo na última relação sexual e muito poucos tiveram acesso à PrEP.
Cerca de 60% dos novos diagnósticos, nesta população, são considerados tardios. O que é que isto significa? Significa que estas pessoas têm uma longa evolução de infeção por VIH. O problema é que, mesmo tratadas, têm maior risco de adoecerem. Por outro lado, o estarem um longo período de tempo infetados e não diagnosticados aumenta o risco de transmissão. Portanto, esta realidade tem impacto, não só do ponto de vista individual, mas também na saúde pública. Como é sabido, um indivíduo tratado e com carga viral indetectável tem praticamente risco zero de transmissão. Provavelmente isto explica que Portugal seja um dos países com maior incidência (de novos casos) de infeção no continente europeu.
HN- Perante os dados que apresentou, podemos afirmar que há um olhar negligenciado sobre a infeção da VIH na população imigrante?
FA- É um problema que não é conhecido. Por este motivo é que temos de começar a alertar para o impacto que a infeção de imigrantes pode ter na disseminação do VIH no nosso país. Temos que desmistificar isto. Entre 25 e 50% das novas infeções, em imigrantes, são adquiridas em Portugal. Portanto, eles não vêm infetados… Adquirem aqui a infeção. Há muito trabalho a fazer.
HN- Que tipo de medidas é que, do seu ponto de vista, devem ser adotadas?
FA- Uma das medidas é disponibilizar informação sobre a prevenção, o rastreio e os tratamentos. A mensagem deve ser passada através de meios acessíveis e em linguagem compreensível, tendo em consideração que os asiáticos agora constituem uma leva de imigração relevante. Para facilitar esta comunicação tem que haver envolvimento da comunidade.
Outra medida passa pela melhoria do acesso aos meios de prevenção, já que o número de imigrantes que utilizam a Profilaxia Pré-Exposição é muito residual. É necessário envolver a capilaridade de vários setores, como as farmácias, os centros de saúde e as associações de doentes. Isto tudo é fundamental. Como já disse anteriormente, entre 25 a 50% das novas infeções são adquiridas no país de acolhimento. Portanto, não basta rastrear na altura em que as pessoas entram no país. É preciso monitorizar e vigiar as novas infeções de uma forma não mandatória e punitiva, permitindo um acesso fácil, anónimo e confidencial aos testes de diagnóstico.
É também fundamental desburocratizar o acesso aos cuidados de saúde, de modo a agilizar os procedimentos de navegação do sistema. Temos um estudo que está a ser devolvido e que constata que é muito difícil estas pessoas terem acesso aos cuidados de saúde.
Em último lugar, é preciso que exista uma abordagem holística não só no que diz respeito ao tratamento da infeção por VIH, mas também visando outros fatores psicossociais, em particular àqueles fatores associados à pobreza e à dificuldade do acesso à habitação.
Em termos clínicos/terapêuticos como perspetiva o futuro da infeção por VIH/SIDA?
FA- Voltando ao início da nossa conversa há vários fatores que influenciam a infeção por VIH. Temos de reduzir o estigma associado à situação de contágio das doenças infeciosas, em particular destas patologias de transmissão sexual. Por outro lado, temos de mitigar as barreiras sociais de acesso aos cuidados de saúde. Para isso é preciso mais investimento e formação de pessoal qualificado.
No fundo, é preciso recolocar na agenda política a infeção por VIH e a SIDA.
HN- Uma nota final
FA- Para conseguirmos atingir os objetivos de diminuir a incidência da infeção por VIH é preciso olharmos para a população de imigrantes e reduzir o estigma e a discriminação
Entrevista de Vaishaly Camões
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