A votação foi nominal, um a um, por ordem alfabética, e os 230 deputados foram sendo chamados, por longos 30 minutos a dizer “sim” ou “não” pelo presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que elogiou “a elevação” com que decorreu o debate nessa tarde e que deixou os corredores muito vazios.
A meio da votação, que em alguns momentos decorreu num silêncio pouco habitual na sala de sessões de São Bento, as contas dos ficheiros Excel de assessores, políticos e jornalistas mostravam algum equilíbrio, mas nos minutos finais já se antecipava o resultado: o “chumbo”.
Quando Ferro anunciou o resultado, à direita do hemiciclo, onde se sentam PSD e CDS, ouviram-se palmas. Alguns deputados destas duas bancadas aplaudiram de pé. Houve uma alegria no ar.
À esquerda, os deputados socialistas e bloquistas - o PCP votou contra e não se manifestou – ficaram sentados nas suas cadeiras e em silêncio. Havia semblantes carregados, em especial entre os que mais defenderam a lei, como Isabel Moreira e Maria Antónia Almeida Santos (PS) ou José Manuel Pureza (BE). Os dois partidos prometiam voltar ao tema após as legislativas seguintes, em 2019. O PAN também.
Dos quatro projetos a votos, do BE, PAN, PS e PEV, foi o dos socialistas que teve a votação mais equilibrada: 100 votos a favor e 105 contra. A liberdade de voto nos dois maiores partidos, PS e PSD, baralhou as contas.
No momento de votar, BE, PAN (então só com um deputado), PEV e a maioria dos deputados do PS não foram suficientes para aprovar os projetos na generalidade, face a uma maioria que juntou grande parte dos parlamentares do PSD, o CDS, o PCP e dois deputados dos socialistas.
Era o final de uma tarde de debate que começou pouco depois das 15:00 em que se esgrimiram argumentos do alto da tribuna e nas perguntas e respostas a partir das bancadas, com alguma tensão pelo meio, mas sem incidentes.
O primeiro partido a apresentar o seu projeto, o PAN, argumentou que se trata de descriminalizar “um ato de pura bondade”, ajudando alguém a antecipar a sua morte.
"Agora é o tempo de os deputados assumirem as suas responsabilidades. Quem hoje defende que a discussão continua por fazer apenas está a esconder o seu verdadeiro objetivo: o de impedir que deixe de ser punível com pena de prisão o ato de ajudar a morrer um doente terminal envolvido no maior sofrimento", disse André Silva.
Pelo lado do “não”, a então presidente do CDS, Assunção Cristas, insistiu na oposição dos centristas à despenalização da eutanásia por “razões políticas muito sérias”, defendendo que os deputados não têm mandato para votar - argumento que é repetido em 2020.
“O que o parlamento se prepara para fazer é, porventura, prescrever uma lei nas costas dos portugueses. Os deputados têm legitimidade sim, mas não têm mandato para tratar de uma matéria tão delicada, tão sensível, tão importante para a sociedade quanto esta. Não foi tratado, debatido, aprofundado antes das eleições”, disse.
Mais um deputado, José Manuel Pureza, e mais alguns argumentos. O deputado bloquista definiu como “uma escolha sobre a liberdade” o voto a favor e contra a “prepotência de impor” um “modelo de fim de vida”.
Trata-se de escolher, acrescentou, entre a “prepotência de impor a todos um modelo de fim de vida que é uma violência insuportável para muitos” ou se vota pela "tolerância de não obrigar seja quem for a permitir ajudar a antecipar a morte àqueles para quem a continuação da vida e agonia se torna uma tortura”.
Pelo PS, a deputada Maria Antónia Almeida Santos defendeu o projeto de lei socialista, garantindo que responde às “reservas legítimas” quanto ao respeito da vontade do doente.
“A proposta do PS é inequívoca. Responde às reservas legítimas do respeito da vontade do doente. Garantimos que é apenas, repito apenas, atendível uma vontade atual e reiterada” de quem pede para antecipar a morte, disse.
Outra deputada, Isabel Moreira, socialista, fez um apelo para o momento da votação: “Que cada um decida a pensar em todos."
Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), afirmou que o seu projeto em nada contribui para desresponsabilizar o Estado relativamente à garantia de cuidados paliativos.
“Não é a despenalização da morte medicamente assistida, a pedido do doente e em casos extremos, que vai retirar um cêntimo que seja ao investimento nos cuidados paliativos”, disse.
E o PCP, partido de esquerda que votou contra e promete repetir, recusou a ideia de que o debate em torno da eutanásia seja uma discussão sobre a dignidade da vida ou da morte, mas insiste que a despenalização seria um passo no sentido do retrocesso civilizacional.
“A dignidade da vida não se assegura com a consagração legal do direito à antecipação da morte”, afirmou António Filipe.
No PSD, foi Fernando Negrão, o líder parlamentar, o porta-voz social-democrata no debate em que disse que a decisão sobre a despenalização da eutanásia deveria ser remetida para depois das eleições legislativas, afirmando que não se devem “apanhar os portugueses de surpresa”.
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