Segundo um comunicado divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a série de três artigos sobre o tema publicados pela revista científica britânica revela que a influência da indústria — que inclui ‘lobby’ contra medidas essenciais de apoio à amamentação — “compromete seriamente” a saúde e os direitos de mulheres e crianças, salientando também a necessidade de uma melhor proteção à maternidade.

“Esta nova investigação assinala o vasto poder económico e político das grandes empresas de leite em pó, bem como graves falhas de políticas públicas que impedem milhões de mulheres de amamentar os filhos”, diz o pediatra Nigel Rollins, da OMS e autor de um artigo sobre a comercialização do leite de fórmula, citado no comunicado.

“São necessárias ações em diferentes áreas da sociedade para melhor apoiar as mães a amamentar durante o tempo que quiserem, bem como esforços para corrigir o ‘marketing’ abusivo relativo ao leite artificial de uma vez por todas”, adianta.

Apenas cerca de um em cada dois recém-nascidos é amamentado na primeira hora de vida e menos de metade dos bebés com menos de seis meses são exclusivamente amamentados, como recomenda a OMS, apesar dos benefícios do leite materno.

Além de ajudar o bebé a sobreviver, fornecendo energia e nutrientes, o leite da mãe reduz os riscos de infeção e diminui as taxas de obesidade e de doenças crónicas na vida adulta.

Nesse sentido, o estudo recomenda um maior apoio ao aleitamento materno por parte dos sistemas de saúde e proteção social, incluindo a garantia de um pagamento adequado da licença de maternidade.

Indicando que 650 milhões de mulheres em todo o mundo não beneficiam de uma adequada proteção à maternidade, defende que esta seja alargada às que trabalham no setor informal e que estão excluídas desses benefícios.

Os especialistas consideram que a amamentação deveria ser uma “responsabilidade social coletiva” e não um “encargo” das mulheres, defendendo “ações mais vastas nos locais de trabalho, ao nível da saúde, por parte dos governos e das comunidades”.

Assinala-se, por outro lado, que “uma publicidade enganosa e a pressão estratégica exercida pelas indústrias de laticínios e fórmulas lácteas” aumentam a ansiedade dos pais em relação à amamentação.

Um dos artigos divulgados na Lancet documenta como a ansiedade dos pais é explorada através da sugestão de que “os produtos lácteos comerciais aliviam a agitação ou o choro, por exemplo”, ajudam a prevenir as cólicas ou a conseguir um sono noturno prolongado.

“A indústria de fórmulas lácteas utiliza uma pseudociência para sugerir (…) que os seus produtos constituem soluções para problemas comuns de saúde e de desenvolvimento infantil”, diz Linda Richter, investigadora da Universidade de Witwatersrand, África do Sul, citada no comunicado.

A académica assinala que aquela técnica de ‘marketing’ “viola claramente” o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno da OMS, de 1981, que indica que os rótulos não devem dar uma impressão falsamente positiva da utilização do produto para aumentar a sua venda, que atinge anualmente 55 mil milhões de dólares (51,2 mil milhões de euros).

O estudo explica também como o ‘marketing’ do leite em pó “explora a falta de apoio dos governos e da sociedade ao aleitamento materno”, apresentando o produto “como uma solução conveniente (…) para as mães que trabalham” e a defesa da amamentação como um julgamento moralista.

O poder desta indústria para influenciar as decisões políticas nacionais e interferir nos processos regulatórios internacionais passa pela criação de “uma rede de associações comerciais que não têm de prestar contas e por grupos de fachada que fazem ‘lobby’ contra medidas políticas para proteger a amamentação ou controlar a qualidade do leite de substituição”.

“Tendo em conta os imensos benefícios da amamentação para as suas famílias e para o desenvolvimento nacional, as mulheres que desejam amamentar precisam de ter muito mais apoio”, refere Rafael Pérez-Escamilla, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale.

O responsável considera fundamental, entre outros, aumentar a formação dos profissionais de saúde em amamentação – para um aconselhamento qualificado dos pais antes e depois do nascimento -, bem como tornar obrigatória uma licença de maternidade paga.