Porque surge a doença de Hunter?

Esta doença acontece devido a uma anomalia genética que implica disfunção na atividade de uma enzima lisossomal (mau funcionamento de um organelo chamado lisossoma, que se encontra em grande número dentro das nossas células e que é responsável pela degradação de substâncias complexas que já não estão em uso no nosso corpo, chamadas glicosaminoglicanos). A acumulação dos glicosaminoglicanos é progressiva e leva à deformação das células e aos sinais físicos, sensoriais e intelectuais que caraterizam a MPS II.

A enzima que está a funcionar mal na MPS II chama-se iduronato-2-sulfatase e o gene que possui a variante que dá origem a esta enzima chama-se IDS.

A Doença de Hunter é a mucopolissacaridose mais frequente em Portugal.

Como se transmite de pais para filhos?

Esta anomalia é transmitida de uma mãe com nenhum ou poucos sintomas para filhos do género masculino que apresentam os sintomas caraterísticos. A esta transmissão chama-se de autossómica ligada ao cromossoma X. Por este motivo se diz ser uma doença genética.

Como se manifesta, quais são as caraterísticas?

Existe uma grande variabilidade nas manifestações e na sua gravidade, mas  caracteristicamente trata-se de uma patologia degenerativa e progressiva.

Nas formas mais graves, as queixas aparecem mais cedo, em crianças muito jovens ou até ao nascimento. Nas formas mais ligeiras pode nunca ser feito o diagnóstico.

Sendo uma doença rara, pode acontecer que os médicos durante toda a sua prática clínica, nunca venham a observar nenhum destes doentes! Assim, pode levar alguns anos até que uma criança afetada, mesmo com queixas evidentes, saiba que tem MPS II.

Por outro lado, quem vê um caso, nuca mais o esquece. Isto porque o aspeto físico, da cabeça e até do corpo, é bastante evocativo.

Nas formas mais leves podemos apenas observar baixa estatura, problemas nas válvulas cardíacas ou nos ossos. Nas formas de apresentação na criança pequena realça-se o aspeto físico, com feições diferentes das dos pais, atraso de crescimento, problemas cardíacos, afetação óssea e da mobilidade articular, infeções das vias respiratórias com problemas do sono, aumento dos órgãos abdominais (fígado e baço), presença de hérnias, epilepsia e dificuldades de aprendizagem.

Como pode ser feito o diagnóstico?

Primeiro há que suspeitar que se está perante uma MPS II!

O diagnóstico completo é feito em Portugal, através do doseamento da enzima iduronato-2-sulfatase, do doseamento de glicosaminoglicanos na urina e através do achado de variantes genéticas causadoras de doença no gene IDS.

Está disponível no nosso país uma ferramenta muito útil no diagnóstico das MPS. Trata-se do projeto FIND, uma parceria entre a secção de Doenças Hereditárias do Metabolismo da Sociedade Portuguesa de Pediatria e o Instituto Ricardo Jorge. Assim, o médico pode fazer ao indivíduo suspeito uma colheita de sangue em cartão (semelhante à que é efetuada no rastreio neonatal), num kit enviado por correio, após solicitação ao endereço projeto.find@gmail.com. O teste é gratuito e muito simples de realizar e transportar.

O diagnóstico é muito importante a vários níveis: para a pessoa afetada receber melhores cuidados de saúde e para a família poder saber se tem outros elementos afetados ou fazer diagnóstico pré-natal em futuras gestações.

Existe tratamento?

Como se trata de uma doença que atinge vários órgãos no corpo, muitos dos sintomas podem ser melhorados com tratamentos médicos ou cirúrgicos. Por exemplo tratamento das otites com antibiótico, tratamento da epilepsia, correção cirúrgica das hérnias ou outros apoios de técnicos especializados como fisioterapia, ensino especial, etc.

Desde há alguns anos que está disponível em Portugal um tratamento endovenoso que fornece a enzima deficitária. Chama-se tratamento de substituição enzimática e é graciosamente aplicado no SNS, a nível hospitalar. Este tratamento permite atenuar muitos dos efeitos da doença, diminuindo a velocidade com que progride e é mais eficaz quando iniciado precocemente.

Um artigo da médica Paula Garcia, pediatra e presidente da Secção de Doenças Hereditárias do Metabolismo da Sociedade Portuguesa de Pediatria.