O que são as MPS?

As Mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo de doenças raras, genéticas, devidas á deficiência de uma das enzimas necessárias à degradação dos glicosaminoglicanos (GAG). Nas situações de normal metabolismo, essas enzimas lisossomais degradam estas macromoléculas em componentes mais pequenos, permitindo a sua assimilação pelo organismo. No entanto, quando o funcionamento das enzimas se encontra comprometido, os GAG acumulam-se nas células, conduzindo às manifestações da doença. Consoante a enzima afetada, distinguem-se vários tipos e subtipos de MPS. As MPS são doenças heterogéneas e o aparecimento dos primeiros sintomas pode ocorrer de forma muito variável, sendo frequentemente menos valorizados nos primeiros meses de vida. Contudo, à medida que o tempo passa e a doença progride, esses sinais e sintomas surgem e/ou agravam-se, comprometendo a qualidade e a esperança de vida dos doentes. Podemos assim sintetizar referindo que as MPS são doenças de sobrecarga lisossomal, multissistémicas e progressivas, hereditárias, com quadros de apresentação e gravidade muito variáveis, com envolvimento de diferentes órgãos e sistemas.

Que sinais são mais evidentes nas MPS?

Os primeiros sintomas são muitas vezes comuns e também usuais em outras doenças mais comuns da infância, o que pode dificultar e atrasar o seu diagnóstico. História de infeções recorrentes, como otites, problemas respiratórios, alterações de comportamento, registam-se com frequência e constituem sinais e sintomas destas doenças para os quais é urgente alertar. Estes sinais acompanham outros que se vão desenvolvendo e mais evidentes, incluindo anomalias esqueléticas, alterações ao nível das articulações, crescimento reduzido, características faciais específicas, problemas oftalmológicos e auditivos, manifestações cardiorrespiratórias, organomegalias (que consistem no aumento do volume de órgãos abdominais como o fígado e baço), distúrbios gastrointestinais, hérnias umbilicais/inguinais, compressão medular e de nervos periféricos ou deterioração cognitiva. O maior comprometimento neurológico ocorre na MPS III e em algumas formas graves de MPS I, II e VII. Para se diagnosticar atempadamente é preciso conhecer as manifestações clínicas usuais, estar alerta para esses sinais evocadores e saber referenciar em tempo adequado, para confirmação de um diagnóstico final.

Como é que a rápida progressão da patologia pode ser travada?

Quanto mais cedo a doença for identificada, mais cedo será possível diminuir a progressão da doença, com uma abordagem individualizada definida pela equipa multidisciplinar, com a instituição de terapêutica modificadora de evolução, que deve ser iniciada o mais precocemente possível de forma a garantir a melhor preservação de funções. 

Que peso tem um diagnóstico precoce e atempado na vida do doente?

O diagnóstico precoce é essencial na medida em que permite intervenção multidisciplinar e orientação terapêutica precoces, com adequada integração e participação do doente e família. Quanto mais cedo for diagnosticada, em princípio mais qualidade de vida terá o doente. E não só – vai permitir também precocemente intervir junto da família, numa atitude preventiva, com aconselhamento familiar adequado.

Que impacto é que as MPS podem ter nos cinco sentidos do ser humano e a consequente repercussão na qualidade de vida destes doentes?

As MPS têm diferentes apresentações clínicas e diferentes taxas de progressão entre os subtipos de MPS e até mesmo na mesma doença. Existem características clínicas partilhadas em maior ou menor extensão e todos estes envolvimentos traduzem-se também na alteração dos cinco sentidos e, consequentemente, na qualidade de vida e nas atividades diárias do doente, na sua integração e interação social. Problemas oculares como turvação da córnea e glaucoma, podem levar a um declínio progressivo da visão. A deterioração da audição devido a infeções recorrentes do trato respiratório superior, otite crónica e acumulação de GAGs em diferentes níveis (cóclea, nervo auditivo e tronco encefálico), geralmente levam a um quadro de perda auditiva, de tipo condutiva, neurossensorial ou mista. A deterioração do olfato e do paladar ou o prazer de comer podem ser prejudicados também devido à rinite crónica e à acumulação de GAGs ​​nos tecidos das vias aéreas superiores. A compressão da medula espinhal cervical e/ou de nervos periféricos (síndromes do túnel do carpo e cubital), os problemas das mãos e outras articulações como rigidez e/ou hipermobilidade e dor, podem prejudicar o toque e a importantíssima função das mãos e dos membros superiores. E naturalmente é compreensível para todos o enorme impacto destas alterações na vida do indivíduo, embora por outro lado pouca informação seriada exista que permita ter a real perceção destas alterações na qualidade de vida pessoal, na vivência real na perspetiva do doente/família.

Qual a importância de uma equipa multidisciplinar?

Sabendo do envolvimento multisistémico destas doenças, é essencial a existência de uma equipa multidisciplinar, devidamente coordenada, que reúna todas as diferentes especialidades médicas e cirúrgicas, essenciais ao doente com MPS, permitindo uma avaliação pormenorizada adequada. Só a confluência de informação especializada orientará a abordagem holística e individualizada do doente.

Qual é o principal desafio nas MPS?

O principal desafio destas doenças é, sem dúvida, o diagnóstico precoce. Dependendo do tipo de MPS, os doentes podem estar a perder, por exemplo, capacidades cognitivas caso a doença não seja identificada em tempo adequado. Por isso, é essencial rastrear estas patologias precocemente ou em população de risco partindo de sinais de alerta, precoces, que têm de ser do conhecimento da comunidade médica em geral. É essencial confirmar um diagnóstico antes que lesões irreversíveis se instalem, abrindo também caminho ao plano preventivo já apontado.

Qual é a esperança média de vida destes doentes?

A esperança média de vida diverge significativamente de tipo para tipo e na mesma doença de acordo com a gravidade e precocidade de manifestações clínicas e de acordo com abordagem. Classicamente e de acordo com a história natural de cada doença, os doentes com MPS apresentam uma morbilidade agravada e uma sobrevida diminuída. É referido que os doentes com a apresentação grave de MPS I (Síndrome de Hurler), raramente atingiam a segunda década de vida, enquanto que as formas atenuadas de MPS I (Síndrome de Scheie) podiam ter uma sobrevida até 5ª ou 6ª décadas de vida. E se de uma forma geral os doentes com MPS tipo III (Síndrome de Sanfilippo ) e de MPS II grave (Síndrome Hunter), raramente sobreviviam após a segunda década, os doentes com formas graves de Maroteaux-Lamy não costumavam atingir o início da idade adulta; mas  já a forma clássica de MPS IVA, Síndrome de Morquio, permitia uma sobrevida relativamente mais longa.  No entanto, hoje esta perspectiva está em parte alterada com a possibilidade de uma intervenção precoce.

Ao nível da investigação e desenvolvimento, o trabalho que tem vindo a ser feito é suficiente?

Apesar do caminho francamente inovador que se tem traçado, com franca expansão de vias de intervenção a diferentes níveis, naturalmente o que todos pretendemos é alargar o conhecimento global sobre estas patologias e da capacidade de abordagem dirigida, de forma a reparar o defeito inicial, genético, causal. 

Todos queremos perceber em toda a dimensão os mecanismos da doença, diagnosticar precocemente e termos a possibilidade de terapêuticas que possam impedir a progressão da doença, mesmo nos tecidos alvo de difícil acesso. Na verdade, todos esperamos uma terapêutica curativa.  Mas muitas outras áreas necessitam de ser mais esclarecidas, nomeadamente novos biomarcadores, e para além de outras, por exemplo, a avaliação continuada da perspetiva do doente na sua evolução com as diferentes abordagens instituídas, integrando conjuntamente a visão do clínico. Assim temos noção de que a comunidade científica em conjunto com associações de doentes, indústria, entidades legisladoras tem muito trabalho a realizar.  

Que perspetivas tem para o futuro?

Face ao trabalho cada vez mais integrador que tem vindo a ser produzido, nomeadamente com as redes de referência, numa visão europeia e mundial, as perspetivas são naturalmente positivas. De imediato há que ter a concretização de meios para diagnósticos e de intervenção precoces, consolidando a adequada participação do doente/família. Pretende-se uma abordagem individualizada / participativa que permita uma qualidade vida melhorada, e preservando saúde, enquanto se aguardam outras possibilidades terapêuticas. E falando de doenças raras, haverá necessidade de obter internacionalmente grandes volumes de dados, que devidamente processados, possibilitem/ orientem meios de investigação mais dirigidos, numa visão de medicina de  maior precisão.