SAPO: É possível conciliar a asma com uma vida desportiva?
Filipa Todo Bom: A ideia geral que prevalece é que mais vale não fazer nenhum exercício para não ter sintomas. No entanto, esta noção é errada e deve ser contrariada. O doente asmático pode e deve ter uma atividade desportiva semelhante à do não asmático, quer seja desporto escolar, apenas para diversão ou mesmo desporto de alta competição. De facto, existem vários atletas conhecidos que têm asma, o que não os impediu de ganhar medalhas olímpicas.
A asma é muitas vezes desencadeada pelo exercício físico, particularmente o exercício de alta intensidade, estimando-se que aproximadamente 90% dos asmáticos tenham sintomas com o esforço. Os sintomas de asma como a tosse, pieira, falta de ar ou sensação de aperto “no peito” podem surgir durante ou logo após o exercício. Em crianças e adolescentes, estes sintomas podem constituir a primeira manifestação da doença.
O importante é os asmáticos saberem o que têm de fazer para prevenir o aparecimento dos sintomas.
SAPO: Os atletas diagnosticados devem ter cuidados especiais?
Filipa Todo Bom: Para além da medicação correta, recomenda-se um período de aquecimento adequado (por exemplo, treino intervalado de alta intensidade, que eleve a frequência cardíaca para 60% a 80% do máximo, ou naqueles doentes que não toleram, um treino de intensidade moderada) antes de iniciar a atividade física, assim como exercícios de relaxamento no final.
Dentro de edifícios, os doentes devem ser encorajados a utilizar equipamentos de aquecimento e de cozinha, não poluentes, sempre em locais bem ventilados
É também essencial manter uma boa hidratação, e sempre que possível, tentar respirar pelo nariz e não pela boca, de modo a aquecer o ar que entra nos pulmões. Uma vez que o frio pode desencadear uma crise de asma, em dias mais frios, os asmáticos deverão treinar preferencialmente em local fechado, ou em alternativa, treinar com um cachecol ou lenço a cobrir a boca e nariz. Também devem ser evitados dias com elevadas concentrações de alergénios no ar ou elevados níveis de poluição.
Sabe-se que a frequência dos sintomas varia com as condições ambientais, o tipo de desporto praticado e a intensidade do exercício, sendo mais comuns em atividades com ar seco e frio (ex.: esqui alpino e patinagem no gelo), mas também em atividades de alta intensidade (ex.: corrida de fundo, ciclismo, futebol, basquetebol e rugby).
Assim, desportos em que se podem fazer pequenas pausas, como golfe, ténis, voleibol, caminhadas, luta livre e natação, poderão ser mais adequados. Dentro destes, a natação tem um papel particular, uma vez que permite treinar em ambientes quentes e húmidos e consequentemente menos propensos a induzir sintomas. No entanto, é importante referir que, para alguns doentes, os altos níveis de cloro podem ter um papel de irritante.
SAPO: O que é que os asmáticos devem privilegiar na alimentação?
Filipa Todo Bom: Recomenda-se uma alimentação equilibrada, à semelhança de outras doenças crónicas. Sabe-se hoje em dia que os componentes da dieta afetam o desenvolvimento e o equilíbrio do sistema imunológico, podendo deste modo ajudar a prevenir ou, por outro lado, potenciar o aparecimento de alergias.
Existem diversos estudos nesta área que parecem mostrar um efeito benéfico do consumo de frutas frescas e antioxidantes sobre a asma. Assim, a adesão a uma dieta mediterrânica, e portanto, rica em ácidos gordos não saturados, vitaminas e fibra, parece estar relacionada com a diminuição da incidência de asma e rinite alérgica, aumentando a possibilidade de um melhor controlo sobre esta doença. Assim, a intervenção dietética representa uma possível abordagem, que poderá contribuir com segurança para a prevenção de doenças alérgicas como a asma. No entanto, são necessários mais estudos.
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Por outro lado, sabe-se também, que o consumo de uma dieta mediterrânica, associado a um estilo de vida saudável, diminui o risco de obesidade, fortemente associada a um pior controlo da asma, pior qualidade de vida e maior utilização dos serviços de saúde.
SAPO: A poluição agrava a asma?
Filipa Todo Bom: Estão identificados vários fatores do meio ambiente que podem desencadear o aparecimento de sintomas em doentes suscetíveis, como por exemplo a exposição a alergénios inalados (como os ácaros, pólenes, epitélios de animais e fungos, entre outros), alergénios alimentares e alguns fármacos. Também outros fatores externos como a exposição a fumos, cheiros ativos, mudanças de temperatura e poluição podem desencadear sintomas de asma.
Relativamente à poluição ambiental, parece ser um dos responsáveis pelo aumento da incidência da asma nos últimos anos. Há também relatos de associação entre elevados níveis de poluentes químicos no ar e aumentos pontuais na morbilidade e mortalidade. Os doentes devem ser aconselhados a evitar realizar exercício físico intenso em ambientes muito poluídos. No entanto, quando a asma está bem controlada, não há necessidade de evitar ambientes exteriores desfavoráveis. Dentro de edifícios, os doentes devem ser encorajados a utilizar equipamentos de aquecimento e de cozinha, não poluentes, sempre em locais bem ventilados.
SAPO: Vai haver mais casos de asma no futuro?
Filipa Todo Bom: A asma é uma das doenças crónicas mais frequentes a nível mundial, afetando aproximadamente 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Vários estudos epidemiológicos mostram que o número de asmáticos tem vindo a aumentar gradualmente nos últimos anos, estimando-se que, em 2025, este número suba para cerca de 400 milhões.
Embora se saiba que a asma aumenta à medida que as comunidades adotam estilos de vida mais urbanizados e ocidentalizados, desconhece-se exatamente o porquê desta tendência crescente. Uma explicação possível é o maior reconhecimento dos sintomas de asma, pelos doentes e profissionais de saúde, o que conduz a um maior número de diagnósticos. Também se pensa que este aumento da prevalência possa estar associado com um aumento da atopia, como acontece com outras doenças alérgicas. Como referido, a poluição ambiental, pode ser um dos responsáveis pelo aumento dos casos de asma, havendo por exemplo estudos que mostram mais diagnósticos de asma em crianças que residem perto de zonas com muito tráfego.
Existe a ideia que asma e alergia são o mesmo, no entanto, são duas situações clínicas distintas. Existem doentes com antecedentes de alergia, que não têm asma e muitos doentes com asma que não apresentam qualquer evidência de alergia
SAPO: A doença é hereditária?
Filipa Todo Bom: A asma é uma doença complexa que se caracteriza pela sua heterogeneidade. Tem na sua patogénese diferentes mecanismos que vão condicionar a existência de subgrupos de asma distintos, com evolução e resposta à terapêutica diferentes. Desde há muitos anos é reconhecido o papel dos genes no aparecimento de asma, tendo sido já identificados dezenas de genes que interagem entre si e com o meio ambiente, determinando deste modo não apenas o risco de ter asma, mas também a sua evolução. Por exemplo, um indivíduo suscetível pode desenvolver asma num determinado ambiente, mas não noutro ambiente diferente.
Sabe-se que os filhos de mães asmáticas têm um risco aproximadamente três vezes superior de também ter asma. No entanto, este risco é muito influenciado pelo meio ambiente em que cresce a criança, sendo que, por exemplo, em meios rurais este risco é menor.
É importante reconhecer outros fatores potencialmente implicados no aumento da prevalência da asma e que podem ser prevenidos. O principal exemplo é o tabagismo (materno durante a gravidez, parental durante a infância e ativo pelos adolescentes ou adultos jovens), que aumenta por um lado a probabilidade de ter asma, mas por outro lado pode diminuir a resposta à terapêutica.
SAPO: A asma pode ser agravada pelas alergias?
Filipa Todo Bom: Existe a ideia que asma e alergia são o mesmo, no entanto, são duas situações clínicas distintas. Existem doentes com antecedentes de alergia, que não têm asma e muitos doentes com asma que não apresentam qualquer evidência de alergia.
De entre os vários subgrupos de doentes asmáticos existe um, geralmente, com início dos sintomas respiratórios na infância, em que está presente uma história familiar ou pessoal de alergia (como rinossinusite alérgica, eczema atópico, alergia alimentar ou farmacológica). É um subgrupo de doentes que geralmente responde bem à terapêutica de manutenção com corticosteroides inalados e a quem pode ser proposto um tratamento adicional, a imunoterapia específica (vacinas antialérgicas). Estas têm como objetivo dessensibilizar o doente em relação ao alergénio que provoca a alergia, indicada nos casos em que há uma clara relação entre os sintomas e a exposição ao alergénio.
Nestes doentes ainda são controversas as medidas de controlo ambiental e evicção de alergénios, nomeadamente os ácaros, utilizando medidas físicas (coberturas anti ácaros, lavagens frequentes a elevadas temperaturas, níveis de ventilação e aquecimento adequados, utilização de filtros de ar) ou químicas (acaricidas).
A identificação e tratamento das patologias alérgicas associadas à asma, em particular a rinossinusite é essencial, visto poderem contribuir para um mau controlo da doença, com redução da qualidade de vida do doente.
SAPO: Nascer com asma significa viver com a doença para sempre?
Filipa Todo Bom: A asma é uma doença inflamatória crónica das vias áreas que não tem cura. Contudo, é possível controlar a doença, de forma a melhorar a qualidade de vida do doente. O facto de, com a terapêutica adequada, o doente com asma poder passar longos períodos (que variam de dias a meses) sem qualquer sintoma, poderá levar alguns doentes a pensar que estão curados. No entanto, a inflamação permanece mesmo quando não há sintomas.
SAPO: É possível atenuar os sintomas totalmente?
Filipa Todo Bom: A asma é uma doença inflamatória e se conseguirmos controlar a inflamação e a consequente obstrução das vias aéreas é possível que o doente não apresente sintomas. Para tal, existe a chamada terapêutica de manutenção (geralmente por via inalada), que o doente deve fazer diariamente de acordo com a indicação do médico, e a terapêutica de alívio, utilizada apenas nas exacerbações. É importante referir que, se não forem corretamente utilizados, estes dispositivos não serão eficazes, sendo assim essencial que o doente aprenda a técnica inalatória correta, não tendo medo de fazer os seus inaladores. Ainda existe o mito de que “as bombas fazem mal ao coração”, o que não é verdade. Desde que o doente cumpra as indicações do médico, os inaladores são geralmente bem tolerados e sem riscos.
Este tipo de tratamento de manutenção, com corticosteroides inalados, antagonistas dos leucotrienos e broncodilatadores, tem apenas como objetivo controlar a doença, não interferindo com a sua história natural. Existem atualmente fármacos, e estão outros em estudo, que vão exercer a sua ação a nível molecular, de acordo com as características individuais de cada doente.
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