As doenças reumáticas (DR) afetam cerca de 50% da população portuguesa, prejudicando a qualidade de vida de miúdos e graúdos. Com a correria do dia a dia, a maioria “empurra com a barriga” decisões importantes.

Ao “dói-me as costas”, passando por um “não aguento as dores na anca ou no ombro”, a resposta, muitas vezes, surge como um reflexo do avançar da idade e um “não há nada a fazer”, ou associam-nas ao reumatismo, desconhecendo que este termo não existe. “Nada mais falso. O reumatologista tem sempre uma alternativa e a ciência está sempre a trazer novos avanços e respostas para questões antigas”, começa por afirmar António Vilar, presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), organização científica que lançou recentemente uma campanha que tem como objetivo sensibilizar a população para a importância de recorrer ao reumatologista para tratar enfermidades “que afetam o nosso aparelho locomotor, aquilo que nos faz andar, mexer gesticular”.

Para que isto aconteça, torna-se imperativo que o clínico geral reencaminhe mais os doentes para esta especialidade. “Apesar de haver serviços e unidades hospitalares desde Bragança a Faro, grandes áreas do País, como o Alentejo, estão sem reumatologia… Só 18 dos 129 hospitais do SNS têm reumatologistas. Grandes hospitais no Porto, em Sintra no Alto e Baixo Alentejo continuam a aguardar que as respetivas administrações abram vagas para os mais de 200 especialistas que se concentram (como a restante população) no litoral e em grandes cidades”, alerta António Vilar.

Há crianças que nascem com doença reumática, que pode deixar sequelas quando não tratadas. Nove em cada dez doentes queixam-se de dores nas articulações.

Diagnóstico nas crianças

Os pais devem procurar ajuda de um reumatologista quando reparam, ou são informados pela educadora ou pelo professor, que a criança deixou de brincar ou de correr, que coxeia ou se defende em certos movimentos. “Na artrite, quer da criança ou do adulto, o diagnóstico precoce é decisivo. Modificar a doença no primeiro ano, mesmo agressivamente para obter remissão, é hoje garantia de uma vida sem sintomas ou restrições e, particularmente, nas crianças em que a doença se extingue na adolescência, significa, em muitas delas, não ter sequelas, deformações ou atrasos de crescimento.”

António Vilar, Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia
António Vilar, Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia António Vilar, médico reumatologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia

Quando procurar ajuda?

Entendidas como patologias e alterações funcionais do sistema musculoesquelético de causa não traumática, as DR constituem um grupo com mais de 100 doenças, muito diferentes nas manifestações, na gravidade, no prognóstico e no tratamento. “Embora nove em cada dez doentes se queixem de dores nas articulações, nos músculos, nos tendões ou na coluna, algumas DR também se manifestam noutros órgãos ou sistemas. Pele, coração, pulmões, rins, estômago e intestinos, cérebro, fígado, aparelho circulatório e sistema nervoso podem ser atingidos com gravidade variável, chegando a pôr a vida em risco”, explica o especialista, adiantando que é necessário procurar um reumatologista sempre “que uma dor nos limita os movimentos, incapacita e persiste por dias ou semanas, sem resposta à medicação sintomática do médico de família”. Os adultos jovens também devem ser consultados quando a dor “é acompanhada de inchaço e calor articular”.

Artrose e osteoporose

A esta altura já deve estar a pensar na tal dor do joelho ou nos dedos que lhe afeta alguns movimentos. Agora multiplique o grau dessa dor, que é diária, e a incapacita para executar simples tarefas como vestir-se, comer ou apenas mexer-se. “Nas mulheres (grupo com maior prevalência) é a artrite reumatoide a potencialmente mais invalidante, a fibromialgia a mais perturbadora, e na idosa a artrose e a osteoporose são as mais frequentes. Todas tratáveis!”, frisa António Vilar, adiantando que a DR “mais frequente em todo o mundo é a artrose, que tem como fator de risco a idade pelo que se vivermos o suficiente, todos a teremos. Prevalente e também determinada pelo avançar da idade, a osteoporose, com as consequentes fraturas, provoca incapacidade, dor crónica e, por vezes, mortalidade”. Estas enfermidades são muitas vezes desvalorizadas porque se traduzem na dor, algo que não se vê. No entanto, são as que mais afetam a qualidade de vida dos portugueses e têm um forte impacto impacto social e no trabalho, levando ao absentismo frequente e a ser consideradas a primeira causa de reformas em Portugal. Mas engana-se se julga que estas doenças são apenas um mal que atinge só os idosos. “Há crianças que nascem já com doença reumática, havendo reumatismos infantis de gravidade variável, mas que podem deixar sequelas definitivas”, afirma o reumatologista, referindo também que um em cada três portugueses tem uma dor lombar ao longo da vida. “Na adolescência e no adulto jovem é frequente o ombro doloroso e a inflamação dos tendões de causa traumática ou profissional, nos adultos surgem as artrites. Já nos idosos, a artrose e a osteoporose tornaram-se a primeira causa de consulta acima dos 50 anos junto dos colegas da clínica geral”. A pandemia veio atrasar o diagnóstico precoce de algumas destas doenças, dificultar o acesso ao reumatologista, agravando casos já diagnosticados. Mas é hora de agir!

Frio versus calor

Uma das questões que os pacientes mais colocam ao reumatologista é se o frio e a humidade fazem mal ou se o calor e o sol são benéficos. “Se assim fosse os esquimós e os pescadores teriam mais DR do que os que vivem nos trópicos e no deserto. Não é assim. O frio pode ser útil no alívio temporário da dor nas artrites e catastrófico na doença de Raynaud (problema na circulação). Tal como o sol é benéfico para a síntese da vitamina D, mas pode ser fatal para os doentes com lúpus”.