“Temos doentes mais velhos”, com várias doenças, “mais dependentes”, o que leva a uma maior necessidade de médicos e sobretudo de enfermeiros porque estas pessoas vão ter necessidade de um cuidado mais direto, disse Nuno Miranda em entrevista à agência Lusa a propósito do Dia Mundial do Cancro, que se assinala na segunda-feira.

“Havia doentes com os quais tínhamos uma abordagem meramente paliativa, às vezes pela idade ou por outra patologia existente. Hoje em dia temos tratamentos compatíveis de realizar em pessoas muito mais complicadas, mais difíceis”, explicou, sublinhando que estas situações implicam ter mais profissionais de saúde.

Outro dos problemas apontados pelo oncologista prende-se com o lado social dos doentes. “É cada vez mais frequente depararmo-nos com pessoas que vivem isoladas, com poucos apoios sociais, sendo esse um desafio para o qual nós temos particularmente poucas armas e temos pouca capacidade de resposta”.

Nuno Miranda defendeu que é preciso pensar nestes doentes que ora são oriundos de “famílias mais pequenas” ou estão mesmo sozinhos.

O oncologista lembra que mesmo que apareçam “comprimidos milagrosos” será sempre preciso garantir que haja quem olhe por estas pessoas: “Daqui a uns anos, se calhar vai ser mais complicado assegurar que a pessoa tem uma refeição e que a vai comer ou que tem alguém que lha dê em casa” do que ter um tratamento.

O aumento da sobrevivência também faz com que haja mais pessoas sozinhas, uma situação agravada com a emigração durante os anos da crise em que “saíram pessoas já com alguma idade e que muitas vezes faziam o apoio de parte desta população mais velha”.

Mas este “não é um problema da oncologia, é um problema da sociedade e de toda a medicina”.

Para responder a estas situações, é necessária uma “maior capacidade para resposta em ambulatório e ao domicílio” e, eventualmente, poderá haver nos próximos anos “evoluções significativas com tecnologias do tipo da inteligência artificial”.

Questionado sobre a saída de profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o especialista afirmou que é um problema que se “gere com dificuldade e muito empenhamento de cada uma das pessoas”.

“O problema vai-se avolumando e não imagino que vá diminuir”, disse, sublinhando que a necessidade destes profissionais vai ser cada vez maior para responder às necessidades dos doentes.

“Hoje em dia há uma necessidade de informação por parte do doente muito maior do que acontecia há dez anos. Temos que ser mais capazes de dar informação adequada aos doentes sobre a doença e os tratamentos que estão a fazer e isso é importante mesmo na adesão dos doentes ao tratamento e a monitorizar efeitos secundários, etc”, sustentou.

Na entrevista, Nuno Miranda falou também sobre os medicamentos inovadores, sublinhando que representam “uma grande despesa” para o SNS, tendo sido o aumento anual superior a 10% nos últimos anos.

O especialista diz que por brincadeira os medicamentos distinguem-se entre os que são inovação e os que são novidade e é necessária “muita investigação científica para distinguir o trigo do joio”.

“Há muitas vezes pressa em colocar alguns medicamentos no mercado que são pouco estudados e, algumas vezes, a prática clínica tem vindo a demonstrar-nos que as promessas que estes medicamentos tinham afinal não são tão reais assim, ou que a toxicidade que tinham é maior daquela que estávamos à espera”, frisou.

Mas, para isso, existem as autoridades regulamentares, as comissões de farmácia de cada hospital e os profissionais que “têm a obrigação de ter uma visão crítica em relação a estes medicamentos e não embarcar ou não aceitar como verdade absoluta aquilo que vem, muitas vezes, de estudos incompletos”.

“Começou-se a espalhar quase um mito de que existe um medicamento para cada doença, não é verdade, há muita coisa que não sabemos tratar, e as pessoas têm que perceber isto”, disse.

Mas com “todas as notícias, todas as curas milagrosas que são anunciadas, as pessoas ficam a pensar” que há medicamentos que lhes estão a esconder'”.

“Existe quase uma teoria da conspiração, que haverá medicamentos” que não estão a ser fornecidos, mas isso não é verdade.

“Portugal não tem atraso em relação a esse tipo de medicamentos, porque mesmo quando ainda não estão aprovados legalmente, existem formas de acesso mais precoce, que têm permitido que os nossos doentes tenham tido acesso a este tipo de medicamentos”, frisou.