O dia 30 de setembro marca o Dia Mundial do Cancro Digestivo. Dentro deste grupo heterogéneo de tumores, destaco os cinco órgãos digestivos a que chamamos de “Big Five”. Aqui incluem-se, por ordem decrescente de incidência, as neoplasias malignas do cólon e reto, estômago, pâncreas, fígado e esófago. Segundo os dados da Globocan, a incidência destes tumores tem aumentado ao longo dos últimos anos. Em 2020, foram diagnosticados 17475 tumores, tendo causado a morte a 10528 portugueses. No seu conjunto, estes tumores causam mais de uma morte por hora (29 mortes/dia).
A sua etiologia é multifatorial. A obesidade, o consumo de álcool e tabaco são fatores de risco modificáveis comuns a este grupo de tumores, enquanto a infeção por helicobacter pylori ou a cirrose do fígado são fatores de risco específicos para o cancro do estômago e do fígado, respetivamente. Em todos eles o impacto da carga genética/história familiar é também muito importante.
O prognóstico destas doenças é muito variável. O cancro do cólon e reto (CCR) é o menos agressivo, mas ainda assim o estadio em que é diagnosticado é um fator determinante no prognóstico. Infelizmente, estas doenças são, na maioria dos casos, silenciosas, provocando sintomas apenas em fases avançadas. Por este motivo, o rastreio e o diagnóstico precoce são fundamentais para um tratamento atempado, permitindo obter maiores taxas de cura, melhorar o prognóstico e aumentar a sobrevida.
O diagnóstico dos tumores do tubo digestivo é realizado por endoscopia digestiva alta (esófago e estômago) e por colonoscopia (cólon e reto). As glândulas anexas (fígado e pâncreas) são menos acessíveis e é necessário recorrer a exames imagiológicos para o seu diagnóstico (tomografia computorizada ou ressonância magnética).
O rastreio do cancro do CCR está indicado em qualquer pessoa com mais de 50 anos através da pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) ou, preferencialmente, através da colonoscopia. No caso do cancro do fígado, deve ser realizada ecografia semestral em doentes com cirrose hepática e alguns doentes com hepatite B crónica.
Durante a pandemia COVID-19, o acesso aos cuidados de saúde foi limitado e houve uma redução drástica da atividade endoscópica com necessidade de priorizar e protelar exames. Assim, embora saibamos que houve uma diminuição de exames endoscópicos e imagiológicos que possibilitam o rastreio e diagnóstico deste grupo de doenças, o verdadeiro impacto desta mudança é, atualmente, difícil de quantificar. Visando uma inversão da tendência para aumento da mortalidade, sobretudo no caso do CCR, prevê-se que seja necessário um acesso alargado a estes exames durante os próximos anos.
O CCR constitui um exemplo paradigmático da importância do rastreio. A colonoscopia permite, não só detetar lesões malignas numa fase inicial, mas também identificar lesões pré-malignas (pólipos e lesões planas) que podem ser removidas durante o próprio exame, contribuindo assim para a redução do risco futuro de CCR, bem como do risco de morte e de cirurgia.
Contudo, sabemos que a colonoscopia não é 100% eficaz uma vez que pode “falhar” lesões. É um exame dependente do operador e existem limitações, como a qualidade da preparação intestinal e locais de difícil acesso endoscópio que dificultam a identificação de algumas lesões. Recentemente, surgiram equipamentos que recorrem à tecnologia de Inteligência Artificial (IA) que contribuem para a deteção de lesões e para a sua caracterização. Estes dispositivos podem levar a um aumento da capacidade de deteção de lesões numa colonoscopia em 44%, segundo uma análise que combinou os resultados de 5 grandes ensaios clínicos realizados nos últimos dois anos.
Os gastrenterologistas têm como principal missão contribuir para a Saúde Digestiva dos Portugueses. Neste sentido, estamos unidos no esforço para reduzir o peso deste grupo de tumores, através da melhoria no acesso e no empenho para a melhoria da qualidade e da eficácia dos procedimentos endoscópicos.
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