O cancro digestivo mata cerca de 30 portugueses por dia (mais de 10.000/ano) e pode subdividir-se em várias tipologias. O cancro do cólon e do reto, por exemplo, é a primeira causa de morte por cancro em Portugal, com uma incidência de cerca de sete mil novos casos por ano e um registo de quatro mil mortes anuais.
Já um dos tipos de cancro digestivo que tem vindo a registar um forte acréscimo em termos de mortalidade é o cancro do pâncreas, com 1 500 novos casos por ano, e "cujos sintomas são por vezes desprezados": dores no estômago, dores nas costas, icterícia. Este tumor é mais resistente que outros tipos de cancro aos tratamentos e em 2020 será a segunda causa de morte por cancro no mundo segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O cancro do esófago é atualmente o oitavo cancro com maior incidência mundial, sendo que a sua taxa de incidência tem vindo a aumentar como consequência do aumento da prevalência dos fatores de risco mais importantes – obesidade e refluxo gastro-esofágico. Com o cancro do estômago, Portugal conta com o maior número de mortes por cancro da União Europeia e é o sexto país a nível mundial.
Por último, o Cancro do Fígado é a quinta causa de morte em Portugal em idades inferiores aos 70 anos. As principais causas são o Álcool, Hepatites C e B e a obesidade.
Por que se morre tanto de cancro digestivo em Portugal? A realidade é semelhante lá fora?
Os cancros digestivos (esófago, estômago, pâncreas, cólon e reto, fígado), quando considerados em conjunto, são dos mais prevalentes tanto em Portugal como nos outros países. Existem depois diferenças geográficas se considerarmos cada um destes tumores separadamente. Assim, se considerarmos o cancro do cólon e reto, a prevalência é mais elevada nos países ocidentais e desenvolvidos onde Portugal se situa, embora a prevalência seja ainda mais elevada em países como os Estados Unidos ou Austrália. Em relação ao cancro gástrico é mais prevalente no Oriente – Japão, China mas também em países sub desenvolvidos da América do Sul – Colômbia.
Na Europa, temos países com elevada prevalência, nomeadamente na Europa de leste e Portugal. Em relação ao cancro do esófago temos duas variantes – o tipo espino celular classicamente associado a um consumo excessivo de álcool e tabaco e este com tendência a decrescer e o tipo adenocarcinoma associado a doença de refluxo gastro esofágico, por sua vez associado a um excesso de peso ou mesmo obesidade cada vez mais prevalente no mundo ocidental.
Finalmente o cancro do pâncreas cujas incidências parecem aumentar sobretudo nos países desenvolvidos do mundo ocidental. O cancro do fígado está muito ligado à existência de uma doença cró nica do fígado – cirrose hepática.
Quais são os principais fatores de risco da doença?
Para o tumor do esófago, tipo espino celular, os principais fatores de risco são o tabaco e álcool em excesso. Existem alguns casos associados à infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV), para o qual já existe vacina.
Para o tumor do esófago, variante adenocarcinoma, o principal fator de risco é o refluxo gastro esofágico, patologia extremamente frequente, chega a atingir 25% da população em geral.
Para o cancro do estômago, o principal fator de risco é a infeção pelo Helicobacter pylori, razão pela qual, está cada vez mais recomendada a erradicação da mesma.
No cancro gástrico, está também demonstrado que uma alimentação rica em sal e pobre em frutos e legumes possa também predispor para o aparecimento desta neoplasia. Para o cancro do pâncreas, o consumo de álcool, tabaco, diabetes mellitus e uma história familiar positiva são os principais fatores de risco.
De notar que o excesso de peso e obesidade, aliados à falta de exercício físico, constituem fatores de risco para algumas destas neoplasias nomeadamente, esófago distal, pâncreas, cólon e reto e talvez o estômago. Para o cancro do fígado o principal fator de risco continua a ser o consumo crónico e excessivo de álcool, logo seguido das infeções crónicas pelo vírus C e B. De notar que também aqui, o excesso de peso e a obesidade podem originar cirroses hepáticas de difícil controlo.
É possível prevenir o cancro digestivo?
A forma mais eficaz de prevenir estas neoplasias será contrariar os fatores de risco já descritos. Assim, um estilo de vida saudável, com alimentação equilibrada, combatendo o excesso de peso, aliado sempre que possível a uma atividade física regular, constituem uma estratégia preventiva eficaz contra muitas doenças como as doenças cardio e cérebro vasculares e também muitas neoplasias digestivas.
Controlar o consumo de álcool é também uma medida preventiva importante. É também importante falarmos dos programas de rastreio – apenas validados para o cancro do cólon e reto. Para as neoplasias do tubo digestivo alto, estômago e pâncreas não estão recomendados programas de rastreio, mas é importante médico e doente estarem alerta os sintomas – enfartamento, dores abdominais, perda de peso - de forma a que o diagnóstico seja feito numa fase precoce da doença.
O prognóstico da doença é muito variado?
É bastante diferente para as várias neoplasias, dependendo sobretudo do estadio em que a neoplasia é diagnosticada. É mais favorável para as neoplasias do cólon e reto, seguidas do estômago ou esófago distal e muito menos favorável para as neoplasias do esófago e do pâncreas. Mas, volto a frisar, que este prognóstico está muito dependente do estadio da neoplasia. Para estádios precoces, o prognóstico é sempre muito mais favorável do que para estádios avançados.
Existem tratamentos eficazes?
Sim. O único tratamento curativo para o cancro digestivo é a cirurgia. Porém, para a grande maioria dos tumores digestivos, com a exceção do cólon, os resultados da cirurgia podem muitas vezes serem melhorados com a realização de quimioterapia e/ ou radioterapia antes da cirurgia.
As realizações destas terapêuticas podem também estar recomendada depois da cirurgia, para consolidar o tratamento.
Apesar destas serem as terapêuticas clássicas para tratar o cancro digestivo, existem muitas outras como sejam as terapêuticas endoscópicas no estadios muito precoces, as terapêuticas ligadas à radiologia de intervenção, muito utilizadas no tratamento dos cancros do fígado ou em metástases hepáticas, técnicas inovadoras de radioterapia – como o SBRT, entre outras.
Daqui ressalta que a discussão da doença oncológica deve ser multidisciplinar desde o início. Desde a abordagem diagnóstica até à decisão terapêutica – qual a melhor abordagem que permita a melhor taxa de curabilidade com a maior preservação de qualidade de vida para o doente, com menores riscos e maior ganho tanto em sobrevida livre de doença como em qualidade de vida. Só assim conseguiremos vencer esta doença.
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