Healthnews (HN) De acordo com o estudo “A Saúde dos Portugueses: Um BI em Nome Próprio” qual foi a evolução da perceção da qualidade dos serviços de saúde em Portugal entre 2021 e 2024, especialmente no setor público?
Maria do Carmo Silveira (MCS) – O estudo “A Saúde dos Portugueses: Um BI em Nome Próprio” do Projeto Saúdes (apoiado pela Médis, marca do Grupo Ageas Portugal), revela que a maioria dos portugueses (53%) considera a qualidade dos serviços de saúde, tanto públicos como privados, como sendo ‘elevada’ ou ‘muito elevada’. É uma avaliação que demonstra uma visão bastante positiva do sistema de saúde no geral. Observamos, ainda, na amostra deste estudo, uma ligeira melhoria nesta perceção face a 2021, com a avaliação média da qualidade a subir de 7 para 7,3 numa escala de 1 a 10.
O setor público destaca-se como o principal impulsionador desta evolução: 19% dos portugueses que utilizam, principal ou exclusivamente, o sistema público de saúde afirmam ter notado uma melhoria no acompanhamento. Em 2021, apenas 10% dos mesmos utilizadores tinham essa opinião.
HN – O estudo aponta diferenças regionais significativas nos indicadores de avaliação dos serviços de saúde. Qual é a região que mais se destaca positivamente e qual a que apresenta os piores resultados?
MCS – De acordo com o estudo do Projeto Saúdes, da Médis, a região do Grande Porto destaca-se pela positiva. Os residentes desta zona do País demonstram maior satisfação com os serviços de saúde e maior confiança na capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Em contraste, o Algarve apresenta os resultados mais preocupantes. Os residentes desta região reportam uma degradação significativa no acompanhamento em saúde, com uma redução de 25% na satisfação em relação a este aspeto. Adicionalmente, o Algarve apresenta pontuações abaixo da média nacional em todos os indicadores de avaliação dos serviços de saúde considerados pelo estudo.
HN – Qual é a diferença na confiança no SNS entre os cidadãos que efetivamente utilizam os serviços públicos de saúde e os que recorrem mais ao privado? A que se deve essa diferença?
MCS – Neste estudo, a qualidade dos recursos humanos e materiais do SNS sai bastante reconhecida, com 52% dos inquiridos que utilizam o SNS como principal forma de acesso a cuidados de saúde a indicarem uma confiança ‘elevada’ ou ‘muito elevada’ no sistema público.
Curiosamente, mesmo entre os portugueses que recorrem com maior frequência a serviços de saúde privados, verificamos que 33% confiam bastante no SNS.
O conjunto dos dois dados sugere que a perceção da qualidade do SNS permanece, genericamente, positiva. Mas sobre isto, e porque este estudo tem como ângulo captar aquele que é o sentimento do cidadão, importa destacar que estamos a falar de perceções, por natureza subjetivas e sujeitas a influências externas e culturais.
Mais, a comparação simplista entre o setor público e o privado, como sendo opostos, não reflete a complexidade e complementaridade do sistema de saúde. Os vários sistemas (público, privado e, também, social) não são rivais. Desempenham papéis complementares, sendo – todos – essenciais para garantir um sistema de saúde eficaz, sustentável e acessível a todos os cidadãos.
HN – O aumento na contratação de seguros e planos de saúde privados pelos portugueses parece indicar alguma insuficiência na resposta do SNS. Que percentagem da população não tem hoje qualquer cobertura além do SNS?
MCS – O estudo da Médis revela que, atualmente, 25% da população portuguesa (1 em cada 4 cidadãos) depende exclusivamente do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ou seja, não tem qualquer cobertura adicional de seguros, planos ou subsistemas privados de saúde. Este número representa uma diminuição significativa em comparação com 2021, quando 36% dos portugueses não possuíam qualquer cobertura adicional para além do SNS.
Tem havido nos últimos anos, é público, uma procura crescente de seguros e planos de saúde, impulsionada, em parte, pela perceção de que o SNS enfrenta desafios. Esta sensação intensificou-se no período pós-pandemia, pelo natural desgaste a que o SNS foi sujeito. No entanto, não deixa de ser interessante notar que esta procura por seguros privados é, na nossa amostra, mais acentuada entre os jovens, o grupo etário que, paradoxalmente, menos utiliza o sistema público de saúde.
HN – Em que especialidades médicas os cidadãos gostariam de ter mais ou melhor acompanhamento atualmente, de acordo com o estudo? Estes dados refletem mudanças na forma como as pessoas encaram a saúde?
MCS – O estudo da Médis revela uma crescente procura por especialidades médicas que vão além dos cuidados de saúde tradicionais, indicando uma mudança de paradigma na forma como os portugueses encaram a sua saúde e bem-estar.
Em 2024, as três especialidades médicas com maior procura são: Medicina Dentária (42%), mantendo a liderança em relação a 2021; Saúde Mental (39%), com um aumento significativo na procura (+20% em relação a 2021); e Nutrição (31%), com um crescimento significativo (+10% em relação a 2021).
Para além destas três áreas, o estudo destaca o crescimento da procura por especialidades como medicina do sono, medicina integrativa/antiaging, dermatologia e medicina do trabalho. Esta tendência reforça a ideia de que os portugueses estão a adotar uma abordagem mais holística e preventiva em relação à saúde, procurando cuidados que abrangem não apenas a vertente física, mas também a mental e social.
HN – Apesar da boa autoavaliação da saúde mental em geral, o estudo aponta sinais preocupantes em relação aos jovens. Que dados revelam um aumento de transtornos mentais nessa faixa etária entre 2021 e 2024?
MCS – Na verdade, os dados do estudo chamam a atenção para a saúde mental dos portugueses no geral: 36% dos inquiridos indica ter tido um problema de saúde mental nos últimos dois anos. Contudo, o alerta é ainda maior nos jovens: 18% dos que têm entre 18 e 24 anos afirmam ter uma doença mental diagnosticada.
O que o estudo também questiona e convida a refletir, é se este dado indica, de per si, uma maior prevalência nesta faixa etária ou, também uma possibilidade a equacionar, essa maior incidência é fruto de ser uma geração mais atenta, desperta e conhecedora do tema, logo, com maior capacidade de autodiagnóstico. A resposta exige, por certo, uma análise mais aprofundada sobre a saúde mental dos jovens em Portugal.
HN – Quais são os dois grandes temas que, segundo o estudo, mais estão a interferir negativamente na saúde mental dos portugueses atualmente?
MCS – Neste estudo do Projeto Saúdes, que a Médis apoiou, há dois temas que são destacados como fatores determinantes no atual estado da saúde mental dos portugueses: finanças e trabalho.
Instabilidade Financeira: as dificuldades financeiras também representam um desafio para a saúde mental dos portugueses. 43% dos inquiridos afirmam não ter recursos financeiros suficientes para lidar com problemas de saúde e 18% sentem que a sua saúde foi afetada negativamente por problemas financeiros no último ano. Esta percentagem sobe para 33% entre aqueles que têm um rendimento abaixo das necessidades do agregado familiar. De forma preocupante, 46% dos indivíduos nesta situação de fragilidade económica relatam ter experienciado problemas de saúde mental nos últimos dois anos.
Pressão no Trabalho: a saúde mental dos portugueses está a ser fortemente impactada pelas condições de trabalho. O nosso estudo revela que 32% dos trabalhadores consideram que o tipo ou ritmo de trabalho é prejudicial para a sua saúde, sendo que 54% indicam ter experienciado pelo menos um problema de saúde relacionado com o trabalho no último ano. O stress e a ansiedade são os problemas mais comuns, refletindo-se em 37% dos trabalhadores, o dobro da incidência de problemas físicos, como dores musculares e nas articulações (18%). Estes dados são corroborados por um estudo do LABPATS (Laboratório de Ambientes de Trabalho Saudáveis), realizado entre 2022 e 2023, com mais de quatro mil trabalhadores portugueses, que concluiu que 35% dos inquiridos sentem que o trabalho consome demasiado tempo e energia, impactando negativamente as suas vidas.
Este tema da saúde no trabalho, que o estudo destaca, é aliás um tema que a Médis trabalha há muito junto dos seus clientes empresa.
HN – O estudo indica um aumento no número de portugueses comprometidos em manter ou melhorar a sua saúde. No entanto, quantos realmente demonstram um comportamento consistente com uma elevada “ambição de saúde”?
MCS – Sim, o estudo realmente revela uma tendência positiva em relação à saúde dos portugueses, mas que exige uma análise mais profunda.
É verdade que a autoavaliação da saúde é boa e subiu de 7,4 em 2021 para 7,5 em 2024 (numa escala de 1 a 10). Além disso, 64% da população já adota uma “vida pró-saúde”, um aumento de 5 pontos percentuais face a 2021.
É preciso sublinhar que, neste estudo apoiado pela Médis, o esforço pró saúde está sobretudo a ser puxado pelos jovens e pelo grupo dos 45 aos 54 anos, contrastando com o estudo de 2021, onde os indivíduos com mais de 65 anos demonstravam um nível maior de compromisso. Infelizmente, nos dados deste ano, a faixa etária entre os 35 e os 44 anos parece estar a sofrer maior desgaste, sobretudo a nível da saúde mental, um dado que merece a nossa maior atenção.
Outro ponto positivo é a utilização crescente de tecnologias de monitorização da saúde. 68% dos portugueses acompanham pelo menos um indicador de saúde através de dispositivos próprios, em comparação com 64% em 2021. Destes, 43% monitorizam pelo menos três indicadores diariamente.
Contudo, e apesar destes indicadores positivos, apenas 20% da população revela uma “Potência Saúde” elevada, ou seja, um compromisso real com a saúde, traduzido numa pontuação igual ou superior a 7 numa escala de 1 a 10. Embora 48% dos inquiridos desejem melhorar a sua saúde (um aumento face aos 36% em 2021), o valor médio da “ambição de saúde” é de apenas 5,45 pontos (na mesma escala de 1 a 10).
Concluindo, existe um descompasso entre a intenção e a ação. Os portugueses estão mais conscientes da importância da saúde, mas ainda há um caminho a percorrer na adoção de hábitos verdadeiramente saudáveis de forma consistente. É preciso colmatar este fosso para que a “Potência Saúde” se torne uma realidade para a maioria dos portugueses. Foi por isso mesmo que, na Médis, assumimos como propósito (da nossa ação e da marca) o potenciarmos hoje a saúde de amanhã.
Entrevista: Miguel Múrias Mauritti
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