Com a crise do coronavírus, muitos governos adotaram medidas impensáveis há até pouco tempo: exames de despiste da COVID-19 para "todos", cobertura médica para os mais vulneráveis, acomodação para os sem-abrigo, promessas de grandes investimentos em saúde e luta contra as alterações climáticas.
Será que estas medidas poderão ser mantidas?
- Proteções para os precários -
O vírus pôs a descoberto a importância dos trabalhadores precários - motoristas, caixas de supermercado, entregadores, professores, enfermeiros, todos mal remunerados e até insultados - que "sustentaram" os países durante o confinamento.
No Reino Unido, por exemplo existem cinco milhões de trabalhadores independentes, muitas vezes sem proteção social. Downing Street decidiu oferecer-lhes cobertura de saúde desde o primeiro dia, e não a partir do quinto como previsto por lei, com medo de que continuassem a trabalhar mesmo estando doentes. Por outro lado, também lhes concedeu o mesmo subsídio de desemprego que é pago aos trabalhadores dependentes: 80% do seu rendimento médio mensal.
Mas será assim até quando? O ministro britânico das Finanças, Rishi Sunak, admite a desaceleração dessa ajuda, mas está consciente de que "os fortes dependem dos mais fracos para a sua sobrevivência".
- Rendimento universal -
De Hong Kong aos Estados Unidos, onde o individualismo é rei, a ideia de um rendimento universal básico tem ganho especial atenção.
Para socorrer a economia, o governo de Donald Trump destinará até 3.000 dólares em ajuda a cada família, como parte do seu plano de reativação da economia. O número de desempregados neste país já chega a cerca de 30 milhões.
Um estudo da Universidade de Oxford mostra que 71% dos europeus apoiam o conceito de rendimento universal básico, o qual era, até pouco tempo, considerado "radical e até utópico", diz o professor Garton Ash.
- Milhões para os hospitais -
Na linha de frente da batalha contra a pandemia, médicos e enfermeiros reivindicam há anos mais recursos para a saúde pública. O sistema já estava à beira do colapso, quando o "tsunami" da COVID-19 correu o mundo.
Depois de afirmar que não havia "dinheiro mágico", o presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu um "plano em massa" para a saúde.
No Reino Unido, após uma década de cortes, o primeiro-ministro Boris Johnson tornou-se um fervoroso defensor do sistema público de saúde (NHS), depois de ele próprio ser tratado num hospital do Estado depois de desenvolver COVID-19.
"A história do primeiro-ministro salvo pelo SNS" é "potente", diz o professor de História Económica Mark Harrison, da Universidade de Warwick. "Será duro para os conservadores descumprirem as suas promessas" de investir na saúde, completou.
- Hotéis para os sem-abrigo -
Os sem-abrigo estão particularmente expostos a contágios, sobretudo numa altura em que dormem em abrigos sobrelotados.
O governo britânico lançou o programa "Everyone In" ("Todo a gente protegida", numa tradução livre), e as autoridades locais recorreram a hotéis ou albergues para colocar milhares de pessoas sem casa.
Segundo o governo, 5.400 pessoas, cerca de 90% da população de rua, foram abrigadas. Estes números não incluem, porém, todos os sem-abrigo. Segundo a associação Crisis UK, há pelo menos 170.000 no Reino Unido.
"Muitos estão prestes a ser expulsos do seu alojamento, mas há um esforço incrível do governo", diz Jamine Basran, porta-voz da Crisis UK. "Isso mostra que, quando há vontade política, é possível", completa.
- Mão verde? -
Muitos pedem que se aproveite este retorno da "mão" do Estado para reorientar a política industrial, como na época do Plano Marshall, do pós-Segunda Guerra Mundial, e aproveitar para ir ao encontro de uma economia "mais verde".
Até o diretor da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, pediu aos líderes mundiais que "garantam que a transição energética esteja no primeiro plano das suas respostas à COVID-19".
Na Alemanha, por exemplo, os pedidos de ajuda ao Estado estarão condicionados aos compromissos climáticos.
Mas o que aí vem é ainda uma incógnita.
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