“Há uns meses, o típico português hospitaleiro e anfitrião até levava o turista ao sítio se este lhe pedisse indicações. Agora não. As pessoas afastam-se. Há uns meses, os professores incentivavam a partilha de material nas escolas. Agora é desaconselhado falar para o lado ou pedir um lápis emprestado”, descreve à Lusa Miguel Neiva, criador do ColorADD, código que tem como objetivo incluir quem tem dificuldades em interpretar cores.
Em causa estão os desafios de uma pandemia que já provocou mais de 1,1 milhões de mortos no mundo desde dezembro do ano passado, incluindo 2.316 em Portugal, e de um tempo em que expressões como “aquele país entrou na lista vermelha ou a lotação da praia está amarela” são frequentes.
No mundo existem cerca de 350 milhões de daltónicos. Esta limitação não visível e para a qual não existe cura afeta maioritariamente homens: um em cada 10 é daltónico. Quando associado a mulheres, o daltonismo manifesta-se de forma mais exacerbada.
De acordo com os estudos levados a cabo pela equipa liderada pelo designer Miguel Neiva, em parceria com universidades, cirurgiões oculares e oftalmologistas, ao longo de duas décadas, cerca de 90% dos daltónicos precisa de ajuda para comprar roupa, 61% pede à esposa ou ao namorado para lhe escolher a indumentária do dia seguinte e 41% sente dificuldades de integração social.
“E em tempo de pandemia, só daqui a 10 anos, ou mais, é que vamos perceber que a covid foi muito mais do que uma questão respiratória ou pulmonar (…). Para quem não distingue as cores, o distanciamento e o isolamento também acarretam dificuldades”, aponta o designer português.
Miguel Neiva sublinha que as “limitações que não são visíveis, têm um peso enorme na autoestima e na dependência de terceiros”, lembrando a perda de independência aquisitiva que o distanciamento social pode gerar.
“O homem daltónico para não comprar umas calças de cor foleira, antes até se aproximava da funcionária da loja, mas agora tem máscara colocada e tempo contado para fazer compras”, exemplifica Miguel Neiva, enquanto mostra à Lusa plataformas ‘online’ que, apesar de terem informação escrita, usam a cor como primeiro fator de identificação.
Lembrando que “é determinante que um daltónico saiba se pode ou não viajar para determinado país” ou “possa navegar por um ‘site’ sem correr o risco de o interpretar mal”, o fundador da ColorADD já entregou projetos à Comissão Europeia e ao Ministério da Saúde português para introduzir o ColorADD nas plataformas dos chamados “semáforos covid”, como o ‘site’ ‘Re-open Europe’, por exemplo.
“Uma introdução não intrusiva quer nestes casos, quer em todos [referindo-se a produtos e materiais]. Se a introdução for intrusiva, corremos o risco de a sociedade dizer que só existem preocupações com os daltónicos, sendo verdade que se vivemos dois mil e muitos anos sem uma solução, agora a solução não pode criar confusão, caso contrário gera o efeito contrário, o estigma. Tem de ser uma coisa fácil, simples e capaz de ser integrada como uma boa prática”, descreve.
Miguel Neiva, que em 2015 foi condecorado pela Presidência da República por ter criado um código inclusivo para daltónicos que associa as cores primárias (azul, amarelo e magenta) a formas geométricas (triângulos e diagonais), também está a desenvolver uma aplicação de telemóvel dedicada a quem não distingue a cor, que “até ao final do ano vai estar na rua”.
As verbas que esta ‘app’ venha a gerar reverterão para a ColorADD Social, organização sem fins lucrativos que realiza rastreios e ações de sensibilização em escolas.
Paralelamente, e depois de já ter implementado o código em mais de 10 milhões de mapas turísticos produzidos por autarquias portuguesas, a ColorADD está a ultimar parcerias com a associação Aldeias Históricas de Portugal.
“O turismo de interior e da natureza ganhou muito impacto com a pandemia e a cor tem uma relevância enorme, porque o grau de dificuldade dos circuitos é referenciado através da cor”, descreve o “dono” de uma ideia que a National Geografic considerou uma das cinco invenções de Portugal para o mundo.
A ColorADD, que tal como os daltónicos ou todo o mundo enfrentou desafios com a pandemia, recorreu ao ‘lay-off’ por dois meses para “alguns dos sete funcionários” na fase da chamada primeira fase de pico pandémico.
O projeto, além de capitais próprios e de um fundo social recentemente introduzido, recebe apoios fruto de candidaturas a programas como o Portugal Inovação Social, entre outros, estando em curso “uma aposta na internacionalização”.
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