Porque decidiu regressar à China?

Voltei porque tinha contrato até 31 de dezembro de 2020. Depois, porque era o meu trabalho. Adoro viver na China e adoro o meu trabalho. Por outro lado, em Portugal, a situação profissional na minha área, e em qualquer outra, está difícil e aqui sinto-me realizado.

Quando voltou?

Voltei no dia 25 de julho de 2020. Regressei, fizemos o campeonato, mas o clube onde estava acabou por ir à falência. Recebi um convite para ingressar num novo clube, em Nantong, onde estou desde 1 de janeiro. O outro clube não quis renovar, porque foi um dos clubes que faliu por causa da COVID-19. Há outros casos em que as associações desportivas não tiveram capacidade para arcar com os custos, porque perderam vários investidores. Não se sabia o futuro, os investidores tiraram o pé do acelerador e alguns clubes tiveram de fechar. E isso aconteceu em toda a China, mesmo com clubes da primeira liga. A economia foi muito abalada na altura, porque havia muitas restrições.

Tem escapado ao vírus?

Sim. Felizmente nunca contraí a infeção.

Estando na China, já foi vacinado?

Não acho que vá ser vacinado. Não sei como funciona, mas acho que não faço parte dos grupos prioritários. Tanto quanto sei, militares e profissionais e saúde já foram vacinados e, talvez até ao final do ano, serão todos vacinados.

Faço a minha vida tranquila. Posso ir a restaurantes, posso ir à praia, enfim, faço a vida normal

Se lhe propuserem receber a vacina, está aberto a essa possibilidade?

Se for uma opção minha, não serei vacinado. Mas se me permitir ir a Portugal e regressar à China, sim, tomarei. Caso contrário, optarei sempre por não tomar.

Porquê?

Dificilmente tomo qualquer tipo de medicamento. Evito ao máximo. Talvez porque tenha sido habituado assim. Só em casos extremos é que tomo alguma medicação. Com a vacina seguirei o mesmo caminho.

COVID-19: Luís Estanislau foi um dos repatriados, mas voltou para a China. “Se for a Portugal, perco o meu emprego”
Luís Estanislau (camisa branca), treinador português na China créditos: Direitos Reservados

Está aberto à possibilidade de trabalhar noutros países?

Sim, sim. Recebi várias propostas para ingressar noutros clubes da Europa, mas monetariamente não era tão bom como aqui. Ao nível da segurança, aqui sinto-me melhor porque a vida está normal. Dentro do novo normal, está normal. Faço a minha vida tranquila. Posso ir a restaurantes, posso ir à praia, enfim, faço a vida normal.

Aqui as pessoas estão habituadas a cumprir e depois, porventura, a questionar

Precisa de usar máscara nessas deslocações?

Na rua não é obrigatório usar máscara. Usa quem quer e quem se sentir à vontade com isso. Às vezes uso, outras vezes não uso. Depende se me lembrar ou se houver muita gente. Mas normalmente só coloco máscara quando entro num espaço fechado público em que é obrigatório, como um shopping, aeroporto ou mercado. Agora na rua não é obrigatório. Vê-se muita gente com máscara e muita gente sem. Fica ao critério de cada um.

Na sua opinião, enquanto residente na China, como é que este gigante asiático lidou com a pandemia?

Julgo que bem. Neste momento é um dos países em que a vida acontece normalmente.

Qual foi a receita para esse sucesso?

Primeiramente acho que foi a cultura. Aqui a as pessoas estão mais habituadas a cumprir as regras. A política e a cultura são mais rígidas. Aqui as pessoas estão habituadas a cumprir e depois, porventura, a questionar. Acho que na Europa, e no mundo ocidental, primeiro questiona-se e depois vê-se se é para cumprir ou não.

Seguramente fechar-se a fronteiras foi também uma medida importante no combate à pandemia.

Luís Estanislau, treinador português na China
Luís Estanislau, treinador português na China créditos: Direitos Reservados

Relativamente à informação que é veiculada sobre a COVID-19 pelo governo chinês, sente-se esclarecido?

Não tenho muita noção, porque a informação que eu obtenho aqui é dos meus amigos chinesa e do seu tradutor. Informação através dos média ou de outra fonte não absorvo, porque não percebo a língua.

No entanto, acho que a informação é válida porque chega-me através de pessoas próximas.

Realmente ouvi através da comunicação social em Portugal que a china pode ter adiado a entrada da Organização Mundial de Saúde (OMS) na China, mas não sei concretamente se pode ter atrasado ou escondido alguma coisa.

Aqui as pessoas são livres de fazerem o que quiserem dentro das regras. Estamos numa situação pandémica. Já morreram milhares de pessoas e tem que haver um pulso firme para que as coisas resultem

Sente que a informação pode ser filtrada?

Não. Tenho confiança nos números que são divulgados. Eu estou aqui e sei o rigor que é viajar de uma cidade para outra. Eu sei as regras que são colocadas. Não me admira nada os números [baixos de infetados e mortes] divulgados. Há muitas restrições.

Estou a fazer a pré-temporada no Sul na China. Mudo de cidade de 20 em 20 dias. E as regras que nos são impostas antes de viajar são bastantes. Temos que realizar testes antes de viajar e portanto não me admira nada os números baixos e a informação que é divulgada.

Algumas vozes internacionais acusam a China de estar a mascarar os números. Acha que os baixos números da pandemia na China são resultado de uma ditadura?

Não, não concordo de todo. Há muitas regras, sim. Há algumas que eu não concordo? Sim. Mas não acho que seja uma ditadura. Aqui as pessoas são livres de fazerem o que quiserem dentro das regras. Estamos numa situação pandémica. Já morreram milhares de pessoas e tem que haver um pulso firme para que as coisas resultem. Olhamos para trás e depois de tantas restrições a China é talvez o país com menos casos. Portanto, está a funcionar.

Não concorda com que tipo de regras?

Quis reservar um quarto de hotel e não consegui fazer o check-in porque não tinha feito um teste de despiste à COVID-19 nas últimas 48 horas. Não faz muito sentido, porque eu viajei de Xangai para o sul da China, para Guangzhou, e entretanto tive de fazer o teste. Quis reservar um quarto de hotel e não consegui. Tinha de fazer um novo, porque já tinham passado mais de 48 horas.

Luís Estanislau, treinador português na China
Luís Estanislau, treinador português na China créditos: Direitos Reservados

Acha que a pandemia mudou a sua vida?

Sim, diria que sim... Primeiramente porque mudei de clube e de cidade por causa da pandemia. E segundo porque gostaria de ir a Portugal e não posso. Se for a Portugal, perco o meu emprego.

Porquê?

Porque neste momento não se pode entrar na China vindo de Portugal. Teria de fazer quarentena. Portanto, poderia ir mas não conseguiria voltar.

Relativamente ao repatriamento, olhando para trás, acha que as regras a que esteve submetido foram exageradas?

Olhando para trás e sabendo o que sabemos hoje, não diria que foi exagerado, mas desadequado. Seria invulgar fazer hoje em dia o que fizemos. Nós quando fomos para Portugal havia zero casos. Fomos os primeiros a chegar do epicentro da pandemia.

Se fosse hoje, não aconteceria nada disso. Na altura não foi exagerado. Foi o que teve de ser. Estávamos a lidar com uma doença nova e foi feito o que teve de ser feito.