O impacto da proibição de circulação na via pública em Lisboa não se fez sentir logo pelas 23:00, porque a essa hora ainda existiam pessoas nas ruas, umas a sair de restaurantes e outras a regressar do trabalho em direção a casa, contando com os habituais horários dos transportes públicos.
Pelas 23:15, no centro da capital, na emblemática rua Augusta, ouvia-se ainda o som de um acordeão de um artista de rua que animava o regresso a casa das poucas pessoas que ali circulavam. Sem ter presente as horas, o músico disse à Lusa que se estava a preparar para arrumar o material: “Não há gente, ficar para tocar para quem?”.
Vinda de um jantar num restaurante, Sílvia Olivença parou para apreciar a música, enquanto regressava a casa a pé, escusando-se a comentar o recolher obrigatório entre as 23:00 e as 05:00 durante a semana, porque “é muito complexo para ser escrito em quatro linhas”.
Sem congestionamentos de trânsito, as ruas da cidade de Lisboa acolheram as luzes azuis da fiscalização da Polícia Municipal e da Polícia de Segurança Pública (PSP), inclusive com operações de trânsito na zona dos Restauradores, em que os condutores foram obrigados a parar e justificar a circulação na via pública.
Segundo o porta-voz do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, comissário Artur Serafim, a PSP começou às 00:00 de segunda-feira diversas operações na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com a fiscalização do cumprimento dos novos horários dos estabelecimentos comerciais, ajuntamentos, consumo de álcool na via pública e uso da máscara quando não é possível garantir a distância de dois metros, através de “cerca de três centenas de polícias diariamente nas ruas”.
A primeira abordagem das forças de segurança é a sensibilização dos cidadãos para as novas regras, pelo que “a participação do crime de desobediência é utilizada em último recurso”, explicou o comissário Artur Serafim, fazendo um balanço “muito positivo” das várias operações de fiscalização no âmbito da entrada em vigor do estado de emergência, sem registo de nenhum crime de desobediência.
Além da fiscalização do trânsito e dos estabelecimentos comerciais, a PSP esteve a controlar o acesso aos comboios na estação do Rossio, procurando “perceber o que os cidadãos estão a fazer na via pública”. A maioria das pessoas vinha do trabalho e pretendia regressar a casa, dispondo de declaração da entidade patronal.
Depois de concluir o turno de trabalho num restaurante nos Armazéns do Chiado, espaços que têm de encerrar até às 22:30, Guilhermina Brito deslocou-se até à estação do Rossio para apanhar o comboio de regresso a casa, em Queluz-Belas, que saiu às 00:01. A favor das medidas do Governo para controlar a pandemia, a trabalhadora defendeu que “suficientes, se calhar não são”, questionando que outras regras poderiam ser impostas.
“Que outras mais? O bom seria a vacina, mas estamos num bom caminho”, afirmou à Lusa Guilhermina Brito.
A partir das 00:30, o movimento na praça do Rossio reduziu-se à presença das forças de segurança, transportes públicos, táxis, distribuidores de comida e trabalhadores da higiene urbana.
Impedidos de cumprir o recolher obrigatório, três pessoas em condição de sem-abrigo mantêm-se na praça do Rossio, ironicamente em frente à frase “bem-vindos a casa”, que se encontra colocada no Teatro Nacional D. Maria II.
Com a cidade estacionada à espera das 05:00 para voltar a sair com maior liberdade, os taxistas sofrem a noite toda à espera de arranjar clientes.
Taxista há 18 anos, Alfredo Ferreira considerou que o setor “bateu no fundo” com a pandemia, mas a diferença da primeira noite de recolher obrigatório como outras “é abismal”, ponderando deixar de trabalhar nos 15 dias de estado de emergência.
Desde as 16:30 de segunda-feira até às 00:00 de hoje, fez duas corridas, o que resultou em 11 euros, dos quais só ganha 30%, ou seja, cerca de quatro euros: “Hoje não ganhei para comer, ainda coloco do meu bolso para andar aqui”. “Não morremos da covid, morremos à fome”, desabafou o taxista.
A primeira noite do recolher obrigatório em Lisboa foi ainda marcada por um crime na Avenida da Liberdade, que envolveu armas de fogo e duas viaturas, segundo o porta-voz da Comando Metropolitano de Lisboa da PSP. Sem registo de feridos, o trânsito esteve condicionado e foi vedado o perímetro do local do crime, onde esteve a Polícia Judiciária.
Lisboa é um dos 121 concelhos onde há “risco elevado de transmissão da covid-19″, de acordo com o critério geral do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) de “mais de 240 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias”, e considerando a proximidade com um outro concelho nessa situação e a exceção para surtos localizados em municípios de baixa densidade.
No âmbito do estado de emergência devido à pandemia, que entrou em vigor esta segunda-feira e se prolonga até 23 de novembro, o Governo aprovou, no sábado, novas medidas para os 121 concelhos de maior risco de contágio, inclusive o recolher obrigatório noturno durante a semana, entre as 23:00 e as 05:00, e nos próximos dois fins de semana, entre as 13:00 e as 05:00.
Segundo o decreto que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, a proibição de circulação na via pública nos 121 concelhos prevê um conjunto de 13 exceções de deslocações autorizadas, em que se incluem desempenho de funções profissionais como profissionais de saúde e agentes de proteção civil, obtenção de cuidados de saúde, ir a estabelecimentos de venda de produtos alimentares e de higiene, assistência de pessoas vulneráveis, exercício da liberdade de imprensa e passeios pedonais de curta duração.
Portugal contabiliza pelo menos 2.959 mortos associados à covid-19 em 183.420 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).
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