Esta foi uma das unidades que, durante a pandemia, viu transformado o seu bloco operatório e o circuito de ambulatório numa Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) para acolher os doentes muito graves com covid-19, uma mudança que obrigou a equipa a operar noutras áreas do hospital e até num hospital privado.

“Esta pandemia foi para muitos, e para nós com certeza, o desafio das nossas vidas, porque de repente tivemos que começar a participar num filme para o qual não tínhamos guião. Não sabíamos o que ia acontecer, nem sabíamos qual era o papel que iríamos desempenhar”, contou à agência Lusa o diretor do Serviço de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Leonel Luís.

A disponibilidade dos profissionais foi total e a questão era onde saber seriam mais necessários: “É só na área dos ouvidos, nariz e garganta? Ou é necessário ir lá para fora ajudar nas ambulâncias e fazer a triagem?”, contou Leonel Luís, que junto com os seus colegas esteve na linha da frente a ensinar como se fazia um teste ao coronavírus.

O papel que desempenharam levou-os a disponibilizar os seus espaços. “Perdemos a consulta no piso 3, o bloco [operatório] no piso 4 e a enfermaria no piso 5, mas mantivemos a atividade possível, com o nível de segurança máximo para a nossa equipa e para os doentes”.

Dois anos após o início da pandemia regressaram à sua “casa”, agora renovada e com algumas “cicatrizes positivas” de uma guerra contra um vírus que matou mais de 22 mil pessoas em Portugal.

À Lusa, Leonel Luís mostrou com orgulho as obras realizadas nas casas de banho, que permitem aos doentes ter mais privacidade e conforto, o que considerou “uma mudança civilizacional”.

Um quarto de pressão negativa com uma casa de banho privativa, quartos ventilados e uma sala de pressão negativa que mais parece uma nave espacial são outras marcas deixadas pela pandemia.

Além das marcas físicas, ficaram rotinas no hospital: “Nada voltou a ser como antes. De certa forma, ganhámos qualidade, segurança (…) e em certas coisas ganhámos competências, mas melhorámos também as nossas boas práticas. E isso é bom em termos de ganhos em saúde”.

“Não nos passa pela cabeça, hoje em dia, observar um doente numa consulta de otorrino, que são consultas normalmente sem máscara, e não higienizar esse espaço antes da próxima consulta e era uma coisa que fazíamos regularmente antes da pandemia”, exemplificou, assinalando também o uso permanente da máscara, outrora só utilizadas em ambiente de bloco operatório.

A pouco e pouco a vida no hospital foi retomando a normalidade visível nos corredores cheios de gente e no número de consultas, exames e cirurgias realizadas.

“As pessoas ansiavam por ter um trabalho normal, ter as consultas nos seus gabinetes e verem o número de doentes que viam antes”, salientou Leonel Luís.

O impacto da pandemia também se fez sentir no Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia, que teve de ceder inicialmente os seus recursos e as suas 21 camas de internamento para doentes com covid-19.

“Foi brutal, mas foi o que se passou a nível nacional e internacional na área das doenças do aparelho digestivo, que incluem muitos cancros”, disse o diretor do serviço, Rui Tato Marinho, sublinhando que a atividade reduziu cerca de 80% no início da pandemia, em 2020.

“Só no pós-guerra, depois disto tudo passar, e está a passar felizmente, é que vamos saber o impacto que vai ter”, frisou.

Após o embate inicial, a atividade foi recuperando, mas não tem sido fácil voltar à normalidade, porque continua a haver doentes e profissionais infetados, além da necessidade de rastrear os doentes antes dos exames (cerca de 25.000 anualmente) e dificuldades na aquisição de algum material, mas isto a nível internacional, afirmou Rui Tato Marinho.

“Vamos viver com uma realidade um bocado diferente, mas o pós-guerra também é uma altura de novas oportunidades”, disse, revelando que está em construção no Hospital Santa Maria uma nova unidade destinada às doenças do aparelho digestivos com mais salas de exame, uma área de recobro e equipamentos modernos.

“Já nos deram mais duas dezenas de novos equipamentos que são caros, mas há uma guerra biológica que nós queremos vencer e vamos conseguir”, disse, convicto.