Em entrevista à Lusa, o responsável da Ordem dos Psicólogos assinala que o primeiro impacto de uma solução como esta pode traduzir-se em “algum alívio e uma sensação de segurança” pela ideia de controlo e redução das hipóteses de contágio com o novo coronavírus. Porém, considera que a questão mais preocupante do ponto de vista psicológico “está a montante”, mais concretamente no conhecimento pleno de uma cedência voluntária de dados pessoais e da privacidade.
“Tendemos a considerar que se trata de algo absolutamente consciente e racional e a maior parte das decisões que tomamos no dia a dia não são nem conscientes nem racionais”, afirma, sublinhando: “O que estamos a fazer é reagir a um medo que temos de uma forma emocional, queremos acabar com o desconforto que sentimos pela perceção de risco de contágio que temos e que nos transmite ansiedade e outras sensações que nos criam mal-estar”.
A adoção generalizada de ‘apps’ de rastreamento para o telemóvel carrega também o eterno debate entre privacidade e segurança e Francisco Miranda Rodrigues assume que, do ponto de vista psicológico, há, efetivamente, uma “troca” entre os dois planos. Apesar de estar prevista uma adesão voluntária em Portugal a este sistema de controlo da pandemia, o bastonário sustenta que o cariz opcional “não resolve totalmente o problema” e faz um alerta ao Estado.
“Se nós sentirmos que isto tira um desconforto, isto é muito forte. Não fazemos contas à outra parte, ao que estamos a abdicar. E se a maioria achar isto bem, eu também vou achar bem, porque tendemos a querer fazer parte das maiorias e há um efeito social de grupo. São decisões livres q.b. e é nessas alturas que é importante que o Estado garanta que não há uma utilização abusiva daquilo que são vulnerabilidades do comportamento humano”, observa.
De acordo com o bastonário dos psicólogos, é necessário criar “mais garantias”, obrigando as pessoas a pensar nas situações a que podem estar sujeitas mediante uma aplicação móvel com este propósito, mesmo que funcione por 'bluetooth' e não com recurso a geolocalização.
“Se não estivermos alerta para este tipo de situações, mais dificilmente poderemos adotar os comportamentos que nos protejam. Se abdicarmos de certo tipo de garantias e certo tipo de travões, permitindo que enviesamentos possam fluir, estamos a criar condições para que depois não controlemos de que forma é que estas tecnologias são usadas”.
Confrontado com os efeitos na saúde psicológica do regresso a uma normalidade em circunstâncias ainda excecionais e na sequência de dois meses de confinamento, Francisco Miranda Rodrigues reconhece o “impacto” desta nova realidade. Contudo, avisa para as consequências maiores - e já estudadas - que uma nova crise económica pode ter a nível psicológico nos portugueses e a escassez de recursos existentes para enfrentar esse cenário.
“As situações associadas à crise económica têm um elevadíssimo impacto, desde o suicídio, passando pelo aumento de perturbações mentais e por situações que são desvalorizadas e associadas depois a um mal-estar”, realça, apelando a uma mudança na resposta médica: “Seria muito importante que existisse um número de recursos mínimos nos cuidados de saúde primários. O número de psicólogos existentes nos centros de saúde é muitíssimo reduzido”.
Portugal irá adotar em breve o uso de uma aplicação de telemóvel para rastreamento da covid-19. A ‘app’ STAYAWAY COVID deverá ser a escolhida pelo governo, que tem acompanhado nas últimas semanas o trabalho desenvolvido pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), e garantindo o respeito pelas normas do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.
Em Portugal, morreram 1.465 pessoas das 33.969 confirmadas como infetadas, e há 20.526 casos recuperados, de acordo com a Direção-Geral da Saúde.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 392 mil mortos e infetou mais quase 6,7 milhões de pessoas em 196 países e territórios. Mais de 2,8 milhões de doentes foram considerados curados.
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