As gémeas, estrangeiras, cujos nomes e nacionalidade o hospital não revelou por questões de privacidade, estiveram 14 horas no bloco operatório, com uma equipa multidisciplinar, num procedimento que em bloco operatório decorreu apenas com recurso a profissionais do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), mas que na preparação contou com a colaboração de três médicos alemães.
Estes três médicos foram os responsáveis pela utilização de um material inovador essencial para o sucesso da parte final do procedimento nesta primeira fase cirúrgica, que passa pelo encerramento da parede abdominal das crianças, concluído ontem para uma das gémeas, e previsto até ao final da semana para a segunda.
Catarina Ladeira, chefe da cirurgia plástica pediátrica, responsável pelo procedimento de encerramento da parede abdominal explicou que “o defeito da parede abdominal era muito grande” o que “impedia fechar com segurança o abdómen”, havendo risco de compressão dos órgãos.
O material inovador trazido pelos médicos alemães, que deram formação aos clínicos portugueses no D. Estefânia sobre como utilizá-lo na fase de preparação da cirurgia, permite um encerramento gradual da parede abdominal sem recurso a próteses ou materiais externos, e usando apenas tecido abdominal de cada uma das gémeas.
Rui Alves, diretor do serviço de cirurgia pediátrica do hospital, e que liderou a equipa neste procedimento, destacou a raridade da cirurgia, que não era feita em Portugal há 24 anos, e o longo trabalho de preparação e pesquisa necessário, que envolveu diversas especialidades para o estudo anatómico das crianças, e muita pesquisa bibliográfica, tendo sido encontrado apenas um caso semelhante, nos EUA, referente a uma operação ocorrida em 1966.
As gémeas, atualmente internadas nos cuidados intensivos, ainda correm riscos, nomeadamente risco infeccioso, sublinhou Rui Alves, e também o intensivista da equipa, João Estrada, que reconheceu “alguns problemas” provocados por agentes bacterianos presentes nas crianças.
No entanto, disse Rui Alves, é possível admitir como provável já ter sido ultrapassada a fase de “risco crítico”.
O diretor do serviço de cirurgia pediátrica do Hospital D. Estefânia salientou também “o detalhe importante” da idade das crianças, uma vez que a recomendação para cirurgias de separação de siameses é que aconteçam entre os seis meses e o ano e meio de vida das crianças, tendo neste caso acontecido muito mais tarde.
No processo de separação foi necessário reconstruir parte do sistema urinário das gémeas, que tinham duas bexigas autónomas, mas ambas tinham os ureteres — canais que transportam a urina — ligados à bexiga da irmã, tendo sido necessário fazer a ligação correta, explicou Fátima Alves, especialista em urologia pediátrica, que realizou o procedimento.
A médica referiu também que as crianças têm ambas um aparelho reprodutor “autónomo, completo e normal”, havendo apenas uma questão a corrigir futuramente nas vaginas.
Rui Alves adiantou que a separação do aparelho digestivo deixou uma das gémeas sem intestino grosso, uma vez que ambas nasceram com intestino delgado, mas apenas um intestino grosso. Ainda assim, a questão, para a qual terão que ser ponderadas soluções no futuro, “não será impeditiva de ter uma vida mais ou menos normal”.
“Esta fase apenas se destinou a separá-las, torná-las autónomas, mas a cirurgia não é de todo definitiva”, explicou o médico, referindo que vários procedimentos cirúrgicos, e não só, serão ainda necessários no processo de recuperação das gémeas, que para já, têm pela frente meses de permanência no hospital.
As crianças vão precisar, nomeadamente, de intervenção ao nível ortopédico. Devido à ligação pela região abdominal, as crianças de quatro anos nunca andaram, pelo que aprender a andar levará a que seja necessário uma intervenção cirúrgica e fisioterapia, para promover a autonomia da marcha.
O maior risco durante a cirurgia era o risco de hemorragia, que não se verificou, disse a médica anestesiologista Teresa Cenicante, que sublinhou a importância do treino e da preparação de meses para chegar à separação das gémeas, “um momento muito emotivo para todos”.
Ainda sobre a preparação, a enfermeira chefe, Mercedes Ganito, revelou que no bloco operatório as diferentes partes do corpo das gémeas foram identificadas por cores, formando-se duas equipas, a verde e a azul, uma distinção necessária para a “segurança dos procedimentos” durante a cirurgia, sendo fundamental não haver erros na mesa de operações, para saber “que membro pertencia a que criança, qual o soro de cada uma”, entre outros aspetos.
Sem revelar detalhes sobre a origem das crianças, a equipa referiu apenas que as gémeas chegaram até ao hospital português ao abrigo de um protocolo de cooperação da Direção-Geral da Saúde (DGS).
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