Quase dez anos depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado que a amamentação em exclusivo até aos seis meses beneficia os bebés, um estudo publicado no British Medical Journal vem dizer o contrário. O grupo de investigadores reconhece os benefícios do leite materno, mas defende que este deve ser completado com outros alimentos.
No estudo, a que o PÚBLICO teve acesso, investigadores do Reino Unido, conduzidos por Mary Fewtrell, do Instituto de Saúde Infantil da University College London, fizeram uma revisão da evidência científica que suporta as actuais orientações sobre aleitamento e consideraram que é altura de ponderar os pressupostos.
De acordo com as conclusões do grupo, apesar dos benefícios da amamentação, o facto de o bebé só mamar durante seis meses pode não ser do seu pleno interesse no que diz respeito, por exemplo, a introduzir outro tipo de alimentos ou a desenvolver algumas patologias e alergias.
Em 2002, a OMS estabeleceu recomendações mundiais no sentido de os bebés serem exclusivamente alimentados com leite materno durante os seis primeiros meses de vida, podendo a amamentação prolongar-se como complemento até aos dois anos. Muitos países ocidentais não seguiram estas recomendações mas, em 2003, o Reino Unido, de onde são os autores do estudo, adoptou as guidelines da OMS, à semelhança de Portugal.
Contudo, Fewtrell e os colegas defendem que a amamentação exclusiva deve ser sim recomendada nos países menos desenvolvidos, onde o acesso a água potável e a alimentos seguros é limitado, representando um risco superior para o bebé de morte ou doença.
A situação portuguesa
Em Portugal, nos últimos anos, a tendência tem sido a de incentivar o aleitamento materno exclusivo. O próprio Plano Nacional de Saúde 2004-2010, que agora termina, definia um período de duração do aleitamento materno como meta prioritária.
Também a Direcção-Geral da Saúde (DGS) refere que, “de acordo com as estatísticas disponíveis, à data da alta hospitalar a larga maioria das puérperas e seus recém-nascidos terão como plano alimentar esperado o aleitamento materno exclusivo, o que permite falar numa taxa de 90 por cento de iniciação”. No entanto, a DGS reconhece que “a elevada taxa de aleitamento materno exclusivo à alta parece ter um acentuado declínio logo no primeiro mês de vida para ser inferior a 50 por cento aos três/quatro meses”.
Contactada pelo PÚBLICO, a secretária da mesa do Colégio de Especialidade de Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia da Ordem dos Enfermeiros, Teresa Félix, ressalvou que não conhece o estudo por completo, mas lembra que um único documento não é suficiente para alterar toda a prática que tem sido desenvolvida. Para as mães que estão neste momento a amamentar ou para as futuras mães, refere que “o mais importante é manter a amamentação mesmo que se introduza outro alimento”.
De todas as formas, Teresa Félix lembra que “o leite materno é fundamental em termos nutricionais e um alimento que é impossível igualar. É um alimento vivo que muda ao longo do dia e que responde às necessidades do bebé”, pelo que é importante que a mãe tente continuar a extrair o leite mesmo quando regressa ao trabalho.
Também a presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, em reacção ao estudo, defende que “é muito difícil deixar de ter por base uma recomendação que vem da OMS”. Sobre o facto de introduzir alimentos mais cedo, Alexandra Bento entende que é necessária mais evidência científica, mas também recorda que “a OMS faz recomendações globais e universais que se aplicam a todos os países” – em referência ao facto de a realidade dos países em desenvolvimento poder estar a influenciar as recomendações, já que nos países desenvolvidos até pela entrada da mulher no mundo do trabalho a amamentação exclusiva é abandonada mais cedo.
A nutricionista explica, no entanto, que “o mais importante é impulsionar o aleitamento materno independentemente da altura em que se introduzem alimentos” e pugnar por “uma alimentação diversificada” para toda a família.
Alimentos e não complementos
Sobre os países europeus, os investigadores também salientam que a recomendação da OMS lhes suscita algumas dúvidas, mas sublinham que são a favor da amamentação exclusiva até aos quatro meses e que defendem que deve ser prolongada depois deste período, desde que associada a outros alimentos.
E reforçam a palavra 'alimentos', dizendo que não estão a defender outro tipo de suplementos ou complementos disponibilizados pela indústria do sector. Três dos investigadores fazem mesmo uma declaração de interesses no estudo onde dizem que nos últimos três anos fizeram trabalhos de consultoria ou receberam fundos para trabalhos de empresas ligadas a suplementos alimentares e alimentos para crianças.
De acordo com os cientistas, a documentação que suporta a decisão da OMS é anterior a 2000 e diz que os bebés que durante os primeiros seis meses só mamaram tiveram menos infecções e problemas associados ao crescimento. Conclusões que Fewtrell coloca em causa, dizendo que quando o bebé só recebe leite materno apresenta mais riscos de anemia, de doença celíaca, e de alguns tipos de alergia, nomeadamente alimentar.
Na Suécia, por exemplo, o adiar da introdução de alimentos sólidos, como glúten, coincidiu com o aumento de casos de doença celíaca e baixou quando a amamentação exclusiva passou a ser recomendada só até aos quatro meses, dizem os cientistas. Os investigadores temem, ainda, que o uso prolongado do aleitamento exclusivo reduza a janela de oportunidade de introdução de novos sabores da dieta da criança, nomeadamente a adaptação a vegetais – o que pode aumentar o risco de uma dieta desadequada que conduza à obesidade.
O grupo recomenda, por isso, ao Reino Unido que reveja as suas orientações sobre esta temática, com base na informação científica que foi produzida ao longo dos últimos dez anos. Mary Fewtrell acredita, contudo, que os efeitos para os bebés no Reino Unido tenham sido residuais, já que a amamentação em exclusivo até esta idade é muito pouco comum no país (um por cento, segundo dados de 2005).
15 de janeiro de 2011
Fonte: Público
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