HealthNews (HN) – “Fazer o que nunca foi feito” aplica-se também à saúde? Se sim, é possível já no próximo Governo?
Bruno Maia (BM) – Aplica-se perfeitamente à saúde. No nosso programa da saúde, fazer o que nunca foi feito significa: trazer a saúde oral para o Serviço Nacional de Saúde, trazer a saúde mental para o Serviço Nacional de Saúde, trazer uma parte da saúde visual para o Serviço Nacional de Saúde, áreas da saúde que ficaram sempre esquecidas, ficaram sempre de fora ao longo dos 40 anos do Serviço Nacional de Saúde. Está mais do que na hora de o fazermos. Se há dinheiro? É claro que há dinheiro. Provavelmente, o problema não é dinheiro, é uma questão de organização. Se o Brasil que é um país com muito mais dificuldades económicas que Portugal consegue ter uma saúde oral superior à nossa, porque é que nós não haveremos de conseguir. É possível fazê-lo; existe cabimento orçamental. O Bloco apresentou as contas todas muito bem feitas.
Fazer o que nunca foi feito significa isso. Mas significa mais do que isso, penso eu. Significa uma valorização das carreiras dos profissionais de saúde para além daquilo que alguma vez foi feito; que nós consigamos abrir a possibilidade aos profissionais de saúde de poderem estar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde, com ordenados majorados, com reconhecimento da sua carreira ao nível de investigação, ao nível do ensino, ao nível da gestão das unidades de saúde, como nunca foi feito; e que essa valorização reconheça uma coisa que hoje os jovens profissionais de saúde tanto valorizam, que é a conciliação da vida profissional com a vida privada, e isso é uma preocupação central no programa de Saúde e no programa para o Trabalho do Bloco.
HN – Como é que o Bloco pensa que será possível reter especialistas no SNS? Eu diria que este ponto se liga a um outro do vosso programa: a revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias e exclusividade a sério.
BM – O problema tem sido debatido ao longo dos últimos anos e a solução também. A solução está apresentada, o problema é que nunca foi posta em prática. Fixar profissionais de saúde no SNS significa valorizar as suas carreiras, e para isso é preciso que um Governo se sente à mesa da negociação com os sindicatos com seriedade e com vontade de salvar o Serviço Nacional de Saúde, valorizando a carreira dos profissionais. É possível valorizar os salários e valorizar a carreira. É preciso, obviamente, que os salários sejam valorizados, mas também é importante reconhecer que as pessoas já não querem ser escravas do trabalho e, portanto, precisam de tempo. Mas também aquilo que eu dizia há pouco, valorizar a parte científica e a parte letiva.
O Bloco pegou nos médicos, que é aquilo que tem sido mais debatido nos últimos tempos, para mostrar que é possível fazê-lo. E aquilo que o Bloco diz no programa é que, com os profissionais que temos neste momento, se lhes oferecermos um contrato de exclusividade majorado a 40%, e admitindo que 60% (uma estimativa por cima) querem estar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde, isso fica em 500 milhões de euros. O excedente orçamental nos últimos dois anos é superior a 4 mil milhões de euros, portanto há capacidade financeira do Estado para fazer isto – é preciso vontade política. Para além disso, se nós tivermos 60% dos profissionais de saúde em exclusividade no SNS, vamos reduzir a necessidade de tarefeiros, e isso custa mais 100 milhões de euros todos os anos, e também vamos reduzir a necessidade de horas extraordinárias, que custam mais de 300 milhões de euros. Portanto, há capacidade orçamental, há enquadramento orçamental; é preciso querer que a exclusividade seja uma estratégia para salvar o Serviço Nacional de Saúde.
HN – É possível fazer uma revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias a curto prazo, nos próximos anos de governação?
BM – Há coisas que precisamos de fazer já. Por exemplo – vou voltar à exclusividade –, a proposta do Bloco é que ela seja faseada: no primeiro ano de exclusividade só 30% e depois passa para os 40%. Na revisão das restantes carreiras isto também é possível; é possível pensar em faseamento de todas estas medidas. O que é preciso é fazer alguma coisa já e ter um plano para o futuro porque é isso que permite fixar médicos, é a expectativa de que vai haver uma carreira no Serviço Nacional de Saúde que as pessoas querem e que as satisfaz. Os profissionais de saúde precisam de um plano de futuro, seja mais ou menos faseado, em termos de salários. O que interessa é que se faça já alguma coisa para dar um sinal de que há expectativas que vão ser satisfeitas a curto prazo.
HN – Lançam o desafio de ter todas as consultas e cirurgias a tempo e horas. Como é que isso é possível?
BM – Só contratando mais profissionais. Mais uma vez, não há soluções milagrosas. A direita vem a estas eleições dizer aquilo que sempre disse: queremos dar mais cheques às nossas clientelas no privado. É isso que eles fazem, cheques-cirurgia, cheques-dentista para toda a gente. Aquela solução não é da direita, não é nova, está em prática e não é suficiente para acabar com as listas de espera. Aliás, o cheque-cirurgia é recusado por mais de 80% dos utentes – preferem ficar em lista de espera com o seu médico do que serem enviados para um privado num outro ponto do país com um médico que não conhecem. Portanto, aquela solução não tem cabimento nenhum.
Não há milagres. Só contratando mais profissionais de saúde. Por isso é que nós propomos, por exemplo, a contratação de 2000 novos médicos para o Serviço Nacional de Saúde, com certas condições de carreira e a abertura negocial com os sindicatos, obviamente, porque senão o concurso fica deserto. Eu falo dos médicos porque eu sou médico. Isso fica a 100 milhões de euros por ano. Mais uma vez, 100 milhões de euros em 4 mil milhões de euros é inferior a 10%; portanto, são escolhas políticas, escolhas sobre o que fazer com o que sobra do exercício orçamental. Fernando Medina preferiu fazer um brilharete em Bruxelas, reduzir a dívida para baixo de 100%; aquilo que nós dizemos é que é possível um caminho em que se reduza menos a dívida, em que o excedente orçamental seja menor, em que os juros da dívida vão descendo mas mais lentamente, respeitando aquele que neste momento está em crise, que é o Estado Social, nomeadamente a saúde.
HN – Também abordam no vosso programa a comparticipação de medicamentos e produtos essenciais. Peço-lhe que juntemos este ponto às medidas que propõe para que o país não fique “refém da indústria farmacêutica”, em que destaco o investimento no Laboratório Nacional do Medicamento. Gostaria que nos dissesse se há aqui novidades ou alterações importantes.
BM – São dois assuntos diferentes. Independentemente da questão das farmacêuticas, os mais idosos (que normalmente são pessoas com pluripatologia, portanto fazem imensos medicamentos), quando têm baixas pensões, são muitas vezes confrontados com a escolha de ou pagar a casa ou pagar os medicamentos, ou pagar a comida ou pagar os medicamentos. Aquilo que nós propomos é que as pessoas idosas na situação de pluripatologia, com doença crónica, tenham maior comparticipação desses medicamentos – que chegue aos 95%. É uma questão de ajudar o Estado a suportar aqueles que são mais onerados com a despesa em medicamentos.
Depois há uma outra questão. Nós temos visto ao longo dos últimos anos falta de medicamentos em Portugal. Na minha área, faltam antiparkinsónicos, e isto acontece em relação a muitas outras doenças crónicas. Os medicamentos falham porque o mercado português é pequeno e os medicamentos são baratos, porque já perderam a patente, e, portanto, as farmacêuticas não têm interesse em comercializá-los em Portugal. Aquilo que nós dizemos é muito simples: se o Estado não pode obrigar as farmacêuticas a comercializar em Portugal medicamentos essenciais, então, aquilo que o Estado deveria fazer era investir em capacidade própria para produzir alguns medicamentos.
Não estamos a propor que o Estado português substitua a indústria farmacêutica toda, mas que o Estado, através de investimento no laboratório militar ou, até, criando uma nova estrutura, consiga produzir esses medicamentos essenciais em situações de falha. Não só está a fazer um serviço a uma série de doentes crónicos que não podem ficar sem medicação, como está a dar um sinal à indústria farmacêutica de que ou respeita o mercado português, ou seja, os doentes portugueses, e não permite falhas no fornecimento dos seus medicamentos, ou então há aqui uma alternativa que para nós é muito mais barata, que serve na mesma os doentes e que vai prejudicar a indústria farmacêutica do ponto de vista comercial. Esse é um jogo que o Estado português pode e deve fazer, servindo as pessoas, podendo até poupar custos para o futuro.
HN – Que medidas apresentam para financiar o SNS? Peço especial atenção a uma das vossas propostas: “Revogar o decreto-lei que regula as parcerias de gestão na área da saúde e abre portas a novas parcerias público-privado no SNS, da legislação que permite a privatização dos cuidados de saúde primários através das USF-C e do decreto-lei que cria as novas ULS, que concentra recursos e afasta os serviços das populações”. O Tribunal de Contas emitiu um relatório em 2021 que diz que as PPP geraram centenas de milhões de poupança e tiveram níveis de excelência clínica. Contudo, o programa eleitoral do Bloco diz que as PPP foram prejudiciais. E em relação às ULS, o Bloco não acredita nessa solução?
BM – É preciso perguntar aos especialistas da área exatamente o que é que aquilo significa. Eu passo a explicar: mitos sobre as parcerias público-privadas. Em primeiro lugar, elas não acabaram porque o Partido Socialista não as quis, elas acabaram porque os parceiros privados não quiseram renovar o contrato. Para os valores que o Estado oferecia, que eram aqueles que podia pagar e que permitiam a tal poupança de que fala o Tribunal de Contas, os parceiros privados disseram: não queremos.
Segundo mito que convém desfazer… É evidente que os hospitais em parceria público-privada pouparam dinheiro, mas é preciso ler o relatório do Tribunal de Contas. Aliás, são vários relatórios, há um relatório em 2009, há um em 2016 e há agora este, e em todos eles, para além da poupança em termos de dinheiro, está lá explicado muito bem porque é que esse dinheiro foi poupado.
Por exemplo, o Tribunal de Contas diz claramente que a contratualização de serviços entre o Estado e o Hospital de Braga ficou 26% abaixo daquilo que eram as necessidades da população que o hospital servia. Ninguém fala disto na comunicação social, mas está lá escrito. Quer dizer que o Grupo Mello, naquele caso, e o mesmo aconteceu nas outras parcerias público-privadas, contratualizou menos serviços que aquilo que ia ser solicitado a fazer, portanto poupou dinheiro, claro. Esses 26% dos cuidados de saúde que não foram contratualizados pelo parceiro privado – erro do Estado também, obviamente – foram desviados para hospitais públicos vizinhos. Por exemplo, os doentes que não eram atendidos no Hospital de Braga, para vários procedimentos, por exemplo tratamento de AVC agudo, que no início eles recusavam-se a fazer, ou, no caso de Cascais, tratamentos de VIH e tratamentos oncológicos, eram desviados para hospitais públicos. Por exemplo, o Hospital de Braga desviava estes doentes para o Porto, que eram doentes caros. Um tratamento de um AVC agudo é dispendioso.
Isto está comprovado em quatro multas que a ARS do Norte passou ao Hospital de Braga. São quatro multas de dois milhões de euros cada, precisamente pelo Hospital de Braga desviar doentes da área para o Hospital de São João. Assim é muito fácil poupar dinheiro, quando nós desviamos os doentes mais caros para o hospital público. Portanto, o Estado pode ter poupado dinheiro em Braga, mas foi gastá-lo no Hospital de São João do Porto. O Tribunal de Contas faz uma avaliação de cada uma das PPP, mas não faz uma avaliação global daquilo que poupa ou não poupa para o Estado aquele esquema.
Isto é difícil de explicar, é preciso algum tempo para nós, com os dados que temos, conseguirmos explicar isto às pessoas. Mas a direita não está preocupada em explicar nada às pessoas. A direita está preocupada em entregar a gestão dos hospitais públicos à sua clientela de grandes grupos económicos privados e, portanto, não quer fazer esta discussão. O Reino Unido, nos anos 90, teve PPP na saúde, que voltaram atrás pelo mesmo motivo, o parceiro privado não quis continuar. As PPP não são rentáveis para o parceiro privado quando são bem feitas. Portanto, a direita só tem uma forma de fazer PPP, é pagar muito mais do que aquilo que já se pagou ao parceiro privado, e aí não há poupança para ninguém, nem para o Estado, nem para aquela região, nem para o Serviço Nacional de Saúde.
HN – E em relação às ULS?
BM – O Bloco nunca tomou uma posição frontalmente contra as ULS porque para nós o que é evidente é que, embora seja um tema importante, sobre o qual nós temos que falar, não é aí que está o problema e não é na organização que vamos resolver os nossos problemas. Os nossos problemas são de recursos humanos. A organização em ULS não vai trazer nenhum tipo de resolução. Já há sete ULS no país e não têm menos problemas do que os hospitais geridos em EPE. O Governo gosta muito de usar o exemplo da ULS de Matosinhos, que é um bom exemplo, tem bons resultados, mas depois há outras seis ULS que o Governo não usa como exemplo porque sabe que não têm os mesmos bons resultados.
Portanto, a questão das ULS é uma questão de organização. Pode ter vantagens, nomeadamente os centros de saúde ou as USF poderem fazer exames complementares de diagnóstico no hospital, em vez de terem que contratualizar com o privado; pode ser mais fácil uniformizar os processos informativos entre hospital e centro de saúde (espero que isso se traduza na prática); no entanto, a ULS não resolve o problema principal do Serviço Nacional de Saúde, que é a falta de recursos humanos.
HN – Quer destacar outras medidas para financiar o SNS?
BM – Nós defendemos um Serviço Nacional de Saúde financiado pelo Orçamento de Estado. Das experiências internacionais que existem, é isto que tem os melhores resultados. Os sistemas mais privatizados têm mais problemas; são mais caros e têm piores indicadores de saúde. Portugal tem problemas, o Serviço Nacional de Saúde tem problemas, mas não é desistindo do Serviço Nacional de Saúde, que é o que propõe a direita com a entrega de uma parte importante aos privados, que os vamos resolver; pelo contrário, é só uma morte mais rápida.
Nós estamos a dizer para olharmos para os problemas atuais e aplicarmos as soluções que já sabemos que existem, que foi isso que o Partido Socialista não fez durante este período de maioria absoluta. Não quis negociar com o Bloco nenhuma das questões da saúde e não quis implementar nenhuma das soluções, que não somos nós que apresentamos, é uma parte importante dos administradores e dos profissionais de saúde que têm falado nisto: valorizar as carreiras dos profissionais para os conseguir fixar e reter no Serviço Nacional de Saúde.
HN – Propõem regular o funcionamento do setor privado. Que tipo de relação entre público e privado defende o Bloco?
BM – O setor privado sempre existiu. Já existia antes do Serviço Nacional de Saúde e tem funcionado – ou inicialmente a ideia era essa, quando se criou o SNS – em complementaridade. Está correto, faz sentido. Aquilo que tem acontecido ao longo das últimas décadas é a substituição da complementaridade por parasitismo, ou seja, houve um momento em que, para além da complementaridade, aquilo que aconteceu foi que o setor privado começou a contratar cada vez mais profissionais de saúde, começou a criar as condições no Serviço Nacional de Saúde para que o Estado pudesse fazer cada vez mais convenções, contratasse cada vez mais serviços ao privado.
Isto neste momento é um círculo vicioso, porque o privado investe em contratar profissionais de saúde, o SNS perde profissionais para o privado, fica a falhar em muitas áreas, nomeadamente nas listas de espera para consultas e cirurgias, e é obrigado a contratualizar ao privado aquilo que está em falta ou em atraso; o privado, com essas contratualizações, ainda investe mais, ainda vai buscar mais profissionais de saúde ao SNS. É preciso parar, e só o conseguimos se investirmos no Serviço Nacional de Saúde, contratando profissionais.
Não há nenhum problema com o privado. O Bloco não quer é que o privado continue a crescer, e cresce como cogumelos, como toda a gente vê nas suas cidades, à custa da desgraça do Serviço Nacional de Saúde – porque é isso que tem acontecido. Nós queremos que o privado possa fazer a sua atividade em perfeita liberdade económica e concorrência uns com os outros, mas queremos isso em águas separadas: o que é publico é público, o que é privado é privado. Aquilo que nós propomos é que, da parte da regulamentação do privado, nós saibamos o que é que os privados fazem, porque isto acontece em quase todas as atividades económicas. Nós precisamos de saber os números deles, precisamos de saber qual é a eficiência e eficácia daquilo que fazem. Nós precisamos de saber se eles têm mais ou menos taxas de complicações do que o público e entre eles. Esses dados precisam de ser conhecidos, até para dar liberdade às pessoas para poderem escolher corretamente, com a informação toda, qual é o serviço que querem contratualizar.
O Serviço Nacional de Saúde, hoje em dia, publica praticamente todos os seus resultados. É evidente que faltam imensos dados do SNS, mas aqueles que é possível coletar e publicar estão no Portal da Transparência, com todas as falhas que existem. Nós exigimos que o privado também o faça para que nós saibamos exatamente o que é que se passa e para que o SNS possa saber que tipo de investimentos é que precisa de fazer em termos de planeamento para o futuro, recursos humanos, etc. É isso que defendemos, clareza e transparência na atividade do privado, exigindo ao mesmo tempo clareza e transparência da parte do SNS.
HN – Cuidados continuados e paliativos são uma grande fragilidade em Portugal. Qual é a proposta do Bloco para inverter o cenário?
BM – Eu incluo isso na questão do Serviço Nacional de Cuidados, que é a proposta do Bloco: a criação de um Serviço Nacional de Cuidados. Isto significa ter estruturas públicas para prestarem cuidados na infância, na velhice, na dependência e na doença crónica. Aquilo que nós temos hoje é um serviço prestado à custa dos privados ou do setor social, que está restrito a quem pode pagar – a maioria não tem acesso aos cuidados paliativos e aos cuidados continuados. Nós reconhecemos a importância do setor social, que tem uma grande experiência nesta área, mas não chega para todos. E nós não podemos estender o setor social porque o setor social existe onde é possível existir.
Por isso é que nós queremos uma rede pública de lares, uma rede pública de cuidados paliativos e continuados e uma rede pública de creches, porque aí há uma obrigação do Estado de chegar a todo o lado e a toda a gente, obrigação que o setor social não tem. Portanto, respeitando o setor social, defendendo que o Estado deve colaborar com o setor social na prestação desses cuidados, temos que ir mais além: temos que criar uma rede pública, que pode integrar esses cuidados da rede social, mas tem uma outra função, que é chegar a toda a gente sem discriminação, geográfica, por exemplo, mas, sobretudo, económico-social.
HN – Querem acabar com a institucionalização das pessoas com deficiência como uma resposta quase imediata e habitual. Quais são os objetivos do Bloco relativamente a este grupo?
BM – Nós temos muitas pessoas com deficiência e incapacidade que são institucionalizadas e não precisavam de o ser. Mais uma vez, a nossa proposta é a rede nacional de cuidados; investir em soluções que permitissem a autonomia dessas pessoas, como por exemplo assistentes pessoais. As pessoas com deficiência podem viver melhor, sobreviver autonomamente recorrendo a assistentes pessoais, mas não há assistentes ou há muito poucos. Aquilo que o Estado tem que fazer é, com o objetivo da autonomização e da desinstitucionalização, promover essas respostas sociais, que passam por várias coisas, obviamente: assistentes pessoais, mas também muitas outras coisas a nível de políticas de emprego que sejam inclusivas, envolve restruturação das cidades do ponto de vista arquitetónico. Há todo um conjunto de coisas que precisamos de fazer para apostar nesta desinstitucionalização. Esse caminho, fizemo-lo em parte na doença mental; acho que temos de o fazer também no caso das pessoas que vivem com deficiência física.
HN – Vários especialistas na área da saúde dizem que temos um “serviço nacional da doença”, não um Serviço Nacional de Saúde. Quais são as ideias do Bloco para a prevenção da doença? Envolve políticas para a educação e literacia em saúde?
BM – É verdade, nós na prática temos um serviço nacional da doença. Isto também por muita culpa do privado, porque não há mercado suficiente para a medicina da prevenção no setor privado. Há muito interesse na doença, do ponto de vista não só das instituições privadas que prestam cuidados mas também das farmacêuticas, porque é o que é rentável. Portanto, só do setor público é que pode vir uma política a sério de investimento na prevenção da doença.
Eu diria que há medidas diretas e medidas indiretas. As medidas diretas são o investimento nos cuidados primários de saúde e o investimento na saúde pública. Ou seja, nós precisamos de ter de facto médicos de família para toda a gente, equipas de saúde familiar que cheguem a toda a gente e precisamos de um grande investimento na saúde pública. Quando falamos em saúde pública, falamos também nas escolas, em chegar aos vários setores da sociedade para dinamizar programas de prevenção.
As medidas indiretas são mais complicadas de explicar. Isso passa por medidas de combate à pobreza, para começar. O Professor Henrique Barros diz, e tem razão, que a pior doença é a pobreza. E nós temos de investir aí. Nós temos de ter políticas eficazes de combate à pobreza e políticas de emprego. Basta ouvir Pedro Morgado, que é o coordenador da saúde mental da ARS do Norte: quem tem empregos precários, quem vive em sobressalto, quem não tem segurança laboral tem necessariamente pior saúde mental. E, portanto, ter políticas de estabilidade e de segurança no trabalho, ao mesmo tempo que se tem o direito de desligar do emprego (que se chama direito de desconexão), direito ao horário de trabalho, direito a recusar fazer horas extraordinárias, para ter uma vida privada saudável: tudo isso faz parte de políticas para a saúde também, e isso também está no nosso programa.
A política de cuidados é também uma política de prevenção. Se tivermos o Serviço Nacional de Cuidados, se tivermos uma boa política de cuidados, vamos estar a prevenir aquilo que é a doença do cuidador, que é mais um flagelo que vivemos em Portugal. Nós temos 800 mil cuidadores informais em Portugal. Estas pessoas vivem em riscos para a sua própria saúde brutais, de saúde mental e de saúde física. Tudo isto são políticas que eu chamei de medidas indiretas, mas que na verdade são políticas que apostam na saúde. Hoje falamos nos determinantes sociais da saúde. Isso é verdade, mas isso passa por políticas de emprego, passa por políticas de educação, passa por políticas de habitação. Quem não tem direito a uma habitação salubre está em maior risco de saúde. Passa por toda uma série de políticas que investem no bem-estar comum, que previnem a doença, que permitem às pessoas continuar a viver em estado de saúde.
Entrevista de Rita Antunes
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