A Assembleia da República aprovou hoje a utilização de canábis para fins medicinais, na votação final global de um texto da comissão parlamentar de Saúde, originado por projetos de lei de BE e PAN.

O documento, que reforça o papel do Infarmed e introduz a possibilidade de o Laboratório Militar contribuir para a produção das substâncias em causa, já sem a proposta inicial do BE de legalização do auto cultivo, teve votos favoráveis de PSD, PS, BE, PCP, PEV, PAN e a abstenção do CDS-PP.

O texto estipula que deve ser um médico a prescrever este tipo de medicamentos ou preparações à base da planta da canábis, em que são consideradas substâncias que vão desde os óleos até à flor desidratada, mas só se outras terapêuticas convencionais tiverem efeitos adversos ou indesejados.

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As reações e os avisos dos deputados

O deputado bloquista Moisés Ferreira congratulou-se porque "valeu a pena" a discussão da questão no parlamento e com o facto de a aprovação do diploma ir beneficiar, "com uma terapêutica eficaz para muitas doenças, finalmente acessível em farmácia para muitos doentes".

"O processo de especialidade e as audições que fizemos deram razão ao BE, tanto que partidos que diziam que não era preciso lei nenhuma, como o PCP, agora acabaram por aprovar também este projeto de lei", declarou o parlamentar do BE, esclarecendo que o partido não vai insistir, para já, na questão do auto cultivo.

A regulamentação do uso terapêutico de canábis não pode, em quaisquer circunstâncias, ser utilizada para legitimar ou favorecer o seu uso recreativo

"O PAN está feliz com a aprovação da lei, principalmente com o debate plural e democrática, que, infelizmente não conseguiu dar corpo a tudo quanto queríamos, mas já é um passo em frente porque há o reconhecimento de que a canábis tem benefícios para a saúde das pessoas", disse a dirigente do PAN Cristina Rodrigues, insistindo que se deve regulamentar o auto cultivo e criticando a obrigação de esgotar todas as possibilidades antes de um médico receitar canábis.

O PCP sublinhou ter conseguido, em iniciativas de alteração em sede de especialidade, ressalvar questões de segurança, nomeadamente a obrigação de participação da autoridade do medicamento (Infarmed) e do Laboratório Militar.

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"A regulamentação do uso terapêutico de canábis não pode, em quaisquer circunstâncias, ser utilizada para legitimar ou favorecer o seu uso recreativo ou negligenciar o estudo dos efeitos do consumo na saúde dos cidadãos ou diminuir o investimento público na prevenção ou recursos públicos na área da toxicodependência", afirmou a comunista Carla Cruz.

O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, manifestou-se em janeiro, pela primeira vez de forma pública, a favor da canábis para fins terapêuticos, desde que bem regulada e com enquadramento rigoroso.

O que prevê a lei agora aprovada?

O texto estipula que a canábis só poderá ser consumida de forma medicinal com receita médica e comprada em farmácias. Os medicamentos comercializáveis terão de ter autorização prévia do Infarmed.

O Estado poderá ele próprio produzir medicamentos, através do Laboratório Militar. O diploma também diz que o Estado deve "estimular" a investigação científica neste campo.

A legislação não permite, porém, a produção caseira da planta (auto cultivo) nem a realização de preparados domésticos.

A lei vai entrar em vigor no dia 1 de julho e o Governo terá 60 dias para a regulamentar.

A posição do Infarmed

A presidente do Infarmed defendeu, desde o início da discussão parlamentar, o uso da canábis como medicamento, desde que em condições específicas e controladas e não através de auto cultivo.

"Penso que seria fantástico para algumas pessoas e patologias, haver acesso", mas com "cultivo controlado, prescrição médica, acompanhamento médico" e venda em farmácia, disse Maria do Céu Machado, em fevereiro, no Parlamento.

A presidente do Infarmed sugeriu, na altura, a criação de um gabinete específico de acompanhamento dentro do Infarmed. Ouvida pelos deputados, Maria do Céu Machado frisou que as propriedades da planta são conhecidas há séculos e referiu que a mesma tem mais de 400 constituintes e 60 canabinoides, sendo que os constituintes variam consoante as condições em que é cultivada.

A presidente da Autoridade do Medicamento insistiu sempre na questão da segurança da planta, porque a mesma se contamina muito facilmente com metais pesados, fungos e pesticidas e o Infarmed, assegurou, não tem capacidade para controlar cada cultivo particular. “Num medicamento interessa a eficácia, a qualidade e a segurança. Coloca-se o problema da qualidade e da eficácia. Se não for regulado o cultivo a planta facilmente se contamina”, alertou.

O que diz a Ordem dos Médicos?

A Ordem dos Médicos reconhece que existe forte evidência da eficácia da canábis nalguns usos terapêuticos, mas defende que a sua prescrição deve ser exclusivamente médica, enquanto medicamento e não na forma fumada.

Num parecer do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos, elaborado a pedido do bastonário Miguel Guimarães, é dito que a evidência atual "permite considerar a potencial utilização [da canábis]" nalguns casos, como no alívio da dor crónica em adultos, como anti-vómito no tratamento do cancro, na esclerose múltipla ou no controlo da ansiedade.

Farmacêuticos contra

A Ordem dos Farmacêuticos manifestou-se sempre contra o uso terapêutico da canábis, alegando falta de dados científicos que comprovassem a sua eficácia e segurança. Segundo este organismo, o cultivo - que não está previsto na nova lei aprovada - e a utilização da planta da canábis é "uma não solução" e representa "deixar os doentes abandonados à sua sorte".

O bastonário Félix Carvalho defende que o que tem sido estudado é a eficácia dos canabinoides em medicamento, não havendo adequadas avaliações de risco e benefício para a planta da canábis.

Com Lusa 

última atualização às 15h36