Em entrevista ao HealthNews, a especialista sublinhou a necessidade de haver uma maior educação para os efeitos nefastos da privação do sono na saúde das populações.

HealthNews (HN) – O atual estilo e ritmo de vida tem conduzido a um aumento dos distúrbios do sono. Qual a importância de garantir uma boa noite de sono?

Ana Rita Peralta (ARP) – A importância é enorme. Há riscos resultantes de uma privação aguda de sono, como quando ficamos uma noite sem dormir ou dormir poucas horas. É o caso das alterações cognitivas, tais como alterações de atenção, concentração, memória, tendência para uma maior impulsividade, menor julgamento do risco e dificuldades de raciocínio abstrato.

Hoje em dia, há também cada vez mais pessoas com privação crónica de sono. Isso significa ficar vários dias, meses ou anos a dormir menos do que aquilo que deveríamos. Por exemplo, dormir diariamente menos de seis horas. Há vários estudos de alertam para o impacto desta privação crónica na saúde das pessoas, pois pode aumentar o risco de eventos cardiovasculares, metabólicos, obesidade e alterações cognitivas, propiciando, por exemplo, o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como a doença de Alzheimer. Associa-se também a um aumento da mortalidade. Por outro lado, a privação do sono pode aumentar o risco de patologias psiquiátricas, nomeadamente a ansiedade.

Uma das outras consequências fundamentais da privação aguda ou crónica de sono é um marcado aumento de risco de acidentes, sejam eles pessoais, profissionais ou de viação.

HN – E quais os efeitos da insónia e do sono de curta duração no nosso organismo?

ARP – É importante esclarecer que insónia é diferente de privação do sono. Quando uma pessoa sofre de insónia quer dizer que existe uma oportunidade para dormir, mas a pessoa não consegue iniciar ou manter o sono durante esse período e isso traz consequências no funcionamento do dia-a-dia. A privação de sono deve-se, muitas vezes, a uma decisão comportamental de dormir menos horas do que o necessário.

Portanto, é uma patologia com consequências distintas. As principais consequências da insónia são uma má qualidade de vida, queixas de humor e queixas cognitivas durante o dia, para além do risco de acidentes e absentismo laboral. As pessoas com insónia têm maior risco de desenvolver patologia psiquiátrica, como a depressão.

HN – Um inquérito realizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia alerta que metade dos portugueses têm sono insatisfatório ou de má qualidade. Como olha para este cenário?

ARP – Se esses dados se basearem num estudo de uma amostra representativa da população portuguesa, significa que estamos perante um valor preocupante. Ter um sono insatisfatório não significa apenas ter dormido poucas horas, pode também significar a presença de uma patologia subjacente que o torna sono de má qualidade.

HN – Uma maior intervenção sobre a origem das perturbações deveria ser impulsionada?

ARP – Se metade da população tem sono insatisfatório, significa que temos de intervir a vários níveis. Temos de educar as pessoas para os riscos da privação do sono e para a importância de garantir o número correto de horas de sono. As pessoas com queixas de sono devem ser avaliadas em consultas médicas, por médicos com formação na avaliação destes problemas. Existe uma competência específica de Medicina de Sono na Ordem dos Médicos em Portugal. A formação nesta vertente da medicina é especializada e transversal a diversas especialidades médicas. Pode ser necessário que estas pessoas realizem exames médicos dirigidos, de maneira a perceber a causa do sono insatisfatório ou de má qualidade. Termos mais de cinquenta por cento dos portugueses com estas queixas é uma percentagem muito elevada. Provavelmente existem muitas pessoas que têm patologias do sono que seriam potencialmente tratadas e que não o estão a ser.

HN – O consumo de medicamentos e suplementos para dormir tem vindo a aumentar. Esta tendência pode comportar riscos para a saúde?

ARP – O tratamento do sono nunca deve ser feito com suplementos alimentares ou fármacos prescritos sem ser no contexto de uma consulta médica. E porquê? Porque na maior parte das vezes estamos a falar de pessoas que têm insónia, que não pode ser tratada apenas assim. Em muitos casos, a manutenção das queixas de insónia de forma crónica está relacionada com hábitos e com ideias e conceitos que as pessoas criam sobre o sono e a insónia, que têm que ser tratados e discutidos com um terapeuta ou um médico. O tratamento da insónia tem como pilar a terapia cognitivo-comportamental. A terapêutica farmacológica está reservada para casos selecionados e para o tratamento de comorbilidades.

HN – Mas falando especificamente sobre os riscos para a saúde…

ARP – Há vários suplementos que são sugeridos no tratamento da insónia e que têm pouca evidência de eficácia nesta patologia. Uns dos fármacos mais utilizados são as benzodiazepinas. Estes fármacos são eficazes a curto prazo, mas criam tolerância. Isto significa que numa fase inicial o doente até sente algum efeito terapêutico, mas rapidamente deixa de ser eficaz, levando a aumentos progressivos da dose. Por outro lado, estes fármacos também criam uma habituação muito forte, com síndromes de privação de sono potencialmente graves. São medicamentos que não podem ser interrompidos de um momento para outro.

HN – E a longo prazo?

ARP – A utilização destes medicamentos a longo prazo pode associar a sedação, queixas cognitivas, risco de acidentes, risco cardiovascular, aumento do risco de quedas durante à noite, aumentando, por sua vez, o risco de fazer uma fratura ou alguma complicação traumática.

HN – A toma destes medicamentos pode mascarar problemas de saúde mais graves? Digo isto porque 25% das insónias estão relacionadas com outras doenças, como a ansiedade e a depressão.

ARP – A insónia pode ser um sintoma de outras doenças, mas há sempre outros sintomas associados que nos permitem fazer o diagnóstico. Geralmente, o problema não é mascarar outra patologia, mas sim ser um tratamento ineficaz.

A insónia deve ser considerada uma patologia em si mesmo e não deve ser considerada secundária a outras patologias. Pode estar, no entanto, associada a outras patologias, como a depressão, a apneia do sono e muitas outras. O tratamento da insónia deve ser dirigido à insónia propriamente dita, para além de qualquer outra patologia que a pessoa tenha. Se eu tiver um doente que tem uma perturbação depressiva, mas também tem insónia, devo tratar ambas as situações. Esta abordagem tem benefício para o controlo da depressão e da insónia.

HN – No âmbito do Dia Mundial do Sono, quais as recomendações que gostaria de deixar para garantir uma boa higiene do sono?

ARP – As principais recomendações passam por escolher horários de sono estáveis e que sejam adequados ao seu cronótipo; criar um ambiente calmo e silencioso para dormir; ter atenção à bebida e à alimentação que faça antes de ir para a cama; evitar realizar qualquer tipo de atividades no quarto, de forma a que o nosso cérebro associe este espaço ao sono. É muito importante também manter atividade física regular e exposição solar durante o dia.

Entrevista de Vaishaly Camões