
Healthnews (HN) – Como é que a colaboração entre diferentes especialidades médicas (como neurologia, pneumologia, psicologia ou otorrinolaringologia) contribui para um diagnóstico e tratamento mais eficaz das perturbações do sono, como a apneia ou a insónia?
Ana Catarina Brás (ACB) – A colaboração entre diferentes especialidades médicas na Medicina do Sono contribui para um diagnóstico e tratamento mais eficaz das perturbações do sono porque a causa é, muitas vezes, multifatorial e a sua abordagem clínica deve ser multifacetada. A interação das diferentes especialidades que constituem a equipa multidisciplinar permite uma abordagem holística, proporcionando um diagnóstico mais abrangente, uma vez que cada especialidade tem a sua perspetiva em relação às patologias do sono, facilitando, deste modo, um tratamento mais personalizado.
Por exemplo, no caso da apneia do sono, a partir do momento em que é diagnosticada num laboratório de sono, se for grave ou se o doente apresentar várias comorbilidades, o médico Pneumologista pode iniciar terapia com CPAP (pressão positiva contínua das vias respiratórias), ou se a gravidade da apneia for ligeira, a Medicina Oral pode ser fundamental no desenvolvimento de dispositivos orais que ajudam na abertura das vias aéreas durante o sono. Nalguns casos mais selecionados, o apoio do Otorrinolaringologista ou da Cirurgia maxilo-facial tem um papel relevante. Nalgumas situações, o apoio da Psicologia do Sono é fundamental para o desenvolvimento de estratégias no sentido de aumentar a adesão dos doentes ao tratamento instituído. A promoção de estilos de vida saudável e a perda de peso também fazem parte do plano de tratamento da apneia do sono.
Quanto à insónia, na maioria das vezes existem aspetos emocionais (como a ansiedade ou a depressão), que frequentemente são o substrato para a insónia. Nestas circunstâncias, o tratamento requer terapia cognitivo-comportamental para a insónia, sendo fundamental o papel da Psicologia/Psiquiatria. Noutras situações específicas, a insónia decorre de uma doença médica, neurológica ou psiquiátrica, sendo então relevante o papel da equipa multidisciplinar na abordagem terapêutica.
HN – Quais são os maiores desafios na implementação de equipas multidisciplinares em unidades de sono em Portugal, considerando a necessidade de coordenação entre profissionais de saúde com formações distintas?
ACB – A implementação de equipas multidisciplinares em unidades de sono em Portugal traz muito benefícios, mas também apresenta desafios, nomeadamente na gestão de tempo, disponibilidade e, principalmente, na coordenação entre os diferentes profissionais. Para ultrapassar algumas dificuldades inerentes, importa realizar reuniões regulares para a discussão de casos, discussão/diálogo entre os profissionais da equipa multidisciplinar, para criar protocolos de abordagem, diagnóstico e plano terapêutico estruturado.
A consciencialização dos profissionais de saúde sobre a diversidade das perturbações do sono, a sua complexidade diagnóstica, permite alertar para a necessidade de criar, a nível nacional, mais equipas multidisciplinares na integração e abordagem das perturbações do sono.
HN – De que forma é que a integração de áreas não médicas, como a nutrição ou a fisioterapia, pode complementar o acompanhamento de doentes com patologias do sono crónicas?
ACB – Uma equipa multidisciplinar na área de Medicina do Sono é composta por profissionais de diferentes áreas da saúde de forma a proporcionar o melhor acompanhamento para o doente com distúrbio do sono. A incorporação na equipa multidisciplinar de outras áreas da saúde, como nutrição ou fisioterapia, é fundamental para complementar o tratamento de patologias do sono. Ensinar e incentivar o doente para praticar estilos de vida saudável, nomeadamente no que diz respeito a hábitos alimentares saudáveis, por exemplo, evitar refeições copiosas, evitar alimentos ricos em hidratos de carbono ou evitar a toma de estimulantes perto da hora de deitar, permite melhorar grandemente a qualidade do sono. A área da fisioterapia tem um papel relevante no ensino de técnicas de relaxamento e de exercícios que permitem reduzir a ansiedade na hora de dormir e permite o ensino de determinados exercícios respiratórios controlados que ajudam a melhorar a função respiratória.
HN – A APS destaca a importância da educação do doente para o sucesso terapêutico. Como é que uma equipa multidisciplinar pode melhorar a comunicação e a adesão do doente aos tratamentos propostos?
ACB – Uma equipa multidisciplinar, integrando médicos de diferentes especialidades, psicólogos, nutricionistas, entre outros, como vimos, permite abordar as diferentes patologias do sono de uma forma mais abrangente, conciliando diferentes fatores, nomeadamente físicos, emocionais e comportamentais. A educação do doente deve ser uma das tarefas primordiais da equipa multidisciplinar, alertando para a importância do sono e para o bem-estar físico e mental, para os efeitos da privação crónica de sono, e ainda para a necessidade de diagnóstico das perturbações do sono e para o seu tratamento atempado. O follow-up regular dos doentes com perturbações do sono é fundamental, por exemplo, insónia, perturbações do ritmo circadiano e apneia do sono, dado que permite um melhor acompanhamento e monitorização, garantindo a adesão à terapêutica instituída.
HN – Que passos considera essenciais para fortalecer a formação em Medicina do Sono em Portugal, de modo a preparar futuros profissionais para trabalharem em equipas multidisciplinares, tanto no SNS como no setor privado?
ACB – A formação em Medicina do Sono em Portugal deveria começar no curso de Medicina como parte do ensino obrigatório e ser abordada de forma sistemática nas valências de Neurologia, Pneumologia, Psiquiatria entre outras disciplinas. No âmbito do internato destas mesmas especialidades médicas, deveriam ser promovidos estágios de Medicina do Sono. É essencial criar mais centros de referência nacionais de Medicina do Sono, porque a interdisciplinaridade é fundamental, promovendo a colaboração entre neurologistas, pneumologistas, psiquiatras e outros profissionais de saúde para uma abordagem, diagnóstico e tratamento integrado das perturbações do sono. Deveriam ser criados incentivos públicos e privados para melhorar a estrutura, equipamentos avançados e recursos humanos capacitados para os Laboratórios do Sono de forma a garantir a acuidade de diagnóstico e tratamento e garantir o acesso da população.
Creio que se está a fazer caminho para uma consciencialização cada vez maior de que a qualidade do sono é crucial para uma boa saúde mental e de que as patologias do sono podem ser causa ou consequência de várias outras doenças.
Entrevista MMM
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