Healthnews (HN) – Quais são as perturbações do sono mais prevalentes na população adulta em Portugal e que fatores contribuem para a sua elevada incidência?

Teresa Costa (TC) – As perturbações do sono mais prevalentes em Portugal, no adulto, são, a par do que acontece no mundo ocidental, a apneia obstrutiva do sono, a insónia, e o sono insuficiente. Os hábitos e estilos de vida do mundo ocidental, muito associados ao sedentarismo e má alimentação, estão relacionados com a obesidade. Segundo dados da OMS de 2022, 43% da população adulta tem excesso de peso, e 16% são obesos; estes valores têm vindo a crescer ao longo das últimas décadas, e a obesidade é um dos principais fatores de risco para a apneia obstrutiva do sono, o que significa que teremos cada vez mais doentes. Se juntarmos a isto hábitos como o tabagismo ou o consumo de álcool, o stress, e o elevado número de horas de trabalho, temos uma mistura “perfeita” para a ocorrência destes distúrbios

HN – De que forma é que o estilo de vida moderno, incluindo o stress profissional e a exposição a dispositivos eletrónicos, está a afetar a qualidade do sono dos adultos?

TC – O estilo de vida dito moderno é muitas vezes sinónimo de sobrecarga laboral, o que até é visto por algumas culturas como algo positivo. No entanto, a sobrecarga quer em termos de número de horas de trabalho, quer em termos de intensidade ou de preocupações laborais, condiciona um aumento do tempo do nº de horas no trabalho ou mesmo já em casa. Este número de horas de trabalho cresce muito para lá do horário de trabalho semanal previsto, à custa do tempo que deveria ser de lazer, tempo passado em família, e muitas vezes do tempo que deveria ser alocado para dormir. Isto leva frequentemente à privação crónica de sono, ou sono insuficiente. Outras vezes, até há disponibilidade para dormir um número de horas adequado, mas pode haver dificuldade em iniciar ou em manter o sono (a insónia), porque de facto há dificuldade em conseguir desacelerar, em “desligar” o cérebro do stress do dia a dia. A exposição aos dispositivos eletrónicos também tem uma influência negativa no sono, já que a exposição à luz com comprimento de onda azul que estes dispositivos emitem atrasa a libertação da principal hormona do sono, a melatonina, protelando assim o início do sono.

HN – Que estratégias práticas recomendaria aos profissionais de saúde para identificar e abordar problemas de sono em consulta de rotina, especialmente em adultos com rotinas exigentes?

TC – Sugeria algumas perguntas-chave de forma a perceber, por um lado, os hábitos e estilos de vida: horas de deitar e levantar e regularidade das mesmas, número de horas de trabalho por dia e por semana, o consumo de tabaco, álcool ou outras substâncias de abuso, os horários das refeições, atividade física e a exposição aos écrans nas horas que antecedem o horário de dormir; e por outro, a pesquisa de eventuais distúrbios do sono: se tem dificuldade em iniciar ou manter o sono, se ressona ou se alguém já objetivou paragens respiratórias durante o sono, se tem a sensação de sono reparador ou se por outro lado acorda cansado, e se sente sonolência excessiva durante o dia. A Escala de Sonolência de Epworth é uma escala simples que permite rapidamente identificar a existência de sonolência durante o dia, sendo uma pontuação elevada um sinal de alerta para detalhar de forma mais precisa as potenciais causas.

HN – Qual é o papel da higiene do sono na prevenção de distúrbios crónicos e como pode esta ser adaptada a diferentes perfis de adultos (ex.: trabalhadores por turnos)?

TC – A higiene do sono consiste num conjunto de práticas diárias com o objetivo de que o sono seja mais descansado e eficaz, procurando que ele tenha a duração e a qualidade suficiente. Um adulto saudável tem uma necessidade aproximada de dormir 7 a 9 horas por noite. Para além de alocar o tempo necessário, procura-se que haja uma melhor educação do doente para a redução dos estímulos cognitivos antes de ir dormir (evitando os écrans, por exemplo), reduzir a ingestão de cafeína, nicotina e de álcool ao fim do dia e à noite; promover as condições de luminosidade e temperatura adequadas ao sono (quarto mais escuro e com uma temperatura ambiente menos quente), e promover a prática de exercício físico durante o dia, evitando que seja muito vigoroso e intenso perto da hora de dormir.

Os trabalhadores por turnos são desafiantes, já que a regularidade dos horários de deitar e levantar fica desde logo comprometida, no caso dos trabalhadores por turnos rotativos, ou no caso em que o turno é fixo mas por exemplo noturno (por exemplo, um padeiro ou um vigilante que façam sempre o turno noturno), os horários serão regulares, mas opostos em relação ao ideal que seria favorecido para o sono pelo nosso ritmo circadiano. Aqui é fundamental tentar obter um período de sono maior, que terá de ser desfasado do período habitual noturno por força do horário de trabalho, mas procurando atingir o número de horas esperado para a faixa etária, e privilegiando as restantes medidas de higiene do sono, evitando a exposição solar antes do período de sono, por exemplo, utilizando óculos escuros no trajeto para casa antes do período de sono principal, e tentado criar as condições ideais no quarto no momento de dormir.

HN – Como é que as perturbações do sono se relacionam com condições de saúde mental, como a ansiedade ou depressão, e qual deve ser a abordagem clínica nestes casos?

TC – As perturbações do sono estão fortemente ligadas a algumas doenças como a ansiedade e a depressão. A privação de sono crónica condiciona maior probabilidade de alterações do humor, podendo agravar os sintomas de ansiedade e de depressão, assim como a insónia crónica é um fator de risco para algumas doenças mentais como a depressão. Por sua vez, a ansiedade e a depressão também podem induzir por si alterações do ritmo sono-vigília, levando à ocorrência de dificuldades em iniciar ou em manter o sono. A abordagem inicial deve procurar identificar estas situações, procurando diagnosticar o(s) distúrbio(s) associados. A higiene do sono é fundamental em todos os doentes; os casos de insónia crónica deverão ser melhor tratados com a Terapia Cognitivo-Comportamental para a Insónia, e os casos de depressão devidamente orientados para a área da psiquiatria.

HN – Que recomendações essenciais devem ser transmitidas a um adulto com insónia crónica ou dificuldades persistentes em manter um padrão de sono regular?

TC – É fundamental perceber se existe alguma patologia do sono (ou não) concomitante que possa estar a perpetuar estas queixas; no âmbito das doenças do sono, a apneia obstrutiva do sono é a situação mais frequente, mas existem muitos doentes que podem apresentar um motivo para não conseguirem dormir – por exemplo, no caso da dor crónica. Aqui a avaliação caso a caso e o tratamento específico das várias patologias identificadas é fundamental para o sucesso do tratamento da insónia. De forma dirigida à insónia crónica, as medidas de higiene do sono, e a avaliação especializada por um psicólogo do sono são fundamentais, já que a principal terapia consiste na Terapia Cognitivo-Comportamental para a Insónia, que oferece os melhores resultados para o tratamento da insónia a longo prazo.

Entrevista MMM