A menopausa é vista como uma transição biológica ligada à fertilidade. No entanto, no seu livro Menopausa – o seu cérebro em mudança, argumenta que este processo tem implicações profundas no cérebro. Que evidências científicas demonstram essa ligação e por que razão o cérebro é um protagonista central na menopausa?

A menopausa não é apenas uma transição reprodutiva, é também uma transição neurológica. O cérebro é o centro de comando do sistema reprodutivo, regula a produção de estrogénio e responde aos seus sinais. Ao mesmo tempo, o cérebro e os ovários estão ligados através do sistema neuroendócrino, pelo qual os sinais dos ovários, como os níveis hormonais, também têm impacto no cérebro. Evidências científicas assentes em vários estudos, incluindo o meu próprio trabalho de neuroimagem, demonstraram que, à medida que as mulheres passam pela menopausa, a estrutura, a conectividade, o metabolismo e até as respostas imunitárias do cérebro podem sofrer alterações significativas.

Lisa Mosconi é professora de Neurologia e diretora da Clínica de Prevenção de Alzheimer no Weill Cornell Medical College/New York-Presbyterian Hospital. Faz também parte do corpo docente do Departamento de Psiquiatria da Escola de Medicina e do Departamento de Nutrição da Escola de Nutrição e Saúde Pública na Universidade de Nova Iorque, e dos Departamentos de Neurologia e Medicina Nuclear na Universidade de Florença.
Mosconi possui um doutoramento duplo em Neurociência e Medicina Nuclear pela Universidade de Florença, e é uma nutricionista integrativa certificada e praticante de cuidados de saúde holísticos.

Pensa-se que estes efeitos sejam principalmente impulsionados pela redução do estrogénio, que não é apenas uma hormona reprodutiva, mas também um modulador essencial da função cerebral, apoiando a produção de energia, a neuroplasticidade e a proteção contra danos associados ao envelhecimento.

O seu livro sugere que a menopausa não é apenas uma fase de declínio, mas também um momento de transformação e até de crescimento cognitivo. Pode explicar esta perspetiva e como podemos mudar a narrativa em torno desta fase da vida?

Com todo o gosto. Durante muito tempo, a menopausa foi encarada apenas como um período de declínio e perda, quando, na realidade, é uma fase de transição e adaptação. Embora sintomas como afrontamentos, ‘névoa’ cerebral e lapsos de memória sejam reais e possam ser perturbadores, fazem parte do ajuste do cérebro a novos níveis hormonais e da progressão da mulher para uma nova fase da vida, que já não é reprodutiva, mas pode continuar a ser notavelmente produtiva. A investigação sugere que, embora algumas funcionalidades possam ser temporariamente afetadas ou abrandar, outras podem fortalecer-se ao longo do tempo. Muitas mulheres relatam uma maior clareza, confiança e resiliência emocional após a menopausa. Há evidências de que a empatia e a regulação emocional aumentam depois desta fase. Precisamos de mudar a narrativa de uma deterioração inevitável para uma de capacitação, reconhecendo que, com o apoio certo, por exemplo através do estilo de vida, dos cuidados médicos e da sensibilização, as mulheres podem prosperar durante e após a menopausa.

Muitas mulheres relatam uma maior clareza, confiança e resiliência emocional após a menopausa.

O estrogénio é frequentemente referido como um modulador essencial da saúde cerebral feminina. Pode explicar de que forma esta hormona influencia funções cognitivas e neuroprotetoras e o que acontece quando os seus níveis começam a diminuir?

“Temos de desmistificar a menopausa e falar sobre ela sem vergonha” - Bárbara Taborda
“Temos de desmistificar a menopausa e falar sobre ela sem vergonha” - Bárbara Taborda
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O estrogénio, particularmente um tipo de estrogénio chamado estradiol, desempenha um papel crucial no cérebro das mulheres, promovendo o metabolismo energético, protegendo os neurónios do stresse oxidativo e apoiando a plasticidade sináptica, essencial para a memória e a aprendizagem.  Além disso, ajuda a regular neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, que influenciam o humor e a função cognitiva. Quando os níveis de estrogénio diminuem durante a menopausa, esses efeitos protetores enfraquecem, tornando o cérebro mais vulnerável a alterações associadas ao envelhecimento e, em alguns casos, a doenças neurodegenerativas, como a de Alzheimer. Isto explica, provavelmente, porque algumas mulheres apresentam sintomas cognitivos durante a menopausa, como névoa cerebral e lapsos de memória.

Os seus estudos de neuroimagem revelaram que a menopausa pode ser um período de vulnerabilidade para o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer. Como podemos utilizar esta informação para criar estratégias preventivas mais eficazes?

A nossa investigação demonstrou que a menopausa está associada a níveis alterados de energia no cérebro, a um aumento da deposição de amiloide, uma característica da doença de Alzheimer, e a mudanças estruturais que podem contribuir para o declínio cognitivo ao longo do tempo. No entanto, nem todas as mulheres desenvolvem Alzheimer, o que indica a existência de fatores de risco modificáveis. As estratégias de prevenção devem centrar-se na intervenção precoce, promovendo a saúde cerebral através de uma combinação de escolhas de estilo de vida, acompanhamento médico e avaliações personalizadas do risco. A prática regular de atividade física, uma alimentação saudável para o cérebro, a gestão do stresse e, para algumas mulheres, a terapia hormonal, podem desempenhar um papel na redução do risco a longo prazo.

A medicina de precisão é o futuro da saúde da mulher, e a menopausa não é exceção.

Uma das grandes questões da medicina atual é o papel da terapia hormonal de substituição (THS). Ainda existe um debate sobre os seus benefícios e riscos. A partir da sua investigação, que critérios considera essenciais para decidir quem pode beneficiar da THS?

A terapêutica hormonal (TH) não é uma solução única, aplicável a todas as situações, e os seus efeitos podem variar consoante a idade da mulher, o seu histórico médico e o tipo e momento da terapia. A investigação sugere que a TH pode oferecer benefícios cognitivos e neuroprotetores se for iniciada perto do início da menopausa (a chamada “janela crítica”), especialmente para mulheres que passam pela menopausa precocemente, antes dos 45 anos. Isto pode ocorrer devido a causas genéticas, autoimunes ou outros fatores, nomeadamente razões médicas, como a ooforectomia [remoção cirúrgica dos ovários], com ou sem histerectomia [remoção do útero]. Para contextualizar, uma em cada oito mulheres nos Estados Unidos realiza uma histerectomia, que é a segunda cirurgia mais comum entre as mulheres, a seguir à cesariana. As sociedades médicas recomendam atualmente a terapia com estrogénio para suporte cognitivo em mulheres elegíveis que passam por uma menopausa precoce ou prematura. De um modo geral, uma abordagem personalizada é essencial, e todas as mulheres devem ter a oportunidade de discutir o seu perfil individual de risco-benefício com os seus médicos.

menopausa
menopausa créditos: Ideias de Ler

Além das terapias hormonais, refere o impacto da nutrição na saúde cerebral. Quais são os alimentos e padrões alimentares mais promissores na proteção do cérebro feminino durante e após a menopausa?

A nutrição pode desempenhar um papel importante no bom envelhecimento e na resiliência do cérebro. A dieta mediterrânica, rica em gorduras saudáveis, como as proporcionadas pelo azeite e frutos secos; antioxidantes, provenientes de frutas e legumes, e proteínas magras, como o peixe e as leguminosas, tem demonstrado apoiar a função cerebral e reduzir o risco de declínio cognitivo. Alimentos específicos benéficos para a saúde do cérebro incluem vegetais de folha verde, frutos vermelhos, peixe gordo e alimentos fermentados, que favorecem a comunicação entre o intestino e o cérebro. Uma alimentação pobre em alimentos processados e açúcares, mas rica em fibras e ómega-3, pode ajudar a manter a função cognitiva e proteger contra a inflamação, associada a doenças neurodegenerativas.

Há um crescente interesse na chamada "medicina de precisão" para adaptar tratamentos às especificidades de cada paciente. Acredita que, no futuro, poderemos ter abordagens personalizadas para a menopausa baseadas em genética, microbioma ou neuroimagem?

Espero bem que sim. A medicina de precisão é o futuro da saúde da mulher, e a menopausa não é exceção. Sabemos que a genética pode influenciar a forma como as mulheres vivenciam a menopausa e o seu risco de desenvolver condições como a doença de Alzheimer. Os avanços na neuroimagem e noutros marcadores biológicos podem ajudar a identificar precocemente sinais de declínio cognitivo ou alterações de humor, enquanto a investigação sobre o microbioma está a revelar como a saúde intestinal afeta o metabolismo das hormonas. No futuro, espera-se que surjam planos de tratamento personalizados que tenham em conta todos estes fatores, permitindo que as mulheres recebam intervenções adaptadas à sua biologia única – seja através de terapias hormonais ou não hormonais, terapia cognitivo-comportamental (TCC), mudanças no estilo de vida ou novas abordagens terapêuticas.

Nos seus estudos, menciona que o cérebro feminino passa por mudanças significativas na meia-idade, algumas das quais podem ser positivas. Poderíamos dizer que a menopausa representa não só um desafio, mas também uma oportunidade para uma espécie de "reconfiguração" cerebral?

Sim! Embora a menopausa traga desafios, também representa uma oportunidade de adaptação e crescimento. O cérebro passa por um processo de reestruturação – é, essencialmente, um projeto de renovação cerebral – e, enquanto algumas áreas podem tornar-se menos ativas ou menos conectadas, outras fortalecem-se. Muitas mulheres descobrem que, após a menopausa, sentem um aumento da concentração, criatividade e confiança. Compreender estas mudanças pode capacitar as mulheres a assumirem o controlo da sua saúde, a abraçar esta transição e a usá-la como uma oportunidade para otimizar a função cerebral através de escolhas de estilo de vida e cuidados médicos, quando necessário. A menopausa não é um fim, é um novo anel na bela árvore da vida da mulher.