A realidade do SNS é cada vez mais preocupante. Urgências com tempos de espera astronómicos, macas que preenchem os corredores sem perspetivas de vagas no internamento, falta de profissionais de saúde de todas as classes profissionais (médicos, enfermeiros, administrativos, assistentes operacionais, técnicos superiores de saúde), bombeiros retidos por falta de macas onde colocar os utentes, enfim. Parece uma fotografia de um país de terceiro mundo, sem capacidade para responder às necessidades, em constante mudança, de uma população, mas não! Isto é a realidade portuguesa.

A obstetrícia não escapa a este “caos”, em boa verdade talvez seja uma das áreas mais afetadas. A falta de profissionais de obstetrícia continua a condicionar a acessibilidade das utentes a cuidados de saúde e o encerramento alternado dos serviços de urgência, parecem não responder de forma eficaz às necessidades da população, tanto pela confusão social gerada, mas também pela consecutiva sobrecarga das poucas urgências que ainda se vão mantendo abertas, sem que para isso haja um reforço de profissionais.

Mas isto não é novidade. É do conhecimento geral que as carreiras dos profissionais de saúde, bem como o extenso desgaste físico e emocional são pouco valorizados, e que a gestão de recursos humanos é pouco eficiente. Os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia, ou enfermeiros parteiros, abreviando, são recursos humanos altamente especializados, mas pouco reconhecido tanto social como financeiramente, e que podem ajudar a reformular a obstetrícia no SNS, como?

A nível hospitalar os enfermeiros parteiros conseguem:

– Realizar consultas de vigilância de grávidas de baixo-risco a partir das 35/36 semanas, altura em que são encaminhadas dos centros de saúde para o hospital, libertando os obstetras para vigiar grávidas com patologias associadas ou consideradas de alto-risco;

– Fazer autonomamente internamentos de grávidas em fase ativa do trabalho de parto ou bolsa de água rota, em constante articulação com a equipa obstétrica, libertando os obstetras para observação de casos urgentes que recorram ao serviço de urgência ou de grávidas que estejam em trabalho de parto;

– Realizar partos eutócicos, ou ditos “normais” não instrumentados, e conduzir os trabalhos de parto, obviamente em constante articulação com a equipa de obstetrícia.

A nível dos cuidados de saúde primários (centro de saúde) os enfermeiros parteiros conseguem:

– Realizar consultas pré-concecionais e de vigilância de grávidas de baixo-risco até ao seu encaminhamento para o hospital, libertando os médicos de família para atenderem outros utentes que necessitem de observação médica, promovendo uma vigilância completa e adequada do processo de gravidez;

– Realizar consultas de revisão de puerpério (6 semanas após o nascimento do bebé), caso não exista nenhuma complicação, despistando os desvios da normalidade e encaminhando para o médico de família sempre que necessário;

– Realizar consultas de planeamento familiar, aconselhamento contracetivo, colocação e remoção de dispositivos intrauterinos e implantes subcutâneos, ensinos sobre o autoexame da mama, realização do rastreio do cancro do colo do útero (citologia), libertando mais uma vez o médico de família para consultas de rotina e de urgência;

– Instituir uma consulta de acompanhamento às adolescentes com vista a ensinar sobre o funcionamento do seu corpo, sinais e sintomas relacionados com a menstruação, aconselhamento sobre alterações de estilos de vida.

Estes são apenas alguns pontos-chave que poderiam fazer rapidamente a diferença da acessibilidade das utentes aos serviços de saúde, permitiriam um aproveitamento real e total das capacidades destes enfermeiros altamente especializados, sem que houvesse dispersão por outras atividades que não decorressem da sua área de intervenção específica. Permitiria também libertar os médicos obstetras e de medicina geral e familiar para consultas e atendimento urgente a utentes que necessitem destes serviços.

O que falta para a mudança? Haja coragem e vontade para mudar e reformular o SNS, para o bem da sociedade portuguesa e das gerações vindouras.